Mulheres negras são a esperança de retomada democrática nas Américas
A retomada democrática irá ocorrer com o compromisso das mulheres negras que têm construído estratégias de resistência ao avanço da extrema direita junto às bases e na política institucional.
Em 2024, se realiza mais um ciclo de eleições municipais no Brasil. E dessa vez há um fato curioso na conjuntura internacional: este será um “super ano” eleitoral, com pelo menos 60 países indo às urnas para decidir os rumos das democracias ao redor do planeta. Nesse sentido, vale dizer que o cenário não é dos mais animadores: a conjuntura política internacional apresenta algumas vitórias, mas gera preocupação profunda dados os avanços da extrema direita na Europa e nos Estados Unidos – que historicamente têm grande influência sobre o contexto brasileiro.
Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu, realizadas em junho de 2024, foram marcadas pela vitória de líderes nacionalistas, conservadores e linha-dura – ainda que grupos políticos de centro tenham sustentado seu poder de influência com um número significativo de cadeiras. Mesmo com um resultado aquém do esperado, a extrema direita consolidou seu avanço e marcou posição nesse espaço.
Na França, a ascensão do grupo ultranacionalista francês Reagrupamento Nacional (RN), de Marine Le Pen, demonstra fragilidades do campo progressista em fazer frente à popularidade de agendas anti-imigratórias, xenófobas e populistas.
A partir da mobilização das juventudes, as eleições à Assembleia Nacional do país deram vitória à esquerda, fechando o caminho para que a extrema direita no parlamento pudesse apontar o novo primeiro-ministro do país – mas não foram capazes de minar seu poder, cada vez mais crescente entre mulheres e junto a populações vulnerabilizadas socioeconomicamente.
Na Alemanha – que arrebatou o maior número de cadeiras no Parlamento Europeu – viu a extrema direita se fortalecer no país e na região. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD) foi fundado em 2013 e foi se radicalizando a partir de discursos xenófobos graves e de relativização – e até reprodução – de premissas nazistas.
Finalmente, é importante destacar a disputa feita pela Hungria, a partir do protagonismo de Viktor Orbán, dentro do Parlamento Europeu. Orbán foi primeiro-ministro nos últimos 15 anos e se consolidou como um articulador influente da extrema direita na Europa e no mundo – a partir de alianças com o ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente russo Vladimir Putin e o ex-presidente dos EUA Donald Trump.
É alvo de críticas por parte da comunidade internacional sobre os seus padrões antidemocráticos (incluindo repressão a instituições educativas, organizações da sociedade civil e meios de comunicação) e de negação sistemática aos direitos das minorias (particularmente das comunidades migrantes e LGBTQIA+).
Como seguimento dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu, Orbán conseguiu mobilizar um número suficiente de partidos para a criação do que pode ser o terceiro maior grupo parlamentar europeu, nomeado “Patriotas pela Europa”.
Já nos Estados Unidos, com desistência de Biden à corrida eleitoral, Kamala Harris – mulher negra de origem imigrante – é apontada por ele como a alternativa possível dos democratas para derrotar Trump. Ainda que a convenção que definirá o novo nome dos democratas para a disputa eleitoral seja só em agosto, a indicação de Harris por Biden já reverberou positivamente dentro do partido e na opinião pública.
Trump ainda lidera as pesquisas de intenção de voto em estados-chave e tem avançado para conquistar uma parcela significativa dos eleitores negros — percentagem que alcança o nível mais alto de apoio dos negros a qualquer candidato presidencial republicano desde a promulgação da Lei dos Direitos Civis de 1964.
Por isso, é possível que o investimento dos republicanos na conquista da base eleitoral que levou Biden à vitória quatro anos atrás possa passar a encontrar obstáculos com a guinada de Harris nessa corrida.
A possibilidade da candidatura de Kamala Harris à presidência pode ser a resposta para a retomada da confiança do eleitorado e é uma oportunidade histórica para que pela primeira vez uma mulher negra chefie a Casa Branca.
Diante desse cenário, países como Brasil e Colômbia são geografias estratégicas nessa geopolítica global. Não só porque são os dois países com a maior população afro-diaspórica do mundo, mas também por sua influência política, econômica e cultural na América Latina – e pela influência perene que sofrem dos desdobramentos da conjuntura geopolítica global.
A Colômbia, foi o segundo país da América Latina a eleger uma mulher negra como vice-presidente, na figura de Francia Márquez. O primeiro foi a Costa Rica, a partir da importante liderança de Epsy Campbell Barr, hoje membra do Fórum Permanente para Populações Afrodescendentes das Nações Unidas. Márquez é uma proeminente ativista socioambiental e dos direitos da população negra no país. Por desafiar os interesses de grupos políticos poderosos, tem sido alvo constante de atentados e ameaças à sua vida e à sua integridade física mesmo depois de eleita.
No Brasil, nomes históricos como os de Benedita da Silva e Marina Silva marcam a política nacional apesar de muitos obstáculos, pautando debates chaves para o nosso futuro como o de justiça climática, direitos trabalhistas e de fortalecimento da cultura.
Mais recentemente, no executivo federal, Anielle Franco vem implementando políticas importantes de enfrentamento ao racismo e promoção de equidade a partir do Ministério da Igualdade Racial.
Além disso, parlamentares como Talíria Petrone, Erika Hilton, Reginete Bispo, Carol Dartora e Daiana Santos têm oferecido resistência importante às tantas ameaças de desmonte de conquistas históricas pela extrema direita no Congresso.
Vale lembrar que no início de julho, líderes de extrema direita de várias partes da região se reuniram no Brasil para uma grande conferência articulada por Bolsonaro e seus aliados. Um dos destaques da Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC), realizada em Balneário Camboriú, foi a presença de Javier Milei, presidente argentino. A CPAC foi importada da experiência americana e é a maior conferência de conservadores dos EUA, realizada desde os anos 1970.
Na contramão das articulações bolsonaristas, os partidos do campo progressista brasileiro demonstram retumbante apatia, como se nada tivessem aprendido dos últimos resultados eleitorais ou da conjuntura global. Quando dão sinal de vida, demonstram apego a uma visão obsoleta e embranquecida da democracia e do que seria a alternativa ao avanço da extrema direita no país. Quanto mais precisaremos esperar pra que chegue a nossa vez?
Minha aposta de retomada democrática é na radicalidade e no compromisso das mulheres negras que têm construído estratégias de resistência ao avanço da extrema direita junto às bases e na política institucional.
Que esse 25 de julho seja lampejo de esperança, para nos lembrar que as mulheres negras sempre estiveram e continuarão movimentando as estruturas de poder nas Américas. A saída democrática está na imaginação política de mulheres negras e que a resposta às urnas nos próximos ciclos eleitorais na região permita que elas virem o jogo político das democracias latino-americanas.