Nesta semana recebi um áudio da escritora Monique Prada perguntando se eu topava escrever sobre o novo governo para o grupo da Boleto+1rede de apoio mútuo e suporte financeiro-afetivo entre mulheres, e pessoas trans e travestis. Imediatamente eu disse que sim, maluca que sou, e fiquei a semana toda de olho nos anúncios ministeriais para poder compor esse texto. Os últimos anúncios foram feitos no dia 29 de dezembro, ao mesmo tempo em que eu redigia estas palavras, e há tanta coisa a dizer que é inevitável deixar muito de fora. Por isso, aqui, escolhi destacar informações para energizar ânimos feministas, tão baqueados nos anos recentes.

É sabido que o bolsonarismo (ou: o conservadorismo antidemocrático radical fundamentalista cis hetero patriarcal e racista que pode ser nomeado como tal)  não vai desaparecer no dia primeiro de janeiro como que por passe de mágica. Parcelas significativas de assentos igualmente eleitos nos Governos e Assembleias Legislativas Estaduais, na Câmara dos Deputados, e no Senado Federal (e também de outras cadeiras, cargos e funções executivas do alto escalão) compartilham de muitos ideais bolsonaristas, comprovadamente detrimentais para mulheres, pessoas com deficiência, LGBTI+, negras e indígenas. 

Mas não quero aqui aguçar a sua réiva, cara leitora, com histórias do horror recente ou do que ainda pode vir. Ao contrário, escrevo este texto no espírito da união e da reconstrução, a partir do alívio que foi termos derrotado Bolsonaro. Nas urnas. Democraticamente. Elegemos Lula presidente do Brasil, pela terceira vez, depois de seis anos da deposição injusta de Dilma Rousseff… Depois de quatro anos de desmonte do Estado e de nossas políticas públicas… Depois de uma eleição tensa de muito trabalho, de tudo quanto foi gente, de todos os cantos do País, inclusive voluntariamente, em coletivos e comunidades, pelo compromisso brasileiro com a democracia. 

Não sei se foi o amor que venceu, não gosto de falar de política como quem fala sobre sentimentos. O que prevaleceu, no entanto – e de forma transparente, auditável e perante os olhos das mídias e governos internacionais – foi a vontade do Brasil de que Bolsonaro não fosse mais presidente. Enquanto o já quase ex-presidente Jair embora toma chá-de-sumiço e sai em férias antes do final do mandato, o novo governo vai ganhando contornos, e sua composição indica que algumas demandas historicamente feitas por movimentos sociais foram levadas em consideração. 

Sabemos com orgulho e alegria, por exemplo, que Ìyá Sandrali Bueno – membra ativa da Boleto+1 e autora publicada, inclusive no Catarinas – foi  uma das doze integrantes selecionadas pela equipe de transição para participar do grupo temático “Mulheres”, que deu diretrizes de trabalho para o Poder Executivo Federal dos próximos quatro anos. E agora sabemos em definitivo quais Ministérios serão encabeçados por quais mulheres. Quer saber também? Vem comigo: 

  • Ministra da Ciência e Tecnologia – Luciana Santos, atual vice-governadora de Pernambuco, formada em engenharia elétrica, presidente nacional do PCdoB (Gazeta do Povo).
  • Ministra da Cultura – Margareth Menezes, cantora e produtora cultural baiana, pioneira do axé music, e ícone do carnaval de Norte a Sul do Brasil (EU FALEI FARAÓÓÓ!), a primeira ministra confirmada do terceiro mandato do presidente Lula vai assumir ministério recriado no novo governo, após ter sido rebaixado à secretaria especial na gestão Bolsonaro. (Congresso Em Foco
  • Ministra do Esporte – Ana Moser, blumenauense símbolo da resistência democrática de Santa Catarina, também assume ministério recriado após rebaixamento na gestão Bolsonaro. Jogadora de vôlei e dona do bronze das Olimpíadas de Atlanta (1996), Moser também integra a ONG Atletas pelo Brasil, já foi diretora do Centro Olímpico do Parque do Ibirapuera e fez parte do Conselho Nacional do Esporte. (IstoÉ)
  • Ministra da Gestão – Esther Dweck, doutora em Economia, secretária de Orçamento do Ministério do Planejamento do governo Dilma Rousseff na gestão da ex-ministra Miriam Belchior (2011–2015) (que será secretária-executiva da Casa Civil de Lula). (Metrópoles)
  • Ministra da Igualdade Racial – Anielle Franco, escritora, professora e ativista, formada em Inglês e Literaturas, mestre em Relações Étnico-Raciais, foi atleta profissional de vôlei; irmã da vereadora carioca assassinada em 2018 Marielle Franco, é diretora executiva do instituto que leva seu nome. (MoneyTimes)
  • Ministra do Meio Ambiente – Marina Silva, ambientalista e historiadora formada, foi vereadora em Rio Branco e deputada estadual pelo Acre; em 1994 foi eleita senadora pelo primeiro de dois mandatos, encerrados em 2010 (EXTRA); Marina Silva foi candidata à presidência em 2010, 2014 e 2018, e retoma a pasta de que já foi e ministra entre 2003 e 2008 (Wikipédia). 
  • Ministra das Mulheres – Cida Gonçalves, formada em Publicidade e Propaganda, consultora em políticas públicas; já foi secretária nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres nos governos Lula e Dilma Rousseff. (Poder 360)
  • Ministra do Planejamento – Simone Tebet, senadora no período de 2015 a 2023 pelo MDB de MS, estado pelo qual foi deputada estadual e vice-governadora, além de duas vezes prefeita de Três Lagoas, sua cidade natal. Advogada e Mestre em Direito, foi também professora universitária. Teve participação notória na CPI da Covid, em 2021, e concorreu à presidência em 2022. (InfoMoney)
  • Ministra dos Povos Indígenas – Sônia Guajajara, formada em Letras e em Enfermagem, especialista em Educação especial; recebeu em 2015 a Ordem do Mérito Cultural; em 2022 foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time; atual Coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB);  integrante do Conselho da Iniciativa Inter-religiosa pelas Florestas Tropicais do Brasil; deputada federal eleita em 2022 (PSOL-SP) (Wikipédia) – e a primeira ministra do primeiro Ministério dos Povos Indígenas da História deste país… que sempre foi terra indígena. 
  • Ministra da Saúde – Nísia Trindade, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desde 2017, doutora em Sociologia, mestre em Ciência Política, graduada em Ciências Sociais. (Fiocruz)
  • Ministra do Turismo – Daniela do Waguinho, pedagoga, já foi professora do ensino fundamental, tem pós-graduação em Psicomotricidade, e trabalhou na Secretaria Municipal de Educação do Rio; deputada federal, com passagem pela Secretaria de Assistência Social e Cidadania do Rio e Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania de Belford Roxo. (Jota)
Que imagem! As Ministras mulheres não brancas Marina Silva (Meio Ambiente) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) ladeiam o presidente democraticamente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, neste print do anúncio ministerial de 29 de dezembro de 2022.  (YouTube)

Lula disse em seu discurso de abertura no último anúncio dos cargos do primeiro escalão do Governo Federal, no palco entre Marina Silva e Sônia Guajajara, que estava feliz porque nunca antes na História do Brasil houve tantas mulheres ministras. Ele também garantiu, no mesmo pronunciamento, que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal serão presididos por mulheres – e aos 30 de dezembro, cumpriu. As funcionárias de carreira dos dois bancos, respectivamente Tarciana Medeiros e Tarciana Medeiros e Maria Rita Serrano, como presidentes das instituições.

Bradamos por representação, e a das mulheres foi mesmo ampliada. Todavia, onze de 37 Ministérios ainda não compõem metade, e a taxa de diversidade no legislativo segue baixa. Estamos longe de obter paridade – ou seja, igualdade numérica nos espaços de poder, que seja proporcional aos dados populacionais – e isso em todos os âmbitos governamentais. Como já escrevi em outro texto publicado no portal Catarinas, ao final do primeiro turno das eleições de 2022 foram batidas quantidades recorde de parlamentares eleitas que são mulheres, pessoas com deficiência, indígenas, trans e negras. Mas ainda assim, de acordo com a avaliação da  coordenadora política do Mulheres Negras Decidem, Tainah Pereira, é muito pouco; “temos ainda só 4% de mulheres indígenas e duas mulheres trans — as primeiras eleitas para o Congresso Federal”, ela diz. 

O governo vai mudar, o congresso e o senado também, há muito trabalho pela frente, e todo mundo pode colaborar. No episódio do programa The Voice Brasil da terça-feira 27 de dezembro, por exemplo, Lulu Santos pediu, na TV em rede nacional, para que a nova gestão criasse uma secretaria dedicada a cuidar de assuntos relacionados à comunidade LGBTI+ – que, como pontuou a ANTRA, após todo o apoio da comunidade à candidatura de Lula, foi mencionada uma só vez no Relatório Oficial do Gabinete de Transição, o que é um acinte. Felizmente, no entanto, já no dia seguinte o cantor recebeu respostas positivas dos futuros Ministro da Justiça, Flávio Dino, e Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida – que é advogado e professor na Mackenzie e na FGV, atual presidente do Instituto Luiz Gama, especialista em direitos humanos e relações raciais, e autor de “Racismo Estrutural”, de 2019. Por Twitter, bastante publicamente, ambos garantiram a existência da secretaria já para o começo do ano, o que é um alívio. 

Faltam poucos dias para a mudança oficial, e ainda há muito que acontecer, entender e comentar. Prometi que neste texto privilegiaria informações que nos dão esperança em um futuro mais justo e inclusivo, e me ative às que, até agora, parecem sugerir que a imensa diversidade brasileira será levada em conta durante os próximos anos. Ao que tudo indica, há escuta. E isso significa que devemos seguir falando. Vamos continuar observando as esferas de poder, revelando desigualdades e exigindo participação ativa e representação real para batalhar por um Estado Democrático de Direito para todes.

 Feliz Ano Novo, Brasil. Que a gente siga de olhos abertos, pulso firme e voz ativa na condução democrática do nosso próprio destino. 

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  • Joanna Burigo

    Joanna Burigo é natural de Criciúma, SC e autora de "Patriarcado Gênero Feminismo" (Editora Zouk, 2022). Formada pela PU...

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