Isabela Sancho e os riscos do feminino monstruoso
A escritora Isabela Sancho é a nossa entrevistada do projeto Chicas que Escrevem. Leia a última entrevista da série.
Texto de abertura: Elisabetta Mazocoli.
A Chica Que Escreve desta entrevista é Isabela Sancho, escritora, ilustradora, arquiteta e psicanalista, nascida no interior de São Paulo. A autora lançou “Quem fala em seu nome” (Editora Primatas, 2019), “As flores se recusam” (Editora Patuá, 2018), “A depressão tem sete andares e um elevador” (Editora Penalux, 2019) e “Monstera” (Editora Urutau, 2019).
Influenciada por grandes autoras que vão ao íntimo da alma, em “A depressão tem sete andares e um elevador”, Isabela aborda, em um grande poema de mais de 100 páginas, a condição física da depressão.
“Trituro sem dentes/esse mamilo empedrado/até liquefazer/a ausência do leite/com o músculo mais forte/de nossos corpos”, diz trecho de um poema do livro “Monstera”. Na obra, Sancho, traz poemas e ilustrações que exploram o lado selvagem das pessoas, principalmente no que diz respeito ao imaginário da mulher. São feitas, assim, ligações entre animais e plantas à condição humana, em um livro que se completa com ilustrações.
Isabela Sancho em entrevista
Chicas que escrevem: Você poderia começar se apresentando para o público? Quem é a Isabela Sancho?
Nasci no interior de São Paulo, onde estudei artes visuais e me formei em arquitetura. Enquanto ainda estava na faculdade, morei na Itália por um ano e, em seguida, me mudei para São Paulo capital para trabalhar com desenho urbano e paisagístico. Foi nesse momento em São Paulo que também passei a viver e estudar a psicanálise. Desenho sem parar desde a infância e, na adolescência, comecei a escrever criativamente. Nos últimos anos, publiquei alguns livros de poemas, que também ilustrei.
Hoje, experimento uma ampliação de tudo isso: além de estar sempre escrevendo e desenhando de maneira autoral, ilustro e crio o design de livros para outros autores e editoras, além de oferecer cursos de escrita e leituras críticas.
Bom, agora vamos falar sobre sua trajetória como escritora. Por que começou a escrever? E mais, por que continuar escrevendo?
Comecei a escrever no ímpeto de encontrar uma expressão para o que me inquietava. Era vital, continua sendo.
Agora, enquanto leitora. Quais foram suas influências? Poderia nos contar um livro que te marcou? Qual foi sua última leitura?
A leitura que inaugurou minha vontade de escrever foi “Perto do coração selvagem”, de Clarice Lispector, que literalmente caiu em cima da minha mesa de escola. A partir daí, li tudo o que a Clarice escreveu. Dentre as prosadoras, também li tudo o que encontrei de Anaïs Nin e Herta Müller. E então fiz o mesmo com as poetas Sylvia Path e Anne Sexton. Minha última leitura foi “O tempo adiado”, de Ingeborg Bachmann.
Você publicou pela Editora Penalux em 2019 o livro “A depressão tem sete andares e um elevador”. Confesso que fiquei maravilhada com o título. Poderia nos contar sobre essa obra? Como surgiu a ideia e o processo de criação?
Quando tinha quase vinte anos, caminhava pela cidade quando me veio à mente exatamente a frase do título. Sinceramente, não sei de onde surgiu, pensava em qualquer outra coisa naquele momento – mas essa frase estruturou uma sequência de andares de subsolo, pelos quais uma mulher vai descendo e parando.
Comecei escrevendo esse livro enquanto prosa, sem me satisfazer. Também desenhava suas cenas em pequenas porções de papel colorido, que colava atrás da porta do meu quarto – tentava visualizar o livro em sua verticalidade. Levou quase dez anos para pensá-lo como poesia e ilustração – as melhores formas que encontrei para esse livro e também para outras necessidades expressivas.
Também em 2019 você lançou “Monstera” pela Editora Urutau. O que poderia nos contar sobre essa obra e suas poesias?
“Monstera” começa a ser escrito uma semana antes do lançamento de “As flores se recusam”, que publiquei pela Editora Patuá. Estranhava a vinda do meu primeiro livro, que tinha flor no título, contudo não era exatamente uma “flor que se cheire”, entende? Esse primeiro livro me parecia ter algo implicitamente monstruoso, o que me assustava. Resolvi não escrever por um tempo, e sim desenhar: foi quando esbocei um rosto de crocodilo na água, olhando de canto.
Mas, em seguida, escrevi um poema curto, que me impactou, e que chamei de “Crocodila”. Então, pensei sobre o que aconteceria se escrevesse um livro sobre um feminino decididamente monstruoso – ou, quem sabe, monstruoso perante as muitas coisas que se espera de uma mulher, que as contraria até onde pode. Com imagens de plantas carnívoras, fêmeas predadoras e insetos fóbicos, comecei “Monstera”.
Agora, falando de futuro, você está trabalhando em algum projeto atualmente? Se sim, poderia nos contar um pouco sobre ele?
Estou revisando um próximo livro de poemas, que também já ilustrei, e que trabalha imagens de uma infância.
Em geral como foram suas experiências de publicação? O que mais te marcou no processo?
Trabalhei com editoras de diferentes cidades do estado de São Paulo, e a experiência que mais me marcou foi com a Editora Penalux, que foi muito receptiva com minhas ideias para o design gráfico, abraçando carinhosamente cada invenção, criando e recriando junto, muito carinhosamente. Essa experiência me fez perceber a necessidade de me envolver criativamente na estética do livro como um todo, e abriu meu trabalho com design gráfico.
Por fim, há algo que você gostaria de dizer para outras mulheres que escrevem? Algum conselho, ou, alguma mensagem final?
Gosto de pensar que um texto não será tatuado na pele nem cravado em pedra na sua primeira versão: podemos transformá-lo quantas vezes a escrita precisar, pois tem elasticidade para isso.
É raro que um texto venha impecável em seu ímpeto inicial. Se seu encanto cede numa segunda leitura, é válido deixar o texto descansar, sem descartá- lo. Então, retornar a ele quando os olhos estiverem modificados e puderem trabalhar com o sentido que ainda persistir.
Por favor, indique um livro para os leitores e também um filme ou série.
Indico o livro “Eu, a puta de Rembrandt”, de Sylvie Matton, e o filme “Uma mulher alta”, de Kantemir Balagov.