A nomeação de Damares Alves como presidenta da Comissão de Direitos Humanos do Senado repete uma estratégia política já vista com a escolha do pastor Marco Feliciano para a mesma função na Câmara dos Deputados em 2013: colocar figuras com discursos conservadores e, muitas vezes, contrários à ampliação dos direitos humanos, à frente de órgãos cuja missão é justamente a sua defesa e promoção.

É claramente o retrato do processo que o grande professor de direitos humanos, Joaquin Herrera Flores, chamada de inversão dos direitos humanos.

Este processo ocorre quando os direitos, em vez de serem instrumentos de emancipação e transformação social, são usados para reforçar relações de dominação e exclusão. Ele critica o uso retórico dos direitos humanos por parte de instituições e discursos que, na prática, perpetuam desigualdades e marginalizam certos grupos.

Nesse contexto, os direitos das mulheres têm sido particularmente vulneráveis. Tanto Damares Alves quanto Marco Feliciano adotaram posições que restringem avanços nas pautas femininas. Feliciano, por exemplo, afirmou que as reivindicações feministas estimulam relacionamentos homoafetivos e se contrapõem ao ideal de família perpetuado pelos conservadores.

Damares, por sua vez, já fez declarações que minimizam a igualdade de gênero, sugerindo a absurda ideia de que as lutas pela igualdade de gêneros contribuem para a violência contra a mulher. Estas posturas refletem uma visão que deslegitima as lutas femininas por igualdade e autonomia, impactando negativamente a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a proteção e promoção dos direitos das mulheres.

O Brasil sucumbe, uma vez mais, na proteção dos direitos humanos. Mais de uma década separam as experiências de Damares e Feliciano, mas a tática é a mesma: ao invés de fortalecer políticas públicas baseadas em princípios universais de dignidade e igualdade, permite-se a cooptação de espaços institucionais, que deveriam ser protetivos, por discursos preconceituosos e excludentes.

Isto se dá por um contexto político que transforma os direitos humanos em um campo de batalha ideológico, em que setores ultraconservadores conseguem mobilizar apoio popular ao distorcerem a pauta, associando-a a “privilégios” de “minorias” e deslegitimando suas reais funções.

A ocupação da CDH por figuras como Damares é um reflexo de uma disputa cultural e política mais ampla, na qual os direitos humanos são tratados como um obstáculo ao poder estabelecido, e não como uma garantia fundamental. Enquanto permitirmos essa lógica de inversão dos direitos persistir, o Brasil continuará a retroceder na proteção das pessoas mais vulneráveis e na consolidação de uma democracia verdadeiramente inclusiva.

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Melina Fachin

    Advogada, pós-doutora em democracia e direitos humanos no Centro para os Direitos Humanos e a Democracia da Universidad...

Últimas