Parte 3

“Amamentar é um ato de amor”, dizem cartazes e panfletos dos serviços de saúde. “Mas dê o peito escondida”, complementam olhares censores da sociedade. A amamentação costuma ser pauta de campanhas e tabus que procuram impor comportamentos às mulheres, ignorando as suas necessidades e o difícil período de adaptação com o bebê.

Ao se depararem com uma realidade bem diferente do cenário cor-de-rosa que a sociedade constrói e sem o devido apoio, muitas mulheres passam por uma série de obstáculos físicos e emocionais. Para doula e Educadora Perinatal Marina Cunha Mendes de Toledo, é preciso desmistificar a propaganda sobre a amamentação e construir perspectivas mais reais.

“As campanhas são muito rasas e mostram o lado bonito e romântico. Elas não mostram o que está por trás da vida real de uma mulher que amamenta seu bebê quando ele nasce, quando tudo aquilo é novidade”, afirma. Diante das cobranças sociais, muitas mulheres que desistem, não querem ou que não conseguem amamentar passam pela frustração de não ter conseguido “amar” seu filho, dar a ele filho o “melhor alimento do mundo”, como reiteram outros clichês.

 

Mais ajuda, menos julgamentos

 

O período do puerpério, logo após o nascimento do bebê, requer atenção especial da rede de apoio da mãe para que ela receba o acolhimento e orientação de que necessita. “O puerpério é um momento bastante delicado e frágil para a mulher e ele é fundamental para que a amamentação se estabeleça”, observa a doula Carol Rutz. “É um trabalho para a família toda”, complementa Marina. “A mulher que amamenta precisa de descanso e muito apoio da família. Esta mulher não pode estar preocupada com a limpeza da casa por exemplo”, diz.

Enquanto vivia as dificuldades da amamentação no puerpério com Vinícius, quando teve mastite, Ingrid evitou receber visitas. “O choro era incontrolável e eu morria de vergonha de me verem chorando ao amamentar. Tinha medo que me julgassem mal. Na primeira semana, ouvi dizerem que eu estava de frescura, que eu não queria amamentar e inventava problemas. Obviamente minhas dificuldades aumentaram após isso”, relembra.

Angela Medeiros amamenta Isis há dois anos e três meses / Foto: Arquivo pessoal
Angela Medeiros amamenta Isis há dois anos e três meses / Foto: Arquivo pessoal

A doula Carol observa que a amamentação é mais um ato feminino passível de julgamentos sociais. Assim como em todas as esferas da vida de uma mulher, ainda há muito julgamento sobre uma mãe neste período. Ela é julgada se insiste na amamentação, se complementa com fórmula artificial, se troca a amamentação pela mamadeira”, acredita. Ingrid concorda. “O que vejo são opiniões não solicitadas que acabam minando a confiança da mulher no próprio corpo e nos instintos de mãe”,  afirma a jornalista.

Se não fosse pelo apoio da mãe, da irmã e de uma pediatra, talvez Angela Medeiros não tivesse amamentado Isis e Pedro por tanto tempo. Pedro mamou por três anos, até a chegada de Isis, que já mama há 2 anos e 3 meses. A irmã, Sílvia, chegou a amamentar Pedro nas primeiras semanas, enquanto Angela ainda não tinha leite. “Minha irmã e minha mãe sempre me orientaram a não desistir, dizendo pra eu ter calma que o leite iria vir”, lembra.

Estudante de Psicologia, Angela Medeiros conta que já recebeu diversos comentários de reprovação e olhares maliciosos dos homens ao amamentar dentro da UFSC. “Quando levava o Pedro, às vezes eu amamentava no CFH. Teve uma mulher que se sentiu no direito de vir falar ‘nossa, que menino grande ainda mamando”, conta.

 

A mãe absurda

Cartilha tem versão on-line e impresa
Cartilha tem versão on-line e impresa

Flora acordou com fome e não esperou as compras de Maitê acabarem. No supermercado, ela pedia o peito da mãe. Maitê deitou a filha no colo e fez menção de subir a blusa quando ouviu, atrás de si, uma exclamação enfática: “Que absurdo!”.  Uma senhora transtornada olhava para a cena de Maitê prestes a amamentar a filha. “Quando olhei na direção dela, me dei conta de que o absurdo era eu”, relata a mãe de Flora. A idosa ainda encontrou apoio. “Que falta de respeito”, outra pessoa complementou. Maitê paralisou. Depois chorou. “Sempre pensei que se algo assim acontece comigo eu faria um escândalo, mas quando aconteceu fiquei em choque”, conta.

O episódio, no entanto, não foi em vão e levou Maitê a idealizar um projeto para contribuir com o debate e a visibilidade sobre amamentação. A partir de conversas com mães, pais e especialistas, criou um minibook com relatos de experiências de quem vivencia e entende da amamentação. “Há muitos livros e cartilhas do governo com textos teóricos e termos técnicos. Eu sentia falta de um espaço de divisão de experiências para mostrar que existem histórias em comum e que algumas mães amamentam até três anos enquanto outras, por diferentes motivos, vão só até o primeiro mês e todas estas situações são normais”, afirma.

A cartilha tem  versões online e também impressa e foi lançada em um mamaço realizado no Parque de Coqueiros, na Capital, em 6 de agosto, durante a Semana Mundial da Amamentação. Depoimentos para uma segunda edição continuam sendo reunidos por meio da fanpage www.facebook.com/amamentandocommuitoamor. O próximo projeto é a criação de um site para mapear os espaços com infraestrutura para receber famílias com filhos em Florianópolis e região.

Para acessar o minibook, clique aqui.

 

Uma lei para garantir um direito humano

Em Santa Catarina, uma lei foi necessária para garantir um ato que deveria ser apenas natural. Amamentar em qualquer lugar é um direito assegurado por lei. A legislação estadual prevê multa de R$ 2 mil a R$ 40 mil aos estabelecimentos comerciais que impedirem mães de amamentar os filhos em suas dependências. A lei foi criada em 2014 após denúncias de mães que foram constrangidas ao amamentar em locais públicos. A necessidade de um marco legal evidencia a cultura do machismo.

Para Maitê Brambilla, o preconceito contra o ato da amamentação pode ter se tornado mais recorrente depois que as mulheres abandonaram a exclusividade do espaço privado para usar os espaços públicos. “Minhas tias amamentaram por três, quatro anos, e isso nunca foi pauta de discussão. Tem um pouco do machismo que tá na sociedade e também o fato de que estamos mais na rua, e isso é diferente da época da minha mãe, que sempre trabalhou em casa”, analisa Maitê Brambilla.

 

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  • Ana Claudia Araujo

    Jornalista (UPF/RS), especialista em Políticas Públicas (Udesc/SC), mãe de ninja.

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