Parte da construção do pânico em torno da questão dos direitos reprodutivos e do aborto passam pela linguagem. Ela é bem importante pra toda a argumentação – e estudos são feitos sobre o tema em diferentes lugares no mundo. Os termos empregados têm, portanto, relevância.

É comum que se ouça falar de “mãe” e “bebê” quando se fala de “gestante” e “feto”.

O fato de uma mulher estar gestante não implica que ela vá ser mãe. E o fato de um embrião ter sido gerado, não implica que ele se tornará feto, depois, um recém-nascido e, finalmente, um bebê.

Você pode ler a frase anterior e já pensar: “aí, a esquerda perdendo tempo com essa bobagem.” 

Pois não estamos. Porque a extrema direita sabe muito bem usar apenas a palavra bebê justamente para gerar indignação e pânico. Pra convencer as pessoas de que aborto é desumano, homicídio.

Por isso, é preciso dar o nome certo pras coisas: primeiro, é um embrião. Depois, um feto. Assim que nasce, um recém-nascido. 28 dias depois, um bebê. Ninguém aborta um bebê. Um bebê, para existir, precisa ter passado pelas etapas anteriores. Ter saído da barriga, vivido dias.

E essa discussão é importante porque passa por aquilo que está na Proposta de Lei 1904/2024, que é a questão da “viabilidade fetal”, algo para o qual o professor Rafael Mafei chamou atenção em publicação no Twitter. 

Não há uma conclusão definitiva sobre a tal viabilidade fetal – e essa não deveria, mesmo, ser a questão. Mas se um feto é chamado de bebê o tempo todo nas discussões públicas sobre aborto, define-se de maneira muito “curiosa” os termos da conversa sobre o tema. Isso leva a uma comoção pública pautada num discurso torto, feito justamente para causar comoção – e desinformação.

Por isso, estejamos atentas (incluindo aqui jornalistas, por favor).

Nenhuma mulher é mãe até que escolha ter uma criança. Gravidez não é sinônimo de maternidade. Embrião e feto são estágios que antecedem a existência do bebê. E não são a mesma coisa.

Ter essa atenção é importante porque o embate com a extrema-direita é também, e muito, um embate discursivo. Não nos esqueçamos disso.

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  • Jana Viscardi

    Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas e autora de Escrever sem medo: um guia para todo tipo de t...

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