O machismo, enquanto cultura, e a misoginia, como conjunto de práticas que a sustentam, ocupam lugares privilegiados atualmente no Brasil. Mais que naturalizado, o pensamento supremacista masculino de extrema-direita passou a ser institucionalizado, presente em forma e conteúdo pela estupidez e brutalidade de cada posicionamento presidencial. 

O comentário “Não humilha cara. Kkkkkkk” feito pelo presidente Jair Bolsonaro à postagem de um apoiador no Facebook que comparava a aparência física das esposas dos mandatários da França e Brasil não é só mais um exemplo desse ideário, mas um marco da misoginia bolsonarista ultrapassando as fronteiras do Brasil. O comentário em meme ridicularizava Brigitte Macron, 24 anos mais velha do que Emmanuel Macron, e validava Michelle Bolsonaro, 27 anos mais nova do que o marido. Neste episódio, a negociação diplomática pela política de preservação da Amazônia deu lugar na arena pública às ofensas do presidente do Brasil à primeira-dama da França. 

Historicamente, as relações entre centro e periferia potências mundiais e países em desenvolvimento se ativam e se retroalimentam constantemente em um reforço da dependência das nações periféricas. Este trânsito que experimentamos na contemporaneidade com o giro ao conservadorismo por governos de direita de vários países ainda que nem todos se articulem em torno de um discurso misógino tem como marca a recolonização tanto de territórios quanto dos corpos femininos e não brancos.

Diante da colonizadora Europa, ao contrário do que diz, o presidente do Brasil não afirma soberania, primeiro porque não assume postura de estadista e republicano, segundo porque reforça o ideário de recolonização, tratando território e corpo feminino como propriedades. Sua estratégia discursiva exalta um nacionalismo a partir da construção de um inimigo nacional: mulheres, pobres, negros, indígenas, quilombolas e população LGBTI+. No entanto, no fundo, essa ideia de “nacionalismo” de Bolsonaro é baseada em uma relação de dependência e submissão ao presidente estadunidense, deliberadamente misógino. Nessa relação, as mulheres, principalmente negras e indígenas, têm sido o alvo das ocupações desse corpo – território que concentram as violências simbólicas e materiais.

Conforme a antropóloga argentina Rita Segato no livro La guerra contra las mujeres (2016), países da América Central e América Latina passam por um intenso processo de “mafialização da política”, momento em que os colonizados exercem sua “hipertrofia da masculinidade”. Uma masculinidade bélica que reproduz as violências desse processo colonial direcionadas aos corpos dominados.

“A estrutura funcional hierarquicamente disposta que o mandato de masculinidade origina é análogo à ordem da máfia; por esse tipo de violência, o poder é expresso, exibido e consolidado de forma truculenta perante os olhos do público”, explica em seu livro.

Como afirma Segato, os pactos e mandatos de masculinidade funcionam a partir de uma estrutura mafiosa, na qual o sujeito obtém sua masculinidade diante de desafios, de prova ante os pares. Logo, a forma como expressam seus pactos mafiosos de masculinidade é o que lhes garante lugar nesta confraria. A necessidade dessa masculinidade débil, historicamente subalterna aos colonizadores, reflete essa brutalidade que ativa entre os homens da confraria um prestígio ao desprezar a esposa do presidente francês por sua idade. 

O fato de Emmanuel Macron, de 42 anos, ter um relacionamento amoroso com uma mulher de 66 também foi usado por seus adversários políticos para atingi-lo durante as eleições. Por mais de uma vez, o francês respondeu: “se fosse eu 20 anos mais velho que minha mulher, ninguém estaria falando disso”. Sim, nos acostumamos a ver homens conservadores se relacionando com mulheres muito mais jovens, instrumentalizando-as como troféu garantidor de um nível de masculinidade desejado, como vimos com o ex-presidente Michel Temer e agora com Bolsonaro. Esta masculinidade valiosa, atrelada a uma potência sexual que é facilmente substituída pelo poder político, econômico, intelectual, moral ou bélico, tributa ao feminino a subserviência, subordinação e cuidado. Nesse cenário, recai sobre as mulheres o peso de um padrão estético só possível de ser atingido em um período curto de existência, enquanto potencialmente reprodutivas e sexualmente ativas, já que, como visto na ofensa à Brigitte Macron, é a idade de suas companheiras o que valida, aos olhos do senso comum, a afirmação social do poder.

Bolsonaro inaugurou um novo léxico presidencial. “Porra” e “cara” estão entre as palavras acionadas na sua comunicação direta com um público que se vê autorizado a expandir suas falas burlescas para além do churrasco de família ou da mesa de bar. Dizendo ser Jonny Bravo, personagem de desenho animado, conhecido por sua estupidez e modos desagradáveis, Bolsonaro se torna uma caricatura como forma de ratificar sua masculinidade.

Sua postura de hostilidade aos ativismos e estudos de gênero é representativa da reinstalação, segundo Segato, de um “fanatismo patriarcal militante”, caro aos donos do poder enquanto reação aos movimentos sociais. 

Apesar de soar esvaziado de conteúdo político, o endosso de Bolsonaro à postagem sobre as primeiras-damas demonstra como a discriminação de gênero é, também, etária, e perfaz o itinerário de uma política de ódio contra as mulheres. Há vários registros em que Bolsonaro busca demonstrar o poderio masculino sobre corpos femininos. O mais deliberado foi proferido ainda enquanto era deputado federal, em tom de ofensa à deputada Maria do Rosário, nos corredores do Congresso Nacional. Em 2014, Bolsonaro disse que só não estupraria a deputada pois ela não merecia, no sentido de que não era aprazível ao seu gosto. O estupro, como sabemos, é usado como arma de guerra, acionada não para atender um desejo sexual, mas para demarcar poder sobre um território. 

De acordo com Segato, nas guerras informais contemporâneas, cuja expressão máxima é o estupro e o feminicídio, o corpo da mulher é um lugar onde se inscreve a potência jurisdicional dos homens e da máfia: a soberania sobre um território. Como observa, o contexto de guerra contra as mulheres está condicionado à existência de um sistema patriarcal de alta intensidade. Resta nos perguntar, diante dos ataques, se não estaríamos em trânsito para esse patriarcado de alta intensidade, em que o bolsonarismo aliado às milícias, aos discursos de ódio exacerbado, à releitura da colonização dos corpos femininos e não brancos, estaria promovendo uma frente poderosa e perversa, uma guerra contra as mulheres?

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