Parte 2: Os desafios para manter a amamentação com o fim da licença-maternidade e a retomada do trabalho.

A amamentação é um direito tanto do bebê quanto da mãe. Enquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito das crianças, os empregadores e o Estado devem assegurar que as mães trabalhadoras possam também oferecer o leite materno para além do período da licença-maternidade.

No retorno ao trabalho, as mães têm direito a pausas de meia hora por dia para amamentar o bebê até que ele atinja os seis meses de idade.  Segundo a advogada Pollyana de Oliveira Gusmão, em casos excepcionais, quando a saúde da criança exige, o período pode ser prorrogado.

Desde 2010, a legislação brasileira permite a extensão da licença-maternidade de 120 para 180 dias. A ampliação dá oportunidade para que se cumpra a orientação da Organização Mundial da Saúde de que as crianças alimentem-se exclusivamente da amamentação até o sexto mês. A determinação é regra no serviço público e em empresas privadas do Programa Empresa Cidadã, mas o restante delas também pode aderir. No entanto, poucas o fazem, pois não contam com o benefício fiscal oferecido às empresas integrantes do programa. “Um segundo fator que pode ser apontado como motivo pela baixa receptividade da iniciativa é a questão cultural”, afirma Pollyana.

A advogada explica que a extensão da licença deve ser negociada entre funcionária e empregadora. “A empregada tem até um mês após o parto para fazer o pedido ou após a data da guarda, no caso de mães que adotarem uma criança”, esclarece.

Empresas com 30 ou mais funcionárias mulheres devem oferecer creche ou berçário. A creche que funciona perto do trabalho, facilita a amamentação. Caso a empresa não tenha este serviço disponível, a funcionária pode sair do serviço para amamentar a criança em casa.

“Nossas leis trabalhistas ainda precisam melhorar muito para que a primeira infância e, com isso a amamentação, sejam preservadas”, avalia a doula Carol Rutz.

Com legislação limitada, funcionárias precisam contar com apoio do empregador

Sofia acompanhou Kaionara no trabalho até o primeiro ano / Foto: Arquivo pessoal
Sofia acompanhou Kaionara no trabalho até o primeiro ano / Foto: Arquivo pessoal

A assistente social Kaionara dos Santos teve a rara oportunidade de levar a filha Sofia para o trabalho durante o todo o primeiro ano de vida. À época, ela era recepcionista em hotel há três anos e foi promovida após a licença-maternidade. Da recepção, passou para o setor de reservas, com sala privativa e sossego para amamentar o bebê.

A compreensão e da gerente e da proprietária do hotel foi fundamental para que pudesse manter a amamentação de Sofia, acredita Kaionara.  “Tanto minha gerente quanto a dona do hotel eram mulheres e foram muito solidárias. Como o hotel recebia muitos estrangeiros, elas faziam questão de que as vacinas da Sofia estivessem em dia para evitar que ela ficasse doente. Foi uma experiência muito boa”, relembra.

Na sua trajetória como mãe, A doula Carol Rutz também optou por um trabalho que permitisse a presença de Nalu. “Eu tinha total liberdade para estar com ela a todo momento, o que nos permitiu manter a amamentação em livre demanda”, conta.  Após o nascimento do segundo filho, Gael, Carol não teve a mesma oportunidade. Manter o leite materno como principal alimento do bebê – então com nove meses – exigiu uma verdadeira maratona: às seis horas, antes de sair para o trabalho, Carol amamentava Gael e ordenhava o leite para o resto da manhã. Ao meio dia, o pai ou o tio do bebê o levavam até o trabalho de Carol para mamar e, no fim da tarde, Gael mamava novamente, quando a mãe o buscava na escolinha. “Foi um período bastante conturbado, exigiu muito apoio e empenho do pai dele e do meu irmão. Ordenhar é um processo que chega a ser mais desgastante que amamentar, e é preciso se conectar com o bebê, pois é um processo hormonal, não é só mecânico/físico”, relembra a doula, que acumulou, no total, 50 meses de amamentação.

Além de todo o trabalho, enfrentou a má vontade na que trabalhava “Eu amamentava meu filho na minha mesa de trabalho. Depois de uns 20 dias de empresa, o Diretor Pedagógico me chamou numa sala e me pediu para não amamentar meu filho ali”, conta. Em choque, Carol não reagiu e seguiu amamentando Gael enquanto permaneceu no emprego. Acabou pedindo demissão no tempo de experiência e mudou de escola. O caçula mamou no peito até depois do segundo ano, mesmo com Carol trabalhando em tempo integral.

Como mãe e doula, ela torce para que haja maior sensibilização dos empregadores. “Precisamos resgatar o nosso poder de se colocar no lugar do outro e o enxergar como um igual. Quando o empregador vê isso, ele entende a importância do seu papel que pode facilitar a volta da mulher ao trabalho, reduzindo carga horária, ampliando a licença maternidade e a paternidade, além de tantos outros projetos e benefícios que podem ser feitos na empresa visando o bem estar de seus funcionários e familiares”, afirma.

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  • Ana Claudia Araujo

    Jornalista (UPF/RS), especialista em Políticas Públicas (Udesc/SC), mãe de ninja.

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