Por Isabela Fuchs e Alina Nunes*

A ditadura militar no Brasil agiu sobre diversas esferas da vida cotidiana em nosso país. A repressão cultural, uma das formas de repressão institucionalizada pelo regime, teve reações – foram inúmeras as formas encontradas para se ter coragem para suportar aqueles tempos. Foram tempos difíceis, durante os quais não se sabia quando nem como a censura, a violência e o medo poderiam, finalmente, se encerrar. As reações às circunstâncias foram diversas e distintas: a contracultura, o exílio ou, até mesmo, o silêncio, são alguns exemplos de reações tanto no âmbito político quanto cultural. Foram tempos difíceis, mas foram tempos libertários que uniram pessoas, vertentes, posicionamentos, ideários e imaginários na luta contra a ditadura. O cinema, o vídeo e as artes gráficas são as imagens dessas reações, imagens dessa resistência.

A década de 1960 vislumbrou um crescente posicionamento engajado nacionalista de esquerda nas práticas artísticas, sendo o Cinema Novo um de seus exemplos mais relevantes. O Cinema Novo, na sua combinação de experimentação estética e política, expressava a vontade de “filmar a verdade”, trazendo à tona sujeitos e temáticas pertencentes ao “terceiro mundo” que não eram abordados pelos cinemas convencionais. Apesar de ter sido considerado um cinema revolucionário, o movimento do Cinema Novo contava majoritariamente com a participação de homens, tanto por trás das câmeras quanto filmados por elas.

A partir da década de 1970, mulheres começaram a participar mais na direção e produção de filmes brasileiros, inclusive por conta de decretos-leis que estimulavam a produção audiovisual no país. Entretanto, como bem definiu a diretora Tereza Trautman, essa geração de mulheres no cinema poderia ser definida como “cineastas amordaçadas” pois, além de enfrentarem a censura imposta pela ditadura militar, elas também precisavam enfrentar a exclusão sistemática de mulheres dos locais de produção audiovisual e produção cultural do país – havia pouco espaço para cineastas que eram mães e para filmes que contrapunham a “moral e os bons costumes” ditados pelo regime daquele período.

Em outra frente, cartazes que se opunham à ditadura preenchiam os espaços urbanos do Brasil e em cidades que contavam com exiladas que desejavam denunciar as arbitraridades e violências institucionalizadas cometidas pelos militares. Como uma forma plástica de denúncia, eles foram constantemente denunciados pelo DOPS enquanto elementos altamente subversivos e “contra os Atos Institucionais da Revolução de março de 1964” (ARQUIVO NACIONAL. ACE 80323/74). Paredes, muros, corredores falam alto em momentos de tensão política e de silenciamento de pessoas. Deste modo, cartazes tornam-se uma forte ferramenta política por se integrar à vida cotidiana do espaço urbano e, por consequência, à vida política.

Filmes, vídeos e cartazes são dotados de potência política. Podem contrapor e desestabilizar discursos dominantes. Podem driblar o apagamento histórico de narrativas de resistência de períodos tão difíceis como o da ditadura militar, assim como do momento que vivemos hoje. Nestas formas artísticas vemos tensões e conflitos que unem circunstâncias políticas, enfrentamento de barreiras culturais impostas pelo Estado, união de mulheres e engajamento feminista. Mulheres artistas foram e ainda são postergadas na escrita da história e da história da arte. Isso não quer dizer que as mulheres não tenham disputado esses espaços, mas que a escrita da história é, de fato, um campo de combate e de disputa de narrativas.

Assista ao episódio:

https://www.youtube.com/watch?v=4WChKcZgphQ&t=3s

Quer saber mais?
Acesse o artigo “Arte, política e feminismo: as imagens da resistência das mulheres na ditadura” para leitura mais aprofundada sobre este tema, disponível no livro resultante do Projeto Mulheres de Luta.

Clique aqui para acessar o webdocumentário Mulheres de Luta completo.

Ficha técnica:
Entrevistas: Alina Nunes, Ana Maria Veiga
Roteiro: Alina Nunes, Isabela Fuchs e Ana Maria Veiga
Edição: Marina Moros

*Isabela Fuchs é doutoranda em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestra em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Seus temas de interesse e pesquisa são: História e Teoria da Imagem, História da Arte e Gênero, magem e Decolonialidade, Design e Cultura e História do Brasil Contemporâneo. Atualmente, seu foco de pesquisa é sobre a produção imagética dos círculos de mulheres na luta pela democracia e direitos humanos entre 1974 e 1979.

*Alina Nunes é mestranda em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), bolsista FAPESC. É historiadora formada também pela UFSC. Integra o Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH/UFSC) desde 2017. Desenvolve pesquisas sobre história dos feminismos, história das mulheres, mulheres no audiovisual e audiovisuais feministas.

Edição de Morgani Guzzo.

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