Em áudio vazado, Paulo Henrique Dalago Muller (DEM), reage à denúncia da vereadora do município, Isabela da Silva, sobre degradação de área de preservação ambiental na praia de Quatro Ilhas.
O prefeito de Bombinhas (SC), Paulo Henrique Dalago Muller (DEM), protagonizou um episódio machista na última terça-feira (18). Em um áudio vazado, Paulo diz para a vereadora do município “lavar uma louça” ao invés de querer investigar um crime ambiental ocorrido em uma área de preservação permanente na praia de Quatro Ilhas.
A vereadora citada é Isabela Camile da Silva (PSDB), a única mulher eleita para ocupar uma das nove cadeiras na Câmara Municipal. Em entrevista ao Portal Catarinas, a parlamentar contou que acordou na terça-feira com vários relatos de indignação de bombinenses por conta da degradação de uma parte da restinga no canto da praia. De acordo com moradores da região, às 6 horas da manhã daquele dia uma máquina da Secretaria de Obras abriu uma clareira em uma área protegida por lei.
Diante do fato, a vereadora registrou uma denúncia na Fundação de Amparo ao Meio Ambiente de Bombinhas (FAMAB). Logo depois da queixa, o áudio reativo do prefeito passou a circular em um aplicativo de conversas. Ouça o áudio:
“A fala dele não é um bordão, um assessor de um vereador da base me disse hoje que não vê machismo algum na fala do prefeito, mas é sim, quando uma mulher fala eles dizem que é discurso de ódio, só que a gente está cansada, a gente é silenciada o tempo todo, tudo é mal amada, mulher com TPM, como eu mesma já escutei aqui dentro dessa Casa”, desabafa a vereadora.
Com a repercussão negativa de sua fala, o gestor municipal tentou minimizar o episódio em outro áudio. Ele afirma que o discurso foi tirado de contexto: “em relação a dizer ‘lavar uma louça’ foi em tom de brincadeira e eu não tenho problema nenhum porque eu lavo a louça todo dia, eu varro a casa, eu limpo fogão, eu adoro fazer serviços domésticos”. E completa acusando o PSOL e algumas mulheres de tentarem tripudiar em cima do fato.
Poucas horas depois, como numa espécie de vingança política, a denúncia de Isabela feita à FAMAB passou a circular nos grupos de um aplicativo de conversas. Para Isabela houve vazamento ilegal de sua queixa. “Eu estava cumprindo meu papel de vereadora e o meu áudio em que denuncio a degradação vazou da FAMAB. Como eu faço a denúncia pelo portal, eles não podem expor minha denúncia mesmo eu sendo vereadora. Politicamente eles estão usando órgãos públicos e ambientais para me deteriorar, me atacar e colocarem os pescadores contra mim”, afirma. A parlamentar disse que vai encaminhar um ofício para a Prefeitura para saber quem vazou a denúncia.
Nas redes sociais, o prefeito respondeu comentários de moradores que pediam uma explicação para a supressão da vegetação. Paulo afirma que foi feito para acomodar as canoas de pesca da tainha e que foi autorizado pelo meio ambiente e pela Superintendência de Patrimônio da União (SPU). Ele chegou a bater boca com algumas pessoas.
“O que ele (prefeito) quis dizer é que tem a licença de ponto de rancho de pesca, autorização ambiental, mas não na área que foi feito. Só lá no ponto que eles têm de rancho de canoa de tainha que está autorizado pelo SPU e pela área ambiental”, afirma Rodrigo José Rosa, diretor da divisão de fiscalização da FAMAB.
A prefeitura nega que tenha sido a responsável pela retirada da vegetação apesar de moradores afirmarem que viram maquinário da prefeitura fazendo o serviço. Na terça-feira, a FAMAB e a Polícia Militar Ambiental estiveram no local para vistorias. Segundo a Fundação, duas famílias de pescadores foram responsáveis pela degradação, de aproximadamente 105m², em Área de Preservação Permanente (APP). Elas serão autuadas e deverão responder por crime ambiental.
Lavar a louça é calar a boca
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No vídeo “Lavar a louça”, a psicanalista Maria Homem, analisa o termo “vá lavar a louça” e o relaciona à intenção de querer calar a boca da mulher. “É como se dissessem: ‘mulher que está fora do seu lugar, que está achando que não deve lavar a louça, que não deve ocupar um lugar que não deveria ocupar, vá lavar a louça! Volte pro seu lugar, volta para aquilo que eu legitimo como um lugar possível de feminino pra eu me relacionar. Além de ser um imperativo: ‘ei você, cala a boca, vá lavar a louça, para de falar, para de causar, para de mimimi’”. Maria chama atenção a esse tipo de discurso ser reiterado principalmente por homens por conta da histórica relação entre limpeza e cuidado pelas mulheres.
“Dividimos o todos sujamos e a mulher lava, a mulher limpa, a mulher cuida, a mulher ampara, a mulher mantém tudo em ordem, porque uma grande parcela que cuida de todos é constituída de mulheres. Historicamente, essa ideia tem sentido, tanto que a mulher é a que casa de branco, aquela imagem de pureza, limpa”.
Ser mulher e ocupar a política é dar de cara com discursos machistas e sexistas a todo momento. Em dezembro do ano passado, o Portal Catarinas entrevistou 36 candidatas a vereadora, prefeita e vice-prefeita no Estado e ouviu que 69% delas já sofreram violência por serem mulheres, 61% já sofreram ou sofrem violência política de gênero e 47% sofreram esses ataques na internet. Isabela é mais um exemplo e não foi a primeira vez que ela sofreu violência de gênero. “No dia da mulher, eles (políticos) fazem um discurso bonito, que lugar de mulher é em qualquer lugar, mas na hora que a gente fala eles querem nos silenciar. Outro dia, outro vereador da base perguntou pra mim: vai chorar muito, vereadora? Porque simplesmente eu pedi para pararem de interromperem minha fala”, conta.
As sessões da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid-19 no Senado têm sido demonstrativas do machismo naturalizado nos espaços de política institucional. Parlamentares mulheres têm denunciado interrupções durante as falas, seguidas do pedido para que “se acalme” ou “não fique nervosa”. Em entrevista, a líder da bancada feminina no Senado, Simone Tebet (MDB-MS), afirmou que “ninguém vai nos calar”. Já Leila Barros (PSB-DF), que também tem sido alvo, se manifestou em suas redes sociais: “Apesar de cansativo, às vezes é bom ser desacreditada e acusada de ‘estar nervosa’ ao vivo para todo o país, pois dessa forma fica exposto o machismo estrutural que existe no Brasil. No ambiente político não é diferente. Ele apenas reproduz o que muitas de nós vivemos diariamente”.
Em repúdio à postura do prefeito, a Associação Flor de Liz, uma organização feminista sediada em Bombinhas, divulgou nota em que condena o discurso do gestor municipal. Leia a nota na íntegra:
“Nós mulheres da Associação Flor de Lis estamos juntas contra violência machista que foi proferida contra a Vereadora de Bombinhas pelo atual Prefeito. Essa violência que não deixa marcas roxas é a mesma que valida todas as violências que o discurso machista, sexista e misógino que tanto sofremos e tanto combatemos. Nós, mulheres da Associação Flor de Lis e a todas que representamos queremos dar um basta em toda a violência que nos cerca e exigimos que o pedido de desculpas não seja mascarado por palavras descontextualizadas do ocorrido. Quando um representante do povo ataca outra representante igualmente eleita pelo povo, ele ataca todas as mulheres. Por mais respeito e igualdade nos espaços de poder.”
O PSOL Bombinhas também divulgou nota de repúdio.
Paulo Henrique Dalago Muller é marido da deputada estadual Paulinha (PDT), conhecida pelo posicionamento em prol das mulheres, mas que nos últimos meses vem mostrando o contrário. Em suas redes sociais, Paulo faz questão de postar fotos lavando fogão e cozinhando, aquela bela intenção das redes sociais de se mostrar feliz e evoluído. O que talvez o prefeito não saiba é que não faz mais do que a obrigação. Os tempos são outros, as mulheres sabem que podem, devem e já ocupam lugares antes proibidos para elas e que lavar a louça é responsabilidade de quem a suja.
Entramos em contato com a assessoria do prefeito que informou que ele não irá se pronunciar sobre o episódio.