Você é uma mulher negra e trabalha com tecnologia? Conhece mulheres negras que atuam nessa área? A PretaLab, iniciativa que estimula a diversidade no universo das tecnologias, lançou uma ferramenta digital que une profissionais negras a empresas do setor em busca de mão de obra qualificada. A plataforma busca alterar o quadro de baixa representatividade de gênero e raça nas empresas de tecnologia no Brasil. Embora mais da metade da população do País seja formada por mulheres — 27% de acordo com o IBGE — o mercado de tecnologia é formado predominantemente por homens (68,3%) e pessoas brancas (58,3%). Os dados inéditos são da pesquisa “Quem Coda o Brasil?”, realizada pela PretaLab, em parceria com a ThoughtWorks, consultoria global de software, e divulgada em agosto deste ano. 

“A gente queria saber quem eram as mulheres negras no Brasil que se entendiam parte da tecnologia. Isso porque não existem esses dados oficiais, temos muitos dados de gênero produzidos, mas não com esse recorte de gênero e raça, essa interseccionalidade nesse universo. Essa plataforma tem três objetivos: a gente se conectar entre nós, mostrar que existimos de fato e criar uma ponte com esse mercado de trabalho que diz que não encontra mulheres negras qualificadas para a vaga”, explica Silvana Bahia, diretora do Olabi e coordenadora da PretaLab.

O mapeamento realizado em 2017, como parte da pesquisa, identificou 600 mulheres que produzem tecnologia de forma ampla e plural no Brasil. Mais de 140 perfis já estão disponíveis na plataforma lançada há um mês, mas a expectativa é que em três anos sejam mais de cinco mil. “A tecnologia é um guarda-chuva gigante que tem várias áreas. Existem muito mais mulheres qualificadas do que esse número. Mas sabemos também que estamos em bolhas e, sobretudo, uma bolha sudestina, onde estão as maiores oportunidades. A gente quer pelo menos chegar nessas 600 porque sabemos que elas existem, mas provavelmente esse número é bem maior”, assinala Bahia. 

Empregabilidade das mulheres negras

Nessa ferramenta as mulheres cadastram seus perfis, relatando sua experiência e habilidades profissionais, em um hub de currículos que pode ser consultado pelas empresas. O recurso faz frente à desigualdade em um mercado promissor, que necessita de 420 mil profissionais até 2024, de acordo com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), mas que é hoje ocupado predominantemente por pessoas brancas, jovens e do sexo masculino. Isto em um País com 13 milhões de pessoas desempregadas, dessas 13,3% são mulheres negras. 

Pessoas me perguntam muito: o que é a PretaLab? A gente faz pesquisa, workshop, palestras, consultoria para empresas que querem se entender mais diversas. A PretaLab é uma causa que quer ter mais protagonismo de mulheres negras na produção de tecnologia. A gente trabalha para que haja mais diversidade na produção de tecnologia. Trabalhamos diretamente com as mulheres negras, que são 27% da população brasileira, e lideram os piores índices de empregabilidade. A gente quer resolver um problema do país e mundo. A gente sonha”, afirma a coordenadora da organização.  

“Queremos chamar as meninas para se inscreverem. A plataforma quer também criar uma ponte para quem faz freelas e está buscando trabalho”, enfatiza. 

De acordo com o report The Future of Jobs, do Fórum Econômico Mundial (2018), os profissionais mais procurados para os próximos anos serão desenvolvedores de softwares e aplicativos, especialistas em comércio eletrônico, profissionais de automação, machine learning, inteligência artificial, internet móvel, analista de dados, inovação, capacitação e treinamento. Automação e robótica devem substituir algumas atividades humanas nos próximos anos e é previsto o surgimento de profissões novas, que ainda sequer existem. 

Além de aumentar a empregabilidade destas mulheres, a ferramenta pretende que mais meninas e mulheres negras se aproximem destas áreas e que elas se conectem entre si para o desenvolvimento de projetos e troca de informações. A aposta é que quanto mais diversas as equipes, mais trocas, insights, soluções e conexões são criadas – favorecendo assim a inovação e a produção criativa.

“Nossa questão é: como a gente estimula que essas mulheres se apropriem destas ferramentas e consigam gerar renda, algum tipo de posicionamento no mercado de trabalho? Por outro lado, estamos em diálogo com as diferentes empresas para entender quais são as dores delas, o que elas estão querendo trabalhar quando dizem ‘diversidade’”. 

A PretaLab é uma realização do Olabi, organização social cujo foco é trazer diversidade para a esses setores, como forma de construir um país melhor. Em 2017, durante a criação do projeto de recrutamento de programadoras negras, o Enegrecer a Tecnologia, Bahia ouviu com frequência a pergunta: vocês têm desenvolvedora negra pra indicar? “Percebemos que existe uma demanda grande, um mercado com muitas vagas e que não se preenchem. Durante o trabalho, entendemos que essas empresas estão procurando nas redes que não têm diversidade”. 

Foto: Safira Moreira

Conforme argumenta a coordenadora, para ter diversidade em suas equipes é fundamental que as empresas promovam uma cultura antirracista. “Hoje, a diversidade está na moda, todo mundo quer ser considerado uma empresa diversa, mas não adianta ter pessoas negras na sua organização se não há plano para elas, se não estão ocupando cargos de liderança. A gente tem feito trabalho de consultoria para empresas para trabalhar internamente uma cultura. Muitas vezes dizem que querem chegar aos talentos negros, só que as pessoas chegam lá e é um espaço totalmente hostil. O desafio é como de fato as empresas podem trabalhar uma cultura antirracista”. 

Para quem quer ingressar na área, a formação autodidata pode ser um caminho, como apontou a pesquisa da PretaLab e ThoughtWorks. No que diz respeito à formação destes profissionais, chama a atenção que em uma área com amplo campo para a formação autodidata (45% das/os respondentes declaram ter tido este tipo de iniciação), 57% das pessoas tiveram formação em centros formais de ensino, sendo que 55,1% têm ensino superior. 

“Identificamos que as mulheres negras tinham várias formas de aprender tecnologia e a mais efetiva é quando tinham pessoas parecidas com ela ensinando. Geralmente, o mercado de tecnologia não quer saber no que você se formou, mas quer ver o portfólio e saber o que você faz. Você pode aprender muita coisa sozinha ou em grupos, coletivas, cursos oficiais, a gente, por exemplo, faz workshop e ajuda os cursos que já existem a trabalhar a inclusão. Essa questão da formação é fundamental, existe pouca mão de obra em geral, independente de gênero e classe social, para um universo que vai ser mais ainda tecnológico”, afirma a coordenadora.  

A pesquisa também demonstrou desigualdade de gênero e raça no que diz respeito à formação. Os homens possuem maior índice de escolaridade em comparação às mulheres e pessoas brancas apresentam mais escolaridade que negras/pretas/pardas, amarelas e indígenas. Um dado que ilustra bem este abismo é o levantamento feito pelo Grupo de Estudos de Gênero da Escola Politécnica da USP (Poligen): em 120 anos, a escola – referência na área de exatas no país – formou apenas 10 mulheres negras.

 

A desigualdade de oportunidades em outros dados da pesquisa

Enquanto 54% da população brasileira é formada por pessoas negras/pretas e pardas, somente 36,9% dos profissionais que responderam a pesquisa se declaram neste grupo enquanto 32,7% dos entrevistados disseram não ter nenhuma pessoa negra em sua equipe. O estudo revelou ainda que o perfil das pessoas que trabalham em tecnologia é bastante jovem – 77% dos entrevistados estão na faixa etária entre 18 e 34 anos – e concentrado nas capitais do país (65%).

Quanto à condição socioeconômica das equipes de tecnologia, mais uma vez o perfil é diverso da média brasileira: mais de 60% apresenta renda mensal domiciliar a partir de 5 salários mínimos, ou seja, R$ 4.770,00 (valor em 2019). Em 69% das equipes, não há nenhuma pessoa com renda mensal domiciliar abaixo de 2 salários mínimos (equivalente à classe E).

Ao serem perguntadas sobre a presença de pessoas com orientação sexual diferente de heterossexual em suas equipes, 50,4% das pessoas disseram não haver nenhuma em seu ambiente de trabalho.

 No quesito inclusão de pessoas com deficiência, a situação está longe de ser diferente: em 85,4% dos casos, não há nenhuma pessoa nesta condição na equipe. E em 95,9% dos casos, não há sequer uma pessoa indígena nas equipes de trabalho em tecnologia. A pesquisa completa pode ser acessada neste link.

 

 

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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