Já estávamos na pandemia quando o mundo parou para ver um homem agonizar por não conseguir respirar. Ainda que esse fosse o sintoma mais fatal da doença, ele não havia contraído o novo coronavírus. A cena televisionada da morte de George Floyd, quando um policial se postou com os joelhos sobre o pescoço do homem, foi o estopim para manifestações em várias partes do globo. A agonia da asfixia, que também sensibilizou o Brasil, foi multiplicada por uma escalada de mortes de crianças e jovens, cujos corpos foram marcados por tiros de fuzil disparados por policiais. Todas as vítimas tinham em comum o fato de serem negras.

Os casos ganharam destaque em quase todas as mídias do país. Na Globo News, a articulista Flávia Oliveira tornou-se comentarista fixa do telejornal da noite em resposta a uma reivindicação da audiência por mais jornalistas pretas em espaços de opinião. “No dia seguinte, o programa dedicado a esse debate racial foi feito pelos profissionais negros de vídeo da empresa e, a partir daí, a naturalização da presença de comentaristas negras nos telejornais da noite”, conta ao Catarinas.

Em uma das suas participações no canal por assinatura, não conteve as lágrimas ao comentar sobre o caso da jovem grávida Kathlen Romeu, 24 anos, morta pela polícia no Rio de Janeiro. “Eu tenho muito afeto e orgulho desses úteros, sabe? Das mulheres negras, porque acho muito impressionante o compromisso em gerar vidas numa sociedade tão marcadamente racista e homicida, exterminadora de vidas. Por isso, o assassinato da Kathlen me comoveu muito particularmente”, relata.

Flávia Oliveira deu outra cara e personalidade ao jornalismo econômico, além de novo nome, como ela mesma denomina “jornalismo de socioeconomia”. Em suas análises, no canal por assinatura, assegura espaço de fala para ressoar saberes de quem conhece “profundamente Brasis que não são conhecidos pelos homens brancos que nos governaram até aqui”

“Como é que se explica o Brasil ter 56% da população se autodeclarando negra, o tamanho dessa população classe C, D e E. Quer dizer se não houvesse algum tipo de estratégia de sobrevivência, com tanta desassistência pelo Estado, como é que essas pessoas teriam chegado até aqui? Algum saber, que aliás são muitos, essas comunidades, esses territórios contêm”, afirma ao Catarinas. 

Flávia é nossa entrevistada nesta série do Julho das Pretas que celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e o Dia Nacional da Mulher Negra, em 25 de julho. Nessa conversa, ela compartilha fragmentos da vida pessoal e de sua visão de mundo sobre economia política, prática jornalística e relacionamento com os movimentos sociais, revelando trechos inéditos da trajetória comprometida com os direitos humanos. 

Técnica em Estatística pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), ela é graduada em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atua como articulista em programas de TV, rádio e jornal do grupo Globo. Filha de Iemanjá, é do candomblé, do samba, mãe e, mais recentemente, tornou-se avó. Ao lado da filha Isabela Reis, é podcaster no Angu de Grilo. Conselheira de várias organizações sociais, jornalista premiada e uma das mais importantes profissionais da sua área, Flávia Oliveira generosamente cedeu um espaço do seu sábado para conversar com o Catarinas.

A jornalista se emocionou ao comentar a morte da jovem grávida Kathlen Romeu, de 24 anos, por policiais, no Rio de Janeiro/Foto: reprodução

Você é uma ativista dos direitos humanos. No jornalismo você busca separar isso, ou seja, para você essas duas frentes de atuação devem ser separadas?

Eu não sei bem o que significa separar essas duas frentes. Vou te contar rapidamente qual foi a trajetória que me levou a uma atuação, digamos assim, mais ativa nesses movimentos sociais, embora eu já tenha ligação há aproximadamente 20 anos com, por exemplo, as organizações sociais do Complexo da Maré, que são as 17 favelas aqui na zona norte do Rio. Eu conheci o Jailson Souza, na época era um dos diretores de uma ONG da Maré, lá pelo final dos anos 1990 […]. Ele me convidou para um trabalho no jornal comunitário na Maré. Inicialmente, era um trabalho de coordenação de redação que seria remunerado. Fizemos uma reunião com a equipe que eram jovens da favela, moradores da Maré, eles faziam pré-vestibular e produziam o jornal comunitário “O Cidadão”.

Houve uma rebelião na equipe — acho que é a primeira vez que estou contando essa história numa entrevista. Eles acharam ofensivo uma pessoa de fora chegar para dizer a eles como é que era fazer jornal, sendo eles do território. E eu entendi perfeitamente e falei: “Concordo com vocês. Realmente, se vocês não ganham nada, não faz sentido eu ganhar. Mas acho que tenho coisas a ensinar, sim, a vocês, porque eu sou uma jornalista profissional de um veículo de massa e posso ensinar técnicas, modelos de trabalho […]”.

Para você ter uma ideia, uma das rebeladas era a, hoje, deputada estadual, Renata Souza, um dos orgulhos da minha vida porque a conheço desde esse tempo, ela deveria ter uns 16, 17 anos, foi antes dela entrar na universidade. Ela fez jornalismo na PUC (Pontifícia Universidade Católica), hoje é doutora em Comunicação e, eu modestamente, acho que pode ter ver com essa nossa convivência, a gente é muito amiga, hoje eu admiro muito a trajetória dela.

Então, veja, naquela época eu era uma jornalista de economia com coberturas bem convencionais, repórter do jornal “O Globo” e já tinha uma atividade paralela de comunicação comunitária, que eu falava dessa subversão de doar o capital humano que eu acumulei a partir da experiência com a grande imprensa para um veículo comunitário. Virei colunista de economia no jornal “O Globo” com uma coluna diária “Negócio e Cia” em 2006. Em 2014, a minha coluna Negócios e Cia. chegou ao fim […] e o jornal me convidou para escrever duas colunas semanais de artigos, porque eu continuei mantendo meu interesse nesse jornalismo, que eu chamo de socioeconomia, e escrevia muita coisa no Facebook […].

Em setembro de 2015 eu fui demitida do jornal, numa dessas reestruturações e convidada a permanecer como colaboradora escrevendo uma vez por semana. Essa foi a virada de chave. Então, veja, eu fazia o meu jornalismo convencional como repórter e depois como colunista de economia, sempre em diálogo com o movimento social, com a sociedade civil organizada, principalmente os movimentos de base comunitária na Maré, no Alemão […].

Eu intensifiquei e expus mais essa veia ativista a partir da demissão do jornal, quando me tornei colaboradora dos veículos, então, eu tinha participações, sem vínculo empregatício, na GloboNews e uma coluna semanal no “O Globo”. Foi aí que o Atila Roque me refez o convite para integrar o Conselho Consultivo da Anistia Internacional Brasil, o qual eu não tinha aceitado anteriormente em razão do meu vínculo empregatício; eu achava incompatível.

Ao lado da escritora Conceição Evaristo, da vereadora Marielle Franco, da atriz Ruth de Souza, da diretora executiva da Anistia Internacional – Brasil, Jurema Werneck, entre outras personalidades/Foto: arquivo pessoal

Passei a ter uma gestão mais independente de carreira. Assim como cabia dar palestra e fazer mediação de eventos, como faço até hoje, inclusive para “O Globo”. E aí, outras organizações foram me chamando. Voltei há um ano a ter um vínculo empregatício com a Globo News em razão dessa mudança contratual que foi, inclusive, atendendo a pedidos da audiência que sentia falta de mais gente preta na tela da tevê, seja comentando os assuntos, sobretudo naquele momento particular que era o debate sobre a violência policial com viés racial a partir do assassinato do George Floyd.

Acho fundamental para o jornalismo que eu faço hoje, que é muito pautado a partir das demandas da sociedade e das informações das estatísticas, dos diagnósticos, que eu mantenha essa ligação. Pouca gente no jornalismo tem essa ligação. Agora, eu acho muito curioso quando me rotulam de ativista. Primeiro, a minha atuação na sociedade civil é pública. Então, ao contrário de muitos jornalistas ativistas de outras áreas que não se revelam. Se você for ao meu perfil nas redes, vai saber que sou conselheira de várias organizações. Eu apresento de forma absolutamente transparente quem eu sou e os meus.

Quem me ouve sabe que o meu filtro envolve essa percepção de uma visão muito sensível à realidade social brasileira, as desigualdades todas que se apresentam, racial, de gênero, de classe, de território e religiosas. Também me apresento como uma mulher de candomblé que, obviamente, vai se insurgir e se contrapor à intolerância religiosa, ao viés hegemônico de determinadas religiões e à contaminação da política pela moral religiosa.

Essa sou eu. Eu não vejo conflito, mistura, constrangimento, porque tudo isso é feito com absoluta transparência. Todas/os jornalistas deveriam ser assim porque, não estou aqui falando que eu sou melhor que ninguém, mas eu acho que tem muita gente, por exemplo, eu sou do jornalismo econômico, algumas convicções do mundo econômico elas são quase convicções religiosas, questão de fé que as pessoas defendem como se fosse uma visão imparcial e neutra quando não é. É a visão de interesses de determinados grupos e isso nunca é explícito. O meu jornalismo, que é explícito, é chamado de ativismo. Contradições da nossa profissão.

Muitas vezes somos chamadas de parciais por nos afirmarmos um jornalismo feminista e antirracista, mas isso deveria ser entendido como parte do arcabouço da defesa da democracia, dos direitos humanos. Como você entende essa questão?

É puro estereótipo de um país e de um jornalismo mal educado nessa área. Eu não posso atribuir isso aos colegas, aos veículos, à sociedade, quer dizer, quando é que as faculdades de Comunicação tiveram uma disciplina de direitos humanos? Quando é que o sistema educacional brasileiro teve disciplinas, formação em direitos humanos para as crianças desde o princípio? Então, essa expressão acabou estigmatizada por grupos políticos, sobretudo os de extrema direita, interessados nisso que agora a gente se convenceu a chamar de disputa de narrativa, mas que é uma disputa política pelo poder. 

A formação em direitos humanos é parte do exercício da nossa profissão. A gente tem que ter um trabalho orientado aos direitos humanos, à inclusão, aos direitos mais básicos, saúde, educação. É disso que falo: um debate orçamentário ou tributário orientado ao bem-estar social, à inclusão das pessoas, à melhora de vida dos mais pobres, que é a melhora de vida do Brasil inteiro, do mundo inteiro. Eu não acho isso contraditório com fazer bom jornalismo. Se eu tiver que fazer uma reportagem vou fazer de acordo com as técnicas, as melhores práticas do jornalismo de televisão, audiovisual, radiofônico ou impresso. Neste momento, eu ocupo posição de opinião e a minha opinião passa por essa formação, por essas experiências, por essas vivências que eu tenho e tive.

Flávia ao lado de Patricia Hill Collins, Ana Maria Gonçalves, e Roberta Estrela D’Alva, durante a Feira Literária das Periferias (Flip), em 2019/Foto: reprodução

Essa questão dos dois lados tem sido questionada. Uma série de esquetes do programa humorístico Porta dos Fundos, por exemplo, satiriza essa ideia de colocar o defensor dos direitos humanos contra o agente do discurso do ódio. Quer dizer, considerar como “outro lado” esse discurso autoritário que a gente vê no poder hoje…

Com certeza. Tem lado que é indefensável, não é razoável e não pode ser proporcional. Alguns debates exigem a assimetria. Por exemplo, você não pode dar o mesmo espaço para alguém que nega a ciência e para outro que a defende, eles não são proporcionais. É uma falsa proporcionalidade. Aliás, o debate político também tá cheio disso. Dois extremos da política… Um extremo é o Bolsonaro e outro extremo é o Lula. Não é simétrico, né? Para usar bem uma uma ideia que está posta, um extremo que ofende o ministro do Supremo e insufla manifestações contra as instituições da democracia e o outro extremo é o que atuou sempre alinhado e respeitando as instituições. Não são extremos, isso é uma falsa proporcionalidade. A matemática inclusive explica isso. Mas há um debate raso e uma defesa rasa de um equilíbrio de coisas que não são tão equilibradas. 

O jornalismo tradicional afirma a imparcialidade como um trunfo do profissionalismo, porém nos casos de violência policial, que inclusive resultam em morte, vemos essas vítimas, geralmente negras e pobres, serem chamadas de bandidos e não de suspeitos. Como você percebe esse tipo de postura editorial amplamente adotada no país?

Tem a ver com, eventualmente, interesses de classe. Mas eu queria analisar essa tua provocação sob a ótica da falta de diversidade. O jornalismo foi ao longo do tempo e ainda é uma profissão assim, sendo bem até generosa, de classe média para classe média. Nunca foi uma profissão de muita mistura. Então, a lente com que o jornalismo vê o mundo é a de uma sociedade profundamente desigual em que as posições de poder estão ocupadas pela mesma classe média, em que os postos de comando são dos homens brancos. Então, assim, você não pode imaginar que a mídia brasileira não vá reproduzir as desigualdades, as estruturas de poder que estão apresentadas na sociedade brasileira. Nas empresas, no judiciário, na cultura, onde quer que você vá você enxerga o mesmo tipo de organização, de pensamentos e de atuação, com algumas ressalvas.

O Brasil foi fundado, forjado no patriarcado, no racismo, no patrimonialismo, e a gente ainda carrega esses ranços, que do ponto de vista de raça é o que o Silvio Almeida chamou e descreveu como o racismo estrutural brasileiro. Ora, esse racismo sempre criminalizou o corpo negro, do homem negro sobretudo, do jovem negro em particular. Sempre sexualizou o corpo das mulheres negras, destituiu de saberes, capacidades e potências esses corpos, esses territórios. Qual jornalismo que sairia dessa sociedade? Um jornalismo também ancorado nesses estereótipos.

Agora, na questão da violência policial, eu acho que tem um outro ponto. Na virada do século 21 houve uma ruptura na relação do jornalismo profissional com as comunidades, em particular no Rio de Janeiro, e isso acho que foi com o assassinato do Tim Lopes. Que mudou a forma de toda a imprensa operar e atuar nos territórios populares, nas favelas. Isso fez emergir a reportagem de polícia, o jornalismo policial. Eu quero ver o momento em que o jornalismo policial vai se transformar em jornalismo de segurança pública. Porque a segurança pública é algo muito maior do que a polícia e, hoje, muitas das coberturas de crime e de segurança pública são meramente jornalismo policial, onde só esse lado é ouvido.

Tim Lopes, jornalista investigativo do Grupo Globo, foi torturado e morto em um método cruel em 2002, no Rio de Janeiro/Foto: reprodução

Houve um retrocesso quando esse diálogo foi interrompido por uma tragédia inaceitável que aconteceu na nossa profissão. Ao mesmo tempo, vimos emergir os veículos de comunicação comunitária que estão disputando essa narrativa, confrontando esses estereótipos com ótimos resultados. Se você pensar que esses grupos não estão nos espaços de poder, aliás, de modo geral, as minorias, digamos assim, do ponto de vista de ocupação de poder, mulheres, negros, indígenas… a gente avança pelas frestas que o sistema nos permite e com apoio, atenção, dedicação e atuação de pessoas que estão nesses espaços e são sensíveis a essas demandas.

Porque a gente nunca teve um presidente negro ou indígena, mas a gente avançou em legislação contra o racismo, que respeita e determina a demarcação de territórios indígenas e quilombolas, em sistemas de cota, em universalização do ensino, que em alguma medida também alcança a população pobre e negra, porque elas em vários momentos se confundem.

Ao longo da história, desde que o Brasil é Brasil, houve opressão, houve resistência, houve luta e avanços até surpreendentes se você pensar na invisibilidade nesses espaços de poder. O jornalismo poderia ser melhor se a gente avançasse nesse debate de diversidade, sobre a presença de jornalistas formados ou oriundos da periferia, da favela, nas grandes redações ou de uma formação de mais qualidade dos jornalistas que ali estão e que não têm essa sensibilidade, esse saber.

Que não é capaz de enxergar, de olhar uma favela e pensar nos arranjos e nas estratégias de sobrevivência tão presentes nesses lugares. Como é que se explica o Brasil ter 56% da população se autodeclarando negra, o tamanho dessa população classe C, classe D, classe E. Quer dizer se não houvesse algum tipo de estratégia de sobrevivência, com tanta desassistência pelo Estado, como é que essas pessoas teriam chegado até aqui? Algum saber, que aliás são muitos, essas comunidades, esses territórios contêm. 

Flávia Oliveira repete gesto do ator Chadwick Boseman em Pantera Negra, na ocasião da morte em função de um câncer/Imagem: Reprodução/GloboNews

“Nem bala, nem fome, nem covid” tem sido o mote dos movimentos negros que saíram às ruas desde o início da pandemia com o assassinato de Geoge Floyd e, mais recentemente, com a chacina do Jacarezinho e morte de Kathlen Romeu. Dias antes do Jacarezinho, vimos faixas em manifestações bolsonaristas com os dizeres “autorizamos o presidente a limpar o país”. Como vê essa autorização, que já era presente antes mesmo do bolsonarismo? 

Esse é um dos fundamentos do que a gente pode chamar de bolsonarismo, dessa ocupação de poder. Agora eu queria ir um pouquinho antes, porque cabe aí uma mea-culpa, uma autocrítica dos regimes anteriores. O poder central, seja o exercido pelo PSDB, seja pelos mandatos petistas, não deram conta, negligenciaram essa agenda de segurança pública, sistema carcerário e tudo mais. E, ao negligenciar isso, por subestimarem esse problema, também em alguma medida acabaram deixando espaço para essa cultura da brutalidade se estabelecer e ganhar poder.

Porque assim, mesmo antes do bolsonarismo no Palácio do Planalto, já havia esses discursos de “bandido bom é bandido morto”, inclusive pelo próprio então deputado Jair Bolsonaro, já havia uma crescente politização com mandatos de agentes de segurança. E isso tem um significado de uma população que estava crescentemente sendo acossada pelos grupos civis armados, que inclusive se interiorizaram.

A gente viu um fenômeno de ramificação pelo resto do Brasil e não houve, do ponto de vista do poder federal, uma chamada de responsabilidade para pensar de uma forma ampla e articulada a segurança pública. Então, acredito que tem um ponto importante a ser abordado. Mesmo o governo dito de esquerda aceitou a militarização, intervenção na segurança pública, chamado ao exército. O Rio de Janeiro convive com isso desde os anos noventa, desde a Rio 92 que a gente tem tanque, canhão voltado pra favela.

Sônia Guimarães, primeira brasileira negra doutora em física/Foto: arquivo pessoal

E depois com Copa, Olimpíadas, essa militarização se intensificou no Rio de Janeiro…

É, inclusive agora dizem que a partir da experiência do Haiti. Então, assim, não é só o Bolsonaro, houve muita negligência dessa agenda e do mal que ela tava causando na sociedade. Agora, eu nunca vi tanto espaço para questionamento desse modelo quanto agora. É claro que, infelizmente, à custa de muito sangue, de muito luto, no Rio de Janeiro, em particular. Mas é só dessa radicalização desse modelo, que está expressa no Bolsonaro no Palácio do Planalto em todo esse discurso e modelo de liberação de armas, etc.

No caso do Rio de Janeiro, a eleição de Wilson Witzel, que produziu, no primeiro ano de mandato, um número recorde de mortes decorrentes de operações policiais. Só a partir daí foi possível a articulação da sociedade civil para provocar o Supremo Tribunal Federal e obter uma decisão inédita que foi a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) das Favelas, que proibiu operações durante a pandemia e determinou a elaboração e implantação pelo Rio de Janeiro de um plano de redução de letalidade policial pelo governo do Estado. A intervenção do Supremo é algo inédito no Governo Estadual. 

A questão é o cumprimento…

Esse campo está em disputa. Agora, veja, antes da pandemia ele não estava em disputa. Era uma derrota completa. Não posso entender que estar em disputa, que a polícia, o governo do Estado estar tensionado com o Supremo, é uma derrota completa pro campo, pras ideias que eu defendo. Inclusive os familiares de vítimas estão dizendo “não têm bala perdida”, “balas perdidas que sempre encontram os mesmos corpos não são balas perdidas”, “essa política de segurança que só produz morte”, “é o Estado vindo nos matar”. Isso está presente na favela, nem sempre esteve assim nesse discurso recorrente.

Vemos possibilidades de a gente avançar para um modelo menos brutal e de mais direitos. Tem muita coisa acontecendo, simultaneamente, a esse panorama de terra arrasada e retrocessos, que eu reconheço que existe. Senão, a gente não teria quinhentos mil mortos, aumento do número de pessoas com armas e tudo mais. Mas, a sociedade civil voltou a se articular de uma outra forma, a encontrar intersecções comuns.

O Movimento Negro se aprumou na Coalizão Negra por Direitos, que é uma aliança também inédita unindo vários grupos diferentes, mulheres, quilombolas, evangélicos, candomblecistas, LGBTs todo mundo no mesmo guarda-chuva na luta por direitos fundamentais da população negra. Essas organizações se articularam para estruturar campanhas humanitárias de distribuição de alimentos, de atuação contra a fome, contra o adoecimento. Muita coisa bacana acontecendo, que num prazo, espero que suportável, vai acabar dando no País, assim no sentido do P maiúsculo, numa nação.

Foto: reprodução

Iniciativas como o “sleeping giants”, que já são frequentes em outros países, têm conquistado grandes feitos em relação a demandas sociais, promovendo restrição econômica direta contra promotores de discursos de ódio. Como você, enquanto jornalista econômica, avalia esse tipo de ação, é inovadora no país?

Inovadora e bem-vinda. Essa é uma iniciativa específica e mais organizada, usando a tecnologia, mas isso é na verdade um reflexo de movimentos que já estão ganhando consistência há muito tempo. Essa possibilidade de a gente estar conectado, em comunicação, agindo em conjunto e cobrando responsabilidade das marcas, é absolutamente fundamental em todas as áreas. Na cobrança por representatividade isso tem acontecido muito, pessoas negras cobrando diretores, canais de televisão, produtores, editoras, mercado editorial, mercado do audiovisual cobrando representatividade. O movimento de mulheres também cobrando providências, como o “Me too,” houve essas cobranças por mais representatividade de gênero e raça no Oscar.

No Brasil, a minha própria experiência de me tornar comentarista no “Em pauta” tem a ver com uma ação de audiência, insatisfeita por uma edição do programa que tinha o racismo em debate, as manifestações sobre o assassinato de George Floyd apenas com comentaristas e apresentador branco. Insatisfação que a Globo News respondeu muito bem. No dia seguinte, o programa dedicado a esse debate racial foi feito pelos profissionais negros de vídeo da empresa e, a partir daí, a naturalização da presença de comentaristas negras nos telejornais da noite. A partir dessa provocação, estou falando de um caldeirão mais amplo, de um ativismo do consumidor em relação às marcas, empresas prestadoras de serviços que os servem. Na direção de ver a sua própria cara, ver os desejos atendidos mais do que apenas consumir passivamente. Acho muito bem-vindo.

Em seu último pronunciamento público, o ex-presidente Lula questionou essa questão da possibilidade de ele ser presidente levar à queda na bolsa de valores. Alguns investidores chegaram a manifestar que não apoiam o presidente atual. Que segmentos políticos e econômicos sustentam Bolsonaro no poder e o que esperam dele?

Eu não consigo achar que o que é moderno e tem futuro do ponto de vista econômico pode apoiar o bolsonarismo. Porque o bolsonarismo é o atraso do atraso, em vista de tudo que você pensa em termos de modernidade na engrenagem econômica e social.

O que é moderno do ponto de vista econômico e social? O projeto de governo do Biden, um plano de infraestrutura muito orientado à sustentabilidade, à energia renovável, à preservação do meio ambiente, ao modelo de produção menos danoso, um plano por outro lado de inclusão social orientado às famílias de baixa renda, a educação das crianças e dos jovens, investimento pesado em capital humano. Isso é vanguarda, se você olha as sociais democracias europeias, a preocupação, inclusive do próprio consumidor, fazendo essa pressão em relação à produção limpa, ao comércio justo, ao consumo consciente, a uma redução de emissões, de uma estrutura tributária que permita uma rede de proteção social, um ambiente de bem-estar social, isso é moderno. 

O bolsonarismo é o avesso disso. É desrespeito aos indígenas das comunidades tradicionais, é dizer que não vai ter demarcação e, pelo contrário, é tentar retroceder a demarcação, é tentar autorizar a mineração, o garimpo na Amazônia, armar a população. É menos Estado, menos transparência na gestão pública, militarização, inclusive dos cargos civis, e que hoje vemos com clareza, na gestão da saúde, o quanto não é meritocrático, o quanto só se baseia nas redes de relacionamento e no avanço contra as instituições democráticas.

Setores econômicos comprometidos com essa agenda estão condenados à morte. Porque isso não é a vanguarda, não é a modernidade em termos de pensamento econômico e eu posso provar. Ao longo desses dois anos e meio de governo, uma dúzia, uma dezena, talvez duas dezenas de cartas abertas foram escritas, apresentadas, publicadas, redigidas por ex-ministros de Ciência e Tecnologia condenando políticas de asfixia dos programas de Ciência e Tecnologia do Brasil. Parlamentares do parlamento europeu endereçando cartas sobre a política ambiental homicida. Grandes fundos de investimentos estrangeiros chamando a atenção para os equívocos da política econômica e ambiental brasileira. Fundos de investimento brasileiro, investidores brasileiros, empresários do setor privado brasileiro fazendo o mesmo alerta, poucos brasileiros comprando. 

Então assim, essa bolsa que sobe, é especulação localizada no curtíssimo prazo. Quem está pensando no Brasil no longo prazo está preocupado, se afastando ou cobrando mudanças.

Tanto que hoje há, por exemplo, o Instituto Ethos que reúne empresas com responsabilidade social e ambiental apoiando a campanha Tem Gente com Fome, financiando parte da campanha da Coalizão Negra por Direitos, outras organizações apoiando a Cufa (Central Única das Favelas), essas cobranças por ações de governo. 

Quem está num modelo completamente na contramão do pensamento econômico moderno de desenvolvimento econômico está errado. Não estou dizendo que o Lula é a vanguarda. Não sei qual é o projeto do Lula, então não vou entrar nesse mérito. Sobre os setores econômicos que ainda estão com o bolsonarismo: são o atraso do atraso do atraso. Eu estava lendo o Escravidão 2 do Laurentino [Gomes] e logo no começo ele fala dos bandeirantes. Ele descreve o bolsonarismo: a pilhagem, a exploração máxima do território, da mão de obra, e, hoje, o que a gente chama de precarização do trabalho, mas à época, era a escravidão. Então assim, isso não pode ter futuro. Você vê pelos Estados Unidos, o movimento que os Estados Unidos fizeram, que não tem mesmo futuro. A gente já está em um mundo, já está entrando, já está em outra agenda. A própria China já faz esforços e investimentos muito pesados, muito robustos, em energia renovável.

Flávia Oliveira ao lado da filósofa Angela Davis e de outras ativistas do movimento negro/Foto: arquivo pessoal

Quando você fala sobre essa agenda do atraso, você se refere ao neoliberalismo, esse modelo está em queda, seria isso?

É, se você chama de neoliberalismo esse modelo de exploração à exaustão dos recursos naturais e da mão de obra, está em queda. Estou tentando conceituar o que enxergo como neoliberalismo, porque tem várias outras questões como a responsabilidade fiscal, uma regulação, uma concessão ao setor privado com regulação pública mínima ou em vários níveis, estou radicalizando essa definição de neoliberalismo.

Se o que a gente está entendendo aqui como neoliberalismo é isso: a exploração, a exaustão dos recursos naturais, do trabalho e de humanos, está em xeque. E está em xeque, inclusive, pelos processos que levaram extremistas de direita ao poder.

O Trump também foi um atestado de fracasso, esse neoliberalismo que o conceituei, porque produziu muita desigualdade, inclusive entre os brancos pobres, piorou a vida de muita gente. Então, essa exacerbação está com os dias contados. Em alguns lugares já até passou.

A gente vê que algumas analistas políticas, econômicas, que antes defendiam ou relativizam o neoliberalismo, agora passam a considerar como insustentável esse modelo econômico. Parece que a pandemia foi muito pedagógica para mostrar isso.

Eu fico, por um lado, até satisfeita porque eu vejo muita gente do campo das ideias mais liberais se aproximando desse argumentos que eu falo, escrevo e defendo há muito tempo e se sensibilizando, por enxergar que aquilo não ia dar bom, não fazia sentido tanto exagero, tanta ganância. Então, eu vejo gente que dizia “ah, a gente precisa ensinar a pescar e não dar o peixe”, agora falam “tem que dar mais peixe, porque as pessoas estão famintas”. 

A própria reforma administrativa, há críticas de que pode aparelhar o Estado e trazer efeito contrário do que se espera? 

Exatamente, como a reforma trabalhista que produziu precarização. Onde estão os empregos a mais?

Sua filha é jornalista, vocês fazem um podcast juntas. Você escreveu uma carta para ela na ocasião do nascimento do seu neto: “São todas elas guardiãs do porvir”, afirmou, referindo-se às jovens mães negras. O Brasil foi líder em mortes de mulheres grávidas e puérperas durante a pandemia, a grande maioria mulheres pretas. Você pode falar um pouco sobre o direito ao exercício da maternidade pelas mulheres negras. Como isso te toca? 

Eu tenho muito afeto e muito orgulho desses úteros, sabe? Das mulheres negras, porque acho muito impressionante o compromisso em gerar vidas numa sociedade tão marcadamente racista e homicida, exterminadora de vidas. Por isso, o assassinato da Kathlen me comoveu muito particularmente. Eu até chorei no comentário no “Estúdio I” em razão disso. Porque veja, de novo, como é que a gente explica 56% da população brasileira se autodeclararem pretos, pardos ou negros em 2021 conhecendo todo um processo histórico que era voltado ao extermínio e o embranquecimento? A gente, recentemente, se empretece, no sentido de assumir uma identidade negra orgulhosa, combativa e lutadora por direitos.

Isso tudo tem a ver com esses úteros, úteros que se apresentaram para vidas a despeito de todas as adversidades. É isso que me faz ter uma visão, apesar dos pesares, de esperança em relação ao futuro. Porque já foi pior e a nossa ancestralidade nunca desistiu disso.

Eu tenho muito orgulho de ter uma filha que pôs seu útero para jogo, pôs seu útero a serviço da vida e que está com a sua energia, capacidade intelectual e produtiva também voltada à construção de uma sociedade mais inclusiva. Isabela não teve a origem que eu tive. Ela já nasceu em outro ambiente, de mais conforto, de mais experiências, de uma formação educacional melhor, mas esses valores de justiça, de fraternidade, de inclusão fazem parte dela e farão parte certamente da criação, da educação do meu neto.

A jornalista junto com a filha Isabela Reis e o neto/Foto: arquivo pessoal

Agora, objetivamente, em relação às violações seguidas dos direitos, inclusive, à maternidade, a violência reprodutiva a saída é participação política. Isso a gente vai ter na medida em que conseguir construir mais diversidade também nos espaços de poder político. Elegendo mulheres, mulheres negras ou, eventualmente, sensibilizando quadros que foram os avanços que a gente conseguiu até agora, mas eu acho que é preciso radicalizar nessas escolhas de transformação do projeto político. Primeiro porque as mulheres, e isso é uma coisa importante, não têm uma agenda para mulheres, assim como negros não têm uma agenda para negros e indígenas não têm uma agenda para o indígena. Todos nós temos agendas para o Brasis por conhecermos profundamente Brasis que não são conhecidos pelos homens brancos que nos governaram até aqui.

Movimentos de mulheres negras pautam a discriminação racial como mais importante do que a desigualdade de gênero, justamente por produzir mais violências na sociedade brasileira. Que pautas você considera fundamentais trazer neste Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha?

Neste momento a gente está numa emergência muito grande em saúde e em segurança alimentar, em extrema pobreza. A agenda deste ano é uma agenda de urgência em relação a manter as pessoas vivas, a serem vacinadas, e aí estou falando por mim, não pelo movimento, acho que é a agenda do ficar vivo, vivo no sentido de ter o que comer, de não adoecer. Isso passa por auxílio emergencial, transferência de renda, acesso a alimentos, vacina e atenção à saúde. Eu acho que essas são as agendas urgentes deste momento.

Agora, elas vêm com uma onda de outras agendas. Tem gente que está com fome, tem criança sem escola, tem gente com sequela de Covid, tem gente que perdeu o provedor, perdeu seus amores, e está em estado profundo de depressão, com a saúde mental debilitada, tem mulher apanhando em casa, tem criança sendo abusada, tem gente desempregada, tem gente sem condições habitacionais dignas, tem gente sendo assassinada a tiro, tem gente presa injustamente, tem terreiro sendo apedrejado, tem de tudo nesse cesto de violações de direitos fundamentais no Brasil.

O movimento de mulheres negras está em todas essas agendas. Porque não há nenhuma agenda urgente brasileira que não envolva o povo negro e, em particular, as mulheres negras. Porque a violência homicida, por exemplo, alcança os jovens negros, quem são as mães? Quem fica? Me diz uma agenda de inclusão e eu vou te dizer se ela é do interesse das mulheres negras. Infelizmente, os debates, especialmente o mainstream, não segmentam, não racializam, nem fazem uma análise de gênero. Mas todas as agendas macro de reformas que estão, hoje, em debate no Brasil envolvem as minorias, as mulheres e homens negros, as mulheres negras em particular, os indígenas. Ou o debate das reformas tributária e administrativa não trata disso? Ou o debate de distribuição orçamentária da saúde, da assistência social, de auxílio emergencial, de investimento em infraestrutura não trata disso?

Se você resolve que precisamos universalizar o acesso ao saneamento básico, a distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto no Brasil em três anos, o bem-estar que se vai produzir para famílias pobres e negras é total em termos de expectativa de vida, melhores condições de saúde, habitação digna.

Então, não tem nenhuma agenda brasileira a ser resolvida que não passe pelas mulheres negras, já que estamos falando de julho. E quando melhorar para as mulheres negras vai melhorar para o Brasil todo, porque mulheres negras são a maior fatia da população brasileira, são 28%. Interessante isso, como quem manda é minoritário, do ponto de vista de gênero e de raça, os homens brancos são a menor fatia. E como eles operam muito bem a narrativa de não serem minoria.

Como tem sido a experiência com o Angu de Grilo (podcast)? Ter um podcast dá mais liberdade para fazer jornalismo? Como é fazer um podcast com a sua filha jornalista, que faz parte de outra geração?

Eu acho muito interessante essa questão da intergeracionalidade, nunca imaginei que um dia fosse trabalhar com a Isabela e ter um projeto que me orgulha muito. Foi criado por ela, é o projeto da Isabela para o qual fui convidada, convocada, então, é muito legal ver esse impulso, inclusive empreendedor, realizador dela. Ela não quis ficar no mercado formal, quis fazer um projeto pessoal, fez algumas tentativas até chegar no Angu de Grilo. Então, tem esse orgulho da mãe vendo essa capacidade de realização da filha e da jornalista, essa perspectiva exatamente de liberdade, de falar livremente, de decidir sobre o que a gente quer falar, mudar de assunto, aprofundar um assunto com muita liberdade, muita intimidade, informalidade. E algumas pessoas enxergam no Angu de Grilo uma inovação pelo fato de serem duas mulheres negras falando de, rigorosamente, tudo, desconstruindo estereótipos sobre nós e os nossos corpos. É muito legal de fazer, a gente tem um público muito fiel, muito engajado, muito participativo, é quase uma família.

Flávia Oliveira e as escritoras Conceição Evaristo, Grada Kilomba e Ana Paula Lisboa/Foto: Museu de Arte do Rio

Que escritoras, intelectuais negras te inspiram, você indica para leitura?

Conceição Evaristo sempre. Eu adoro os romances históricos, a obra da Eliana Alves Cruz, que é inclusive muito minha amiga; são duas que eu realmente me aproximei. Recomendo o livro da Bianca Santana “Continuo preta” sobre a Sueli Carneiro, acho importante. Claro que vou falar dos livros da Djamila Ribeiro. Tem a biografia da Beatriz Nascimento que estou até para ler, ela é uma pensadora que eu não conheço muito. Andei relendo Lélia Gonzalez, principalmente coisas que escreveu falando de carnaval e desse sentido da festa na cultura e na sociedade brasileira, então, também me encanta. No último ano de nossas vidas eu conheci a Grada Kilomba, a Patricia Hill Collins e a própria Angela Davis, as três vieram ao Brasil em 2019 e foi muito incrível conhecer as autoras e debater a obra dessas mulheres. Tem a Winnie Bueno que é uma intelectual negra brilhante, a Juliana Borges que é incrível sob a ótica do feminismo negro no abolicionismo penal, assim como a Joyce Berth. Tem muita mulher preta boa escrevendo.

Onde você busca alimento para o espírito, pra alma, para desintoxicar um pouco desse mundo de notícias pouco agradáveis? E que lugar a religião ocupa na sua vida?

É um eixo muito importante. Eu tenho descuidado mais da minha saúde física, mas a mental e a espiritual foi o que eu mais me dediquei no tempo que me sobra ou no tempo que reservo para o meu autocuidado. É sem dúvida alguma a terapia que eu já faço há doze anos e as minhas tarefas espirituais, embora eu esteja longe do terreiro. O terreiro que frequento está fechado desde a pandemia, mas remotamente estou em contato com o meu pai de santo. O orixá é tudo na minha vida e, na minha religião, o corpo é o templo, então eu procuro estar conectada com meu orixá, com a minha espiritualidade nesse tempo todo e, sem dúvida alguma, se eu estou conseguindo produzir, com voz, pensando, articulando, eu devo sobretudo à Iemanjá que segura a minha cabeça.

As pessoas me veem muito como uma pessoa lúcida, bem sucedida, assertiva, mas como todo mundo eu tenho muitos momentos de fragilidade no lado pessoal. Passamos por muitos desafios nesse um ano e meio de confinamento, com a minha filha grávida sem saber o que podia acontecer. Uma pandemia e uma gestante. Então assim, a gente teve muito medo, a gente passou por muitas angústias, muitos momentos duros mesmo, do ponto de vista familiar e se não é o orixá eu não sei o que seria de mim. Como diz a Bethânia: o que seria de mim sem a fé em Antônio? E música que me salva sempre.

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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