Mães são mulheres que precisam ter sua humanidade reconhecida, seus limites respeitados. A ideia da maternidade necessita passar pela dessacralização, vencer o “marianismo” e o engodo do padecimento no paraíso. Ser mãe é experiência mundana. Santificá-las tem sido uma armadilha e corresponde a mais uma camada de opressão baseada numa sociedade machista, racista e pseudo moralista. Mãe cansa, mãe se atrapalha, mãe esquece, mãe transa, mãe perde a paciência, mãe xinga, mãe fala palavrão; mãe estuda, mãe lê, mãe tem compromissos profissionais. Mãe quer um tempo pra si: para estar com as amigas, para ir ao cinema, para dançar, para ir à academia, para se embriagar, para namorar, para viajar, para fazer nada. E nem por são descuidadas ou menos amadas.

Atuo e tenho paixão pelo meu lugar de mãe. Também tenho outros papéis que importam, que necessitam de tempo e espaço no meu cotidiano. O feminismo me faz uma mãe melhor. Minha filha me reconhece em potência e limites. Temos uma parceria linda. Ela sabe quem eu sou de verdade. São com essas referências que ela tem construído seu lugar no mundo. Minha experiência com a maternidade, tem sido revolucionária. EU PUDE ESCOLHER quando e com quem ter uma filha. Penso que filhas/os não podem ser fardos, resultado de violação de direitos (estupro), de cobrança social ( maternidade compulsória) ou de pura vaidade (crianças não são bibelôs ou adereços a serem exibidos, explorados, mau tratados – seja por abusadores familiares, seja pelo Estado). Carecemos de políticas de planejamento familiar e de saúde da mulher, conteúdos escolares contemplando o estudo sobre sexualidade e gênero, de creches, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sendo executado em amplitude e de muitos outros marcos de civilidade.

Hoje me propus a pensar o “Dia das Mães”, para além do segundo domingo de maio, para além da expectativa do comércio (em aumentar suas vendas em alguns milhões em função da data). Quero lembrar das mães invisíveis, principalmente, daquelas que estão à margem desta comemoração, excluídas do circuito mercadológico e do paraíso (a lógica da mais valia não perdoa). Recordar daquelas que não contam com creches públicas para seus filhos, que não tiveram acesso a serviços de orientação e planejamento familiar, que necessitam deixar suas crianças para cuidar dos filhos(as) das outras – isso quando as “outras”, e “outros”, contratam mulheres que têm filhos. Das mulheres que saem de casa na madrugada, deixam o almoço pronto e encaram ônibus lotados; que enfrentam longas filas para conseguir uma consulta com o pediatra, após inúmeras tentativas. Daquelas que limpam, cozinham, lavam, passam nos seus trabalhos formais e repetem as mesmas atividades em suas casas. Das que são submetidas a rotinas exaustivas e não recebem um salário condizente às suas necessidades básicas e que não têm direitos trabalhistas respeitados.

Me refiro às mães que possuem jornadas triplas, quádruplas. Das mães que veem seus filhos mortos pela atuação seletiva da polícia, das que entregam seus bebês para adoção por falta de condições para criá-los e depois soluçam e silenciam suas dores em solidão. Das mães que foram violentadas e ainda assim optam pela continuidade da gravidez. Também lembrar das mães que perderam suas vidas pelo falta de acesso a serviços estruturados de interrupção da gravidez e das que foram/são criminalizadas pela prática do aborto. Daquelas que aguentam agressões dos companheiros para que os filhos tenham um teto e um “pai”. Sim, porque mãe solo, já sabe né? Destas que não terão um almoço farto e não serão presenteadas no dia de hoje, que continuaram relegadas a espaços de exclusão, sobras e julgamentos. Dessas, que no auge de nossos privilégios, costumamos condenar e não paramos para empatizar com suas dificuldades.

Daquelas que diferentes da propaganda, não têm espaços para serem cuidadas e nem tempo para se cuidarem. Daquelas que são mais duramente atingidas pelas cortes nas políticas de Assistência Social. Ainda assim acredito que a maternidade pode ser revolução, mas precisamos revolucioná-la primeiro. Talvez o início esteja em repensar a práxis, ver além de nossos muros.

Vídeo enviado pela filha da autora inspirou o texto

 

*Ádila Fabiana de Moura e Silva Leite é pedagoga, especialista em Assistência Social; In Reflexões Pessoais, Maio de 2018

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