Observação 1: Primeira imagem – Brasil, ano de 2015, um ano anos do Golpe; dias após uma das autorizações do aumento do combustível, por Dilma / Segunda imagem – Brasil, ano de 2018, dois anos após a efetivação do Golpe; um dia após um julgamento do Habeas Corpus de Lula, em que Carmem Lúcia denegou.

Observação 2: Primeira imagem – escárnio com a figura da primeira mulher a se eleger e reeleger democraticamente como Presidenta da República, no Brasil / Segunda imagem – escárnio com a figura da primeira mulher a ser indicada para presidir o Superior Tribunal Federal.

Observação 3: Primeira imagem – massivamente veiculada pelos ditos “coxinhas” / Segunda imagem – por hora só verifiquei um conhecido de Facebook compartilhando tal imagem, e o que decorreu da postagem dá origem a manifestação desta semana na coluna.

Ao me deparar com esta imagem da Carmem Lúcia em minha timeline imediatamente segui às demais mulheres que comentaram a postagem do colega (homem!), de posições publicamente progressistas, com a seguinte manifestação:

“Se nós (indivíduos identificados com valores da esquerda) repudiamos a veiculação dos adesivos obscenos com a Presidenta Dilma, por que nos utilizamos do mesmo recurso para proferir crítica à Carmem Lúcia?

Antes e depois do meu post várias mulheres fizeram comentários no mesmo sentido. Até que o Sr. X, indignado com as manifestações das “chatas feministas”, nos responde com um comentário tão sectário quanto a imagem postada por ele, dizendo que nossas falas expressavam ~ INTOLERÂNCIA ~, sobretudo de pessoas que “em geral nunca se dirigia à pagina dele para curtir ou comentar” e agora  estava ali se pronunciando.

Esta resposta dele me despertou o desejo de escrever algo. Voltei horas depois ao seu perfil para copiar a imagem (que não encontrei nem mesmo no Google) e eis a surpresa: o Sr. X havia deletado a mim e outras amigas (mulheres!) do seu perfil. Óh céus: aula prática de (in)tolerância…rs. Postura típica do mundo virtual. Enfim.

Independentemente desta “briguinha aos moldes pós-moderno”, o episódio parece ilustrar bem o quanto a objetificação dos corpos das mulheres é um recurso utilizado para desmoralizar as mulheres que ocupam postos de poder e decisão, e tal atitude está para além dos espectros ideológicos. É recorrente seja entre sujeitos (especialmente homens!) da direita, como também da esquerda.

Este fato não é novo. Não para nós que vivenciamos isso todos os dias. Não precisamos aqui mobilizar conceitos teóricos para justificar o que nossas vivências sangram.

No ano de 2015, a alta do combustível autorizada por Dilma significou um aumento de cerca de R$0,10 no litro da gasolina. Valor necessário para que as reações machistas e misóginas viessem à tona, imediatamente. No ano de 2017, já sob o governo ilegítimo de Michel Temer, o aumento da gasolina acrescentou entre R$0,40 e R$0,60 ao litro do combustível, mas as parcas manifestações nem eco fizeram.

Durante a votação do Habeas Corpus do caso Lula, na semana passada, o voto da Ministra Carmem Lúcia fora decisivo para negação do HC do ex-presidente. Sua imagem (e também a do Moro) foi exposta na fachada de uma casa noturna de luxo em São Paulo, como condecoração do empresário aos Juízes. Duas observações decorrem deste fato.

A primeira delas tem a ver com o ponto de vista de certa “coerência jurídica”. É preciso ressaltar que Carmem Lúcia proferiu voto igual ao já proferido por ela em matéria semelhante, no ano de 2009. Concordemos com ela ou não. O conjunto do julgamento do último dia 4 de abril contou, no entanto, com duas alterações de voto: uma do Ministro Gilmar Mendes, que votou à favor de Lula, mas em contrariedade com seu voto sobre o tema noutros momentos. Outro, de Rosa Weber, agora desfavoreceu Lula, e foi oposto a outros votos dela que em 2016, por exemplo, se posicionou avessa à prisão de condenados em 2ª instância. Ambos mudaram o voto, mas, devido ao fato do voto de Rosa ter sido contrário a Lula, nosso amiguinhos de esquerda não perderam a oportunidade de criticá-la. Quais os argumentos? Algum argumento jurídico? Algum adjetivo vinculado ao conteúdo de seu voto? Não, não…ela foi alvo de misoginia barata, tal qual Carmem Lúcia na imagem acima.

A segunda observação é: alguém viu alguma charge semelhante com a figura de Sérgio Moro? Tipo “o cafetão da Lava-Jato”? Certamente não, estes são artifícios utilizados para atingir mulheres, os corpos das mulheres, quaisquer de nós, especialmente se ocupamos lugares que “não são nossos”. É um artifício especialmente utilizado por homens contra mulheres. E repito – medida as proporções, que não exime o efeito – sejam eles da direita ou da esquerda. Eles simplesmente não pensam: se é mulher, vamos deturpar (suas atitudes, depreciando seus corpos).

Ocupamos em média apenas 30% das vagas de magistraturas no Brasil; ocupamos apenas 16% do senado federal; somamos pouco mais de 13% de nós nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas; e há anos não conseguimos romper as barreiras de 10% no Congresso Nacional. Ainda assim, nossos posicionamentos geralmente não são contestados com argumentos e conteúdo. Nossa desqualificação é individualizada, é dirigida ao nosso gênero. À presidenta Dilma e à Dep. Federal Maria do Rosário (no caso com Bolsonaro) faz-se apologia ao estupro; à Ministra da Justiça escracha-se o corpo e ainda tripudiam a atividade das mulheres profissionais do sexo; à Dep. Estadual, Ana Paula Lima, por exemplo, negam o debate “por ela ser mulher”.

Estas atitudes, no entanto, não podem nos amedrontar. Não podem nos calar. E não podem passar impunes. Questionar estas ações não é um ato de “intolerância” como sugeriu o Sr. X. A postura dele, sim, é incoerente ao campo e conceito de sociedade igualitária ao que sugere defender.

Somos muitas por toda parte. E para aspirar alterar este cenário precisamos ser mais ainda nos espaços de poder e decisão.

 

 

 

 

 

 

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  • Carla Ayres

    Carla Ayres é mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos e doutora em Sociologia Política pela U...

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