Nina Camargo, de 28 anos, é doula e mãe de dois, candidata a vereadora de Garopaba (SC) pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). É mulher branca, cisgênero e bissexual. Seu compromisso com a política é principalmente garantir que as mulheres tenham acesso à segurança, dignidade e redes de apoio no trabalho do cuidado. Nina se destacou como uma líder estudantil e sua experiência como doula a capacitou a compreender as necessidades das mulheres durante a gestação e maternidade. Suas propostas incluem a implementação de escolas de turno integral, ampliação de creches, além de políticas de saúde integral, iniciativas contra a violência e programas de capacitação para promover a inserção econômica e a igualdade de gênero.
Nina é a vigésima quinta candidata a responder ao questionário proposto pelo Catarinas para divulgar as candidaturas comprometidas com a agenda política feminista, antirracista, LGBT inclusiva e anticapacitista em Santa Catarina. As entrevistas são publicadas diariamente por ordem de chegada. Dado o volume de respostas recebidas, vamos publicar mais de uma entrevista em determinados dias.
O questionário foi dividido em cinco eixos temáticos, abordando questões centrais para a análise das candidaturas:
- Perfil
- Apoio e financiamento
- Propostas
- Políticas públicas inclusivas e enfrentamento de discursos reacionários
- Violência política e desinformação
Acompanhe a entrevista com Nina
Perfil
Resuma sua trajetória de vida/militância e o que a motivou a disputar estas eleições.
Sempre fiz política, sou filha de militantes. Fui representante de turma pela primeira vez na quinta série, ainda na escola integrei no Grêmio Estudantil. Quando entrei na faculdade, fundei o Centro Acadêmico de Comunicação Social, bem como mais 20 cursos. Fui presidente do Diretório Central dos Estudantes da Unisul Pedra Branca.
Logo que me formei em Publicidade e Propaganda, engravidei pela primeira vez e me apaixonei por esse universo. Pari minha filha em casa com parteiras tradicionais. Comecei a me aproximar do ativismo pelo parto humanizado e pelo direito ao parto em casa com parteiras tradicionais. Acompanhei mulheres em seus partos, cuidando para que fosse uma experiência respeitosa, potente e positiva.
Em 2022, fui candidata a deputada estadual quando meu segundo filho tinha dois meses e isso fala muito sobre a minha energia em me organizar politicamente e ativamente nas transformações da sociedade.
Nessas eleições aceitei entrar como candidata a vereadora da minha cidade porque aqui nunca tivemos uma mulher progressista nos espaços de poder do Legislativo e nem do Executivo. Ao longo da história apenas quatro mulheres foram eleitas, do total de 123 homens.
Vejo mulheres sobrecarregadas nas duplas ou triplas jornadas de trabalho. Vejo mulheres exaustas. Vejo mulheres tendo a saúde negligenciada, abrindo mão do seu sono, da possibilidade de lazer, dos cuidados consigo para cuidar dos seus. Vejo mães sendo demitidas após voltarem da licença maternidade.
Vejo mulheres que amam, cuidam e que precisam, igualmente, serem cuidadas. Vejo, portanto, uma cidade que impõe, majoritariamente às mulheres, o papel de cuidadoras – incluindo a maternidade. Essa mesma cidade, entretanto, ao não oferecer serviços, programas e projetos públicos de atenção e proteção a estas mulheres torna o cuidado ao outro um processo árduo, sem garantia de redes de apoio nas esferas familiar, econômica e social.
Ou seja, não vejo uma cidade que ofereça a nós, mulheres, segurança e estrutura para que possamos usufruir dignamente a vida.
Isso move a minha vida hoje: precisamos cuidar de quem cuida.
Quais personalidades políticas são suas referências?
Manuela D’ávila, Samia Bonfim, Taliria Petrone e Dilma Rousseff.
Apoio e financiamento
Você tem conseguido verba para a campanha? Quais?
Sim: apoio e recursos do partido e doações diretas.
Você enfrenta desafios para arrecadar os recursos necessários para sua campanha? Se sim, quais são os principais?
Sim. Sou mãe, trabalhadora e não recebi, não contei com nem uma estrutura e apoio direto para a candidatura. Comecei o trabalho no início do ano e é um desafio enorme conciliar todas as tarefas maternas, domésticas, de trabalho e de militância. Ainda, as pessoas que se identificam com o projeto político, são mães e vivem a mesma realidade. Sem falar das questões emocionais que envolve ser uma candidata mulher e mãe em uma cidade machista e conservadora em sua maioria.
Tudo isso dificulta muito para que possamos organizar eventos de arrecadação, priorizar campanhas de doação, dentre outras maneiras de conseguir recursos, em meio a todas as outras tarefas, que na realidade materna, precisam vir antes e serem priorizadas, como buscar e levar os filhos na escola, preparar e dar um bom alimento, banho, atenção, etc.
Qual é a importância do financiamento coletivo para a viabilidade de sua candidatura?
Enorme. No nosso projeto político, estamos falando da importância de estrutura para que as mães consigam realocar energia e trabalho em seus projetos e tarefas pessoais. Temos falado muito do trabalho do cuidado não remunerado e invisível, isso é uma grande violência e inviabiliza a dedicação necessária à construção do projeto político, visto que nós somos, enquanto mulheres, as pessoas que dedicam majoritariamente suas horas ao trabalho doméstico.
Sem falar do fato de que somos chamadas a compor as candidaturas para cumprir cota e todo o compromisso político prometido é destinado a candidaturas masculinas pela perspectiva de que são homens, e historicamente na cidade eles têm maior chance de serem eleitos.
Digo isso, pois, candidaturas que são mais vulneráveis precisam de estrutura e apoio financeiro para que possam ter os recursos necessários para realocar energia e tempo para a campanha e militância.
Propostas
Quais são os principais temas a serem debatidos no município e suas propostas para cada um?
Lutarei, na câmara de vereadores, com projetos e ações que minimizem a sobrecarga de cuidados colocadas às mulheres e, que, ao fazer isto, defendam igualmente aqueles que vem dependendo destas mulheres: crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência pessoas em situação de sofrimento psíquico, pessoas enfermas:
- implementação de escolas de turno integral;
- ampliação do número de atendimento em creches que dê conta da demanda;
- implementação/ampliação de serviços de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência, objetivando a convivência, a socialização e a acolhida de famílias cujos vínculos familiares e comunitários precisam ser protegidos;
- acolhimento institucional ao idoso (municipal ou em consórcio com outros municípios) que não dispõe de condições para permanecer com a família, que está com vivência de situações de violência e negligência, em situação de rua e de abandono, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos independentemente do seu grau de dependência ou de deficiência.
Que promovam a inserção econômica qualificada das mulheres de todas as raças, credos e religiões:
- ampliação de programas de geração de renda, o que inclui capacitação e recapacitação profissional permanente para inserção e reinserção no mercado de trabalho;
- programas e ações específicas de promoção e integração no mercado de trabalho;
- ações que visem promover a igualdade de gênero no mercado de trabalho;
- asseguramento que a lei de igualdade salarial esteja sendo cumprida;
- promover o incentivo ao investimento em políticas de desenvolvimento da agricultura familiar nos municípios, criando condições adequadas de acesso a estes programas no município;
- estimular a discussão municipal sobre ampliação de postos e qualidade do trabalho com redução da informalidade, visando a garantia de direitos básicos e proteção social para trabalhadoras e trabalhadores.
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De combate a todas as formas de violência contra a mulher:
- fortalecimento da procuradoria da mulher municipal;
- criação do Conselho Municipal de Direitos das Mulheres;
- programas de redução das diferentes formas de violência com ênfase na adoção de medidas de prevenção;
- acolhimento institucional provisório (municipal ou em consórcio com outros municípios) para mulheres, acompanhadas ou não de seus filhos, em situação de risco de morte ou ameaças em razão da violência doméstica e familiar;
- projetos e programas de prevenção da violência nas escolas, com ênfase na promoção de acolhimento e promoção de oportunidades a jovens;
- campanhas permanentes, para toda a comunidade, de temas diversos que possibilitem conscientização, apoio, fortalecimento das mulheres em seu direito humano de não ser violentada;
- políticas públicas que promovam formação especializada para profissionais de saúde da rede de atenção primária que possam atuar no atendimento qualificado de mulheres vítimas de violência sexual;
- consolidação, ampliação, divulgação e qualificação dos serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência em todas as áreas profissionais necessárias
- ações que garantam igualdade absoluta entre os cidadãos, coibindo a discriminação por motivo de origem, raça, cor, sexo, idade, estado civil, crença religiosa, orientação sexual, convicção política e filosófica ou outras quaisquer formas;
- defender Lei Municipal 2.359/ 2021 que dispõe de auxílio financeiro às mulheres vítimas de violência doméstica em situação de vulnerabilidade.
De garantia da saúde integral das famílias:
- incentivar que as Unidades Básicas de Saúde tenham especialistas na área da pediatria, ginecologia e da geriatria, imprescindíveis ao atendimento adequadas aos grupos familiares;
- desenvolver mecanismos de promoção de um pré-natal acolhedor e humanizado, em especial em unidades de saúde de territórios vulnerabilizados;
- acompanhar comissões de mortalidade materna do município, garantindo um monitoramento da taxa de mortalidade materna, em especial em gestantes e puérperas negras;
- propor políticas públicas que promovam formação especializada para profissionais de saúde da rede de atenção primária à saúde que possam atuar no atendimento de mulheres vítimas de violência sexual;
- propor a Casa de Parto para o município;
- incentivar a Farmácia Viva no SUS Municipal;
- ampliação das Práticas Integrativas e Complementares (PICs).
Para educação de qualidade:
- planos de carreira para professoras e professores;
- cumprimento das leis federais 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornaram obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas;
- Programa Municipal de Capacitação para o Atendimento de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) através de formação e atualização contínua para profissionais da educação, saúde e assistência social.
Pela qualidade de vida de todos os munícipes:
- Inclusão digital, com a garantia de acessos públicos à internet;
- promoção da inclusão e da igualdade para a população LGBTQIA+;
- uso de Energias Renováveis;
- redução de IPTU para Práticas Sustentáveis;
- defender um plano de desenvolvimento urbano que equilibre crescimento econômico com a preservação ambiental;
- garantia o pleno direito à cidade através do acesso à moradia digna, acesso a uma mobilidade urbana que priorize a qualificação do transporte coletivo, manutenção do sistema viário urbana e rural seguro, ainda garantindo a promoção do acesso equitativo aos equipamentos públicos de cultura, lazer, educação e saúde em todos os bairros;
- cozinha solidária ampliando a oferta de refeições nutricionalmente adequadas, gratuitas e/ou a preços acessíveis, à população de baixa renda, vulnerabilizados socialmente e em situação de insegurança alimentar e nutricional;
- Programa municipal de Agroecologia “Garopaba Livre de Veneno”, aumentando a produção local de alimentos e promover a sustentabilidade agrícola;
- quintais urbanos produtivos, com parceria com EPAGRI para fortalecimento da produção orgânica e disponibilização de alimentos frescos na comunidade;
- capacitação permanentemente, os servidores das diferentes políticas sociais públicas, assegurando aos usuários: acolhimento e constituição de vínculos; pleno acesso; acessibilidade, continuidade; não discriminação. Ou seja, atendimento adequado e efetivo.
Através de um mandato participativo, na luta pela defesa das mulheres em seus direitos inalienáveis de participar e decidir sobre rumos melhores para suas vidas, sem sobrecarga, sem violência, sem discriminação, entendo que a atuação de uma vereadora deve ser realizada a partir da escuta das vozes destas mulheres.
Por isto proponho um mandato em que mais pessoas possam participar, de forma efetiva, na proposição de leis e ações, na fiscalização do executivo.
Quero criar espaços de escuta, de discussão – em diferentes fóruns, entidades e espaços comunitários – que permitam identificar necessidades e demandas propondo “juntas” alternativas. Quero promover a participação e diversidade de vozes na tomada de decisões políticas.
Quem forma sua base eleitoral? Quais são suas mensagens centrais? E seu slogan de campanha?
Nossa base eleitoral são mulheres, mães e pessoas LGBTQIA+.
“Em defesa de todas as mulheres”. “Vamos mudar a trajetória”.
Tem propostas para promover a igualdade de gênero, LGBTQIA+ e racial no âmbito municipal? Se sim, quais?
Sim. Praticamente todo o nosso projeto político está destinado a políticas que promovam igualdade de gênero. Destaco aqui:
- implementação de escolas de turno integral;
- ampliação do número de atendimento em creches que dê conta da demanda;
- ampliação de programas de geração de renda, o que inclui capacitação e recapacitação profissional permanente para inserção e reinserção no mercado de trabalho;
- programas e ações específicas de promoção e integração no mercado de trabalho;
- ações que visem promover a igualdade de gênero no mercado de trabalho;
- asseguramento que a lei de igualdade salarial esteja sendo cumprida;
- fortalecimento da procuradoria da mulher municipal;
- criação do Conselho Municipal de Direitos das Mulheres;
- programas de redução das diferentes formas de violência com ênfase na adoção de medidas de prevenção;
- ações que garantam igualdade absoluta entre os cidadãos, coibindo a discriminação por motivo de origem, raça, cor, sexo, idade, estado civil, crença religiosa, orientação sexual, convicção política e filosófica ou outras quaisquer formas;
- cumprimento das leis federais 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornaram obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas;
- promoção da inclusão e da igualdade para a população LGBTQIA+.
Você tem propostas relacionadas à política do cuidado? Se sim, quais?
Que minimizem a sobrecarga de cuidados colocadas às mulheres e, que, ao fazer isto, defendam igualmente aqueles que vem dependendo destas mulheres: crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência pessoas em situação de sofrimento psíquico, pessoas enfermas
- implementação de escolas de turno integral;
- ampliação do número de atendimento em creches que dê conta da demanda;
- implementação/ampliação de serviços de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência, objetivando a convivência, a socialização e a acolhida de famílias cujos vínculos familiares e comunitários precisam ser protegidos;
- acolhimento institucional ao idoso (municipal ou em consórcio com outros municípios) que não dispõe de condições para permanecer com a família, que está com vivência de situações de violência e negligência, em situação de rua e de abandono, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos independentemente do seu grau de dependência ou de deficiência.
Políticas públicas inclusivas e enfrentamento de discursos reacionários
Como pretende enfrentar discursos reacionários que comprometem a equidade de gênero e racial, especialmente na educação?
Com certeza isso é um desafio, ainda mais em Santa Catarina.
Acredito que precisamos falar sobre pedofilia e abuso infantil com as crianças e adultos. Vamos incentivar projetos e campanhas já existentes através da educação sexual.
Para as questões raciais, no município os grupos de capoeira são fortes, então propomos trazer a educação racial através dos estudos da capoeira dentro das escolas. Buscamos também o letramento racial articulando com os professores e professoras negras.
Como avalia a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas municipais?
Essencial, por isso estamos propondo um mandato participativo e inclusivo.
Sua plataforma propõe formas de ampliar a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas? Se sim, como?
Quero criar espaços de escuta, de discussão – em diferentes fóruns, entidades e espaços comunitários – que permitam identificar necessidades e demandas propondo “juntas” alternativas. Quero promover a participação e diversidade de vozes na tomada de decisões políticas.
Violência política e desinformação
Já sofreu ataques, incluindo intimidação, durante a sua trajetória devido à sua agenda política? Em caso positivo, pode compartilhar algum caso?
Eu acho importante refletir que os ataques físicos e ameaças estão mais próximos do topo do iceberg. Antes desses ataques, vem a violência psicológica e simbólica e dessas, eu vivo diariamente.
Eu ouvi das pessoas mais próximas que eu não conseguiria votos. Ouvi que seria necessário priorizar o homem candidato próximo a mim porque ele era homem e historicamente na nossa cidade as mulheres não eram eleitas. Que eu não precisaria me esforçar tanto porque não conseguiria avançar nessa eleição. Que eu sonho demais, que sou sensível demais.
Como se não tivesse fundamento as pautas que estamos falando sobre o cuidado e a maternidade. Já cheguei a ouvir que maternidade não é pauta, dentro da própria organização política que eu faço parte.
Sua candidatura tem sido alvo de desinformação? Se sim, como?
Sim, através de conversas informais no boca a boca, que buscam descredibilizar o trabalho que estamos fazendo.
Tem ações específicas para combater a desinformação? Se sim, quais?
Em primeiro lugar, vejo que precisamos disputar a narrativa, precisamos falar. Enquanto mulheres, historicamente somos caladas, estamos por trás de homens que buscam falar por nós. Precisamos falar, precisamos ver a nós mesmas em espaços de poder e liderança falando por nós para que outras se vejam e percebam que também podem estar em espaços de liderança com força para disputarmos as narrativas.
Em segundo lugar precisamos de ferramentas tecnológicas de combate a fake news, hoje já temos agências de checagem oferecendo verificações de informação que desmentem boatos. Precisamos de ferramentas que avaliem a credibilidade de sites de notícias, precisamos rastrear como a notícia se espalhou tão rápido, precisamos de workshops para ensinar habilidades de alfabetização midiática, enfim.
O segundo ponto nos traz argumentos e ferramentas para que possamos disputar as narrativas nas conversas e nos debates políticos.