“Somos 448 mil Mulheres Indígenas no Brasil que o estrupo da colonização não conseguiu matar e não permitiremos”. A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), lançou na quinta-feira (5) um Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Griá Sales Kaingang, de 14 anos. Ela foi encontrada morta, seminua e com o corpo dilacerado em uma lavoura na tarde da última quarta-feira (4), no Setor Estiva, na Terra Indígena Guarita, município de Redentora, no Rio Grande do Sul. Daiane morava com a família no Setor Bananeiras, na mesma Terra Indígena de Guarita. Brutalmente assassinada, teve o seu corpo exposto para todo o seu povo de forma cruel e desumana. 

“Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar, com crimes hediondos que sangram nossa alma. A desumanidade exposta em corpos femininos indígenas, precisa parar!”, diz o manifesto publicado pela ANMIGA.

A indígena e ativista Ingrid Sateré Mawé, que compartilhou o manifesto em suas redes sociais, declara que o racismo e o preconceito são cruéis com as mulheres indígenas, e elas exigem justiça por Daiane Kaingang. “Realmente hoje é um dia perverso de lembrar o que não é falado todos os dias, e talvez por isso que a gente ainda consiga resistir mediante tanta violência. Nós indígenas, principalmente as mulheres indígenas, não somos vistas como mulheres. Há todo esse racismo, esse preconceito, e essa crueldade voltada com os olhos e da pior forma voltada com as mãos, como a gente vê nesse crime contra a Daiane. A gente exige justiça”, afirmou ao Catarinas.

Pietra Dolamita Kowawa Apurinã, do Conselho Editorial do Portal Catarinas, contextualiza que a violência contra as mulheres indígenas é incentivada pelo discurso de ódio propagado pelo ataque à democracia e à autonomia dos Povos Indígenas. “Somos representação de tempo e são sempre os corpos das mulheres que sofrem com isso. Quando existe ataque à democracia, à autonomia dos povos, os primeiros corpos a serem atacados são das crianças e das mulheres. A violência contra as mulheres indígenas nos seus territórios não é algo novo, é algo que está sendo mostrado agora. O machismo, o patriarcado existem como resultado do colonialismo existente também dentro dos nossos territórios, uma herança de um lugar que não pertence a ele”, analisa.

Jozileia Kaingang, integrante da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), conta que, quando souberam do fato, buscaram informações com pessoas que moram na Terra Indígena de Guarita. “Fiquei em estado de choque pela brutalidade do crime, do assassinato, pelo desrespeito ao corpo de um ser humano, de uma jovem menina, adolescente de 14 anos, mulher, indígena, que vem de uma herança de muita violência contra as mulheres. E o Sul do Brasil é muito violento com as mulheres indígenas”, relata.

Segundo Jozileia Kaingang, a Polícia Civil investiga o caso que foi atendido pela Polícia Militar. Ainda não há pistas do assassino. Ela relata um crescente número de violência contra mulheres indígenas no Sul do Brasil, violências misóginas e machistas que envolvem muita brutalidade. 

“O que justifica isso? Para mim é a desumanidade, infelizmente a nossa sociedade está doente. Essa desumanidade é fruto do que a gente vive, de sentimentos uns pelos outros, de falta de respeito, a inconsciência do tratamento que a gente precisa ter uns com os outros. Esse crime mexeu de tal forma com a gente que realmente tem sido difícil”, relata a indígena Kaingang.

O Portal Catarinas se solidariza com o Povo Kaingang, com a família da jovem. Nos solidarizamos também com todas as mulheres indígenas que sofreram violências e com as famílias de vítimas de feminicídio. Lutamos por uma sociedade que seja justa com as mulheres, por respeito e justiça, por oportunidade de esperança nas coalizões entre os movimentos. Trabalhamos todos os dias em rede para superar todas as formas de opressão, mas o poder racista, colonial, patriarcal, machista e misógino que governa esse país revela e incentiva um Brasil desigual e violento.

Nossa voz ecoa: Justiça para Daiane Kaingang!

Leia o manifesto completo:

Manifesto das Mulheres Indígenas do Brasil contra a barbárie cometida à jovem Daiane Kaingang, de 14 anos.

A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), viemos por meio deste manifesto repudiar e denunciar o crime de barbárie cometida na tarde desta quarta-feira (04), no Setor Estiva, da Terra Indígena do Guarita, no município de Redentora, contra a jovem de apenas 14 anos, Daiane Griá Sales, indígena Kaingáng, moradora do Setor Bananeiras da Terra Indígena do Guarita. A jovem Daiane foi encontrada em uma lavoura próxima a um mato, nua e com as partes inferiores (da cintura para baixo) arrancadas e dilaceradas, com pedaços ao lado do corpo.

Temos visto dia após dia o assassinato de indígenas. Mas, parece que não é suficiente matar. O requinte de crueldade é o que dilacera nossa alma, assim como literalmente dilaceraram o jovem corpo de Daiane, de apenas 14 anos. Esquartejam corpos jovens, de mulheres, de povos. Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar, com crimes hediondos que sangram nossa alma. A desumanidade exposta em corpos femininos indígenas, precisa parar!

Estamos aqui, reivindicando justiça! Não deixaremos passar impune e nem nos silenciarão. Lutamos pela dignidade humana, combatendo a violência de gênero e tantas outras violações de direitos. As violências praticadas por uma sociedade doente não podem continuar sendo banalizadas, naturalizadas, repleta de homens sem respeito e compostura humana, selvageria, repugnância e macabrismo. Quem comete uma atrocidade desta com mulheres filhas da terra, mata igualmente a si mesmo, mata também o Brasil.

Mas saibam que o ÓDIO não passará! Afinal, a violência praticada não pode passar impune, nossos corpos já não suportam mais ser dilacerados, tombado há 521 anos. Que o projeto esquartejador empunhado pela colonização, violenta todas nós, mulheres indígenas há mais de cinco séculos.

Somos 448 mil Mulheres Indígenas no Brasil que o estrupo da colonização não conseguiu matar e não permitiremos.

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  • Vandreza Amante

    Jornalista feminista, antirracista e descolonial atua com foco nos olhares das mulheres indígenas. A cada dia se descobr...

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