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“Existem várias formas de feminismos, várias vertentes. Nós atuamos no feminismo emancipacionista. Trabalhamos pela união e participação da mulher ao lado de demais segmentos da sociedade na luta pela soberania nacional, pelos direitos sociais, por um Brasil cidadão e de igualdade social e de gênero, livre de toda opressão e exploração.  Um mundo de igualdade para nós e para as que virão depois!” O pensamento é da produtora cultural feminista Mariana Pires, de 32 anos, que decidiu pelo engajamento e ativismo no universo artístico e em movimentos sociais em Jaraguá do Sul, cidade do Norte de Santa Catarina onde mora e preside a União Brasileira das Mulheres (UBM).

Nascida em Florianópolis, Mariana conta que ecoar lutas temáticas e atuais, combinada com a busca por mobilizar populares em regiões mais distantes dos principais centros de debate e de ação, não é uma tarefa simples e requer um esforço redobrado para que hajam avanços a passos mais rápidos. Segundo ela, foi pensando na representatividade dentro desse contexto em Jaraguá do Sul que também se lançou no trabalho pelas causas das populações LGBT e negra, atuando como integrante e sócio-fundadora da União Nacional LGBT (UNA) e conselheira municipal da Igualdade Racial.

Mariana percebe Jaraguá do Sul como uma cidade bastante conservadora, que é culturalmente conhecia e reconhecida pela colonização alemã e o perfil econômico industrial. Lá, ela sentiu a necessidade de criar a UBM, fundada em outubro de 2015, para representar as mulheres no combate à violência, preconceito e opressão. “A UBM trabalha pela igualdade social e de gênero, livre de toda opressão e exploração. Nossa entidade participa de articulações do movimento de mulheres e do movimento feminista nacional e internacional”, explica.

A entidade luta por “um Brasil que não tenha funcionárias públicas desvalorizadas por governos reacionários, intelectuais cerceadas na sua criação e produção por uma cultura alienante e alienadora do papel da mulher”.

Fora as lutas diárias em movimentos, Mariana combate preconceitos no trabalho como produtora cultural.  Há uma década, promove shows de bandas alternativas e som pesado em uma das casas deste segmento mais antigas do país, o Curupira Rock Club, localizado em Guaramirim. Ela conta que, infelizmente, a figura de uma mulher frente ao fortalecimento da cultura underground ainda é motivo para resistência. Mas, a produtora demonstra que costuma combater bem esses tipos de situações de forma amigável, mostrando que as mulheres têm direitos de escolhas para trabalharem com o que quiserem.

De onde vem essa força diária? Mariana cita Frida Kahlo, Simone Beauvoir e as mulheres brasileiras. “Minha grande inspiração vem da luta diária das mulheres brasileiras, guerreiras que lutam e trabalham dia e noite, apesar dos pesares, sem desanimar. Tenho como modelo e referência a minha mãe e avó.” É com esse espírito que Mariana luta pela igualdade social e de gênero. Em conversa com a reportagem do Portal Catarinas, Mariana, fundadora do Baú do Rock Produções e sócia-fundadora e secretária da Associação Jaraguaense de Artesãos e Artistas (AJA), dividiu suas experiências e planos frente a essas e tantas outras lutas que abraça. Confira!

A ativista percebeu a necessidade de uma organização que levantasse a bandeira feminista em Jaraguá do Sul/ Foto: arquivo pessoal
A ativista percebeu a necessidade de uma organização que levantasse a bandeira feminista em Jaraguá do Sul/ Foto: arquivo pessoal

Quando e como começou sua trajetória no movimento em defesa da ampliação dos direitos das mulheres? Por que e como você se tornou uma ativista?
Em 2015, eu e mais quatro meninas resolvemos ir ao congresso estadual da UBM em Florianópolis para conhecer um pouco mais sobre o movimento. Em diversas conversas anteriores já havíamos sentido a necessidade de uma entidade que representasse esta luta e levantasse esta bandeira em Jaraguá do Sul, que ainda é muito conservadora. Também pelo fato de todas nós enfrentarmos e vermos no dia a dia das mulheres brasileiras dificuldades em diversos segmentos da sociedade pelo simples fato de sermos mulheres, a luta contra a violência, preconceito e opressão que sofremos. Na ocasião, nos apaixonamos pelas lutas e histórias da entidade e voltamos a Jaraguá com a certeza de fundarmos a UBM, o que ocorreu oficialmente em 21 de outubro de 2015.

Quem são suas referências nessa luta?
Poderia citar vários nomes, Frida Kahlo, Simone Beauvoir… Porém, acho que minha grande inspiração vem da luta diária das mulheres brasileiras, guerreiras que lutam e trabalham dia e noite, apesar dos pesares, sem desanimar. Tenho como modelo e referência minha mãe e avó. Ambas nunca tiveram homens ao seu lado para criar os filhos e nunca trabalharam em empresas privadas. Elas sempre deram ‘conta do recado’.

A imagem que tenho da minha infância é de minha mãe debruçada numa mesa de madrugada trabalhando. Ela veio de uma criação muito, muito pobre. E, mesmo assim, passou em primeiro lugar na universidade federal, estudou e trabalhou muito, muito mesmo, em busca dos seus ideais. São mulheres que nunca dependeram de homem e sustentaram seus filhos e suas vidas com fruto do trabalho e luta diária. Se nós hoje enfrentamos preconceito e opressão – tanto no mercado de trabalho como em criar filhos sozinhas – imagina elas. Elas venceram. Todas podemos!

Como é ser ativista no interior do Estado e lutar pelos direitos humanos, civis e da mulheres?
É difícil. Apesar de recebermos muitos elogios pela luta e as pessoas considerarem a causa justa, ainda há pouca mobilização popular para que isso ocorra. Apensar de não ser remunerado, considero os trabalhos em entidades de terceiro setor muito compensadoras, pois são as ferramentas que a sociedade civil tem para lutar legalmente pelos seus direitos junto com os governantes. E não há dinheiro que pague ver a melhora na qualidade de vida das pessoas quando seu trabalho mostra resultado. Precisamos ser menos individualistas e pensar mais em comunidade.

Quais são as principais reivindicações da UBM? Quais os desafios para 2017?
A UBM é uma entidade voltada para a defesa dos direitos e reivindicações das mulheres, que luta contra a opressão da mulher e por sua emancipação. Trabalha pela união e participação da mulher ao lado de demais segmentos da sociedade na luta pela soberania nacional, pelos direitos sociais, por um Brasil cidadão e de igualdade social e de gênero, livre de toda opressão e exploração. Nossa entidade participa de articulações do movimento de mulheres e do movimento feminista nacional e internacional. Lutamos por um Brasil que apague de sua face o sofrimento das operárias que não têm onde deixar seus filhos; o sofrimento das camponesas que sequer têm o seu trabalho reconhecido como produtivo; o sofrimento das trabalhadoras em geral, esgotadas pela dupla jornada. Um Brasil que não tenha funcionárias públicas desvalorizadas por governos reacionários, intelectuais cerceadas na sua criação e produção por uma cultura alienante e alienadora do papel da mulher; que não tenha donas de casa sufocadas pela rotina doméstica. Queremos um Brasil onde tenhamos acesso ao trabalho, salários justos e iguais aos de nossos companheiros. Um Brasil onde tenhamos uma rede de creches públicas, iniciativas de aperfeiçoamento profissional e um efetivo combate às discriminações contra a mão trabalhadora.

Em Jaraguá, como a entidade pretende atuar? Já existe um planejamento para 2017?
A UBM realiza atividades de pesquisa sobre questões relativas à mulher, particularmente nas áreas de trabalho, saúde, violência e políticas públicas. Promove seminários, cursos, palestras e debates sobre questões de gênero, inclusive em parceria com outras entidades do movimento de mulheres, do movimento popular, do movimento estudantil e de jovens, e do movimento sindical. Além disso, publica cartilhas, folhetos e boletins. Tudo isto e muito mais! Recebemos algumas denúncias no último ano de casos de tentativa de estupro e violência doméstica. Nestes casos, uma integrante da UBM acompanha a vítima as delegacias especializadas e\ou presta informações de como fazê-lo. Também atuamos na cobrança de tais instituições. O planejamento de 2017 será feito no congresso municipal da UBM, que será realizado no dia 11 de março, no Centro de Artes e Esportes Unificado.

Em 2016, na sua visão quais foram as principais conquistas e derrotas para as mulheres?
As derrotas foram os ainda comuns crimes de violência doméstica, estupro e o baixo número de mulheres eleitas nas eleições municipais. O Brasil é o sétimo país que registra casos de violência contra a mulher. As principais conquistas estão na liberdade de pensar, estudar, trabalhar, poder expressar sentimentos e ter direito a escolher como viver. Ser livre.

Mariana preside a União Brasileira das Mulheres (UBM)/Foto: arquivo pessoal
Avançar na reforma política é central para a UBM/Foto: arquivo pessoal

Como você vê o diálogo entre a UBM e os movimentos feministas?
Em Jaraguá, a UBM existe há pouco mais de um ano, assim como minha vida dentro da entidade. Mas, pelo o que vejo, a partir de sua fundação, muitos outros movimentos cresceram, se fortaleceram e surgiram no município. Não falo apenas dos movimentos feministas, mas de outros que também são fazem parcerias de ideologias semelhantes as da UBM. Procuramos o máximo possível apoiar e estar dentro dos outros movimentos sociais, bem como, incluí-los nas nossas lutas. Acreditamos que sem união os movimentos sociais dificilmente crescem e se fortalecem. A união faz a força!

Você citou o baixo número de políticas eleitas nas últimas disputas como uma das derrotas de 2016, quando a primeira mulher a se eleger para o cargo de presidente no Brasil também sofreu impeachment. Qual leitura da UBM sobre o processo de impedimento de Dilma Rousseff?
A UBM é apartidária, porém entendemos nesta ocasião que se trata de uma afronta à democracia, à legalidade e à soberania do voto popular.

Por que você acha que a baixa representatividade feminina ainda é uma realidade na política?Acredito que assim como as outras diversas posições de comando na sociedade, é uma questão cultural, coisa que não mudamos do dia pra noite. As mulheres precisam entender que somos tão capazes quanto e que podemos muito mais! É triste que mesmo após 84 anos da conquista do voto e com maioria do eleitorado, nós representamos apenas 9% da Câmara dos Deputados – menos de 10% das chefias de prefeituras. Isso demonstra o quanto precisamos avançar. Então, a bandeira da reforma política é central também para nós da UBM e um grande desafio.

O governo Michel Temer é constituído basicamente por homens, diferentemente do governo de Dilma. Quais são os prejuízos nessa falta de equilíbrio de vozes no poder?
Além do fato de reforçar a cultura machista de que mulheres não podem, devem e\ou tem capacidade de ocupar posições de comando, a falta desta participação interfere diretamente nos diálogos com a sociedade civil, visto que, somos maioria em nosso país, e cada gênero\ cor \ raça, tem uma experiência de vivência social que deve ser levada em consideração. Afinal, deveríamos ser gente lutando por gente, e não como é hoje em que homens, brancos e ricos se dizem lutar pelo proletariado – sem ter noção do que ‘outras’ classes vivem.

Quais são as principais preocupações e avanços em Santa Cataria no que diz respeito à ampliação dos direitos das mulheres?

Precisamos de delegacia da mulher 24 horas! Isso porque vemos, por experiência, que a maioria dos casos de tentativa ou estupro e de violência ocorre em período noturno. As delegacias civis não estão aptas a receber este tipo de público. A UBM atendeu um caso no ano passado de tentativa de estupro de uma trans e não tiveram a decência de abrir a porta da delegacia civil para atendê-la.

Queriam que ela fosse depor num interfone na calçada. Ela estava com vergonha de contar seu caso na calçada da rua, desistiu da ocorrência. Naquela ocasião a delegacia da mulher estava fechada. Citaria como um avanço o projeto que garante a presença de doulas durante o parto, o que diminui e muito os casos de violência obstétrica – uma iniciativa da deputada federal e também UBMista, Angela Albino.

Você trabalha com produção cultural, certo? Como é trabalhar nesse universo ainda tão dominado por homens?
Sim. Quando resolvi começar a iniciar shows com bandas locais não havia mulheres que atuavam, sem seus maridos, no cenário de produção da cultura underground no Estado nem havia tantos festivais de rock como atualmente. Muita gente dizia que não ia dar certo por ser um mundo quase que exclusivamente masculino, onde lidamos com 99,9% de homens nas bandas, empresas terceirizadas, etc. Ouvi algumas vezes que não teria ‘pulso’ pra lidar com isso. Hoje minha produtora tem 11 anos e administro desde 2008 o Curupira Rock Club, conhecido como a casa de bandas alternativas mais antigas do Brasil ainda em atividade. A questão é que este ‘pulso’ não requer força humana, mas, sim, saber lidar com as pessoas, saber se impor, ser muito séria na negociações e contratações, pois infelizmente ainda acreditam que uma mulher que sorri demais ‘está dando mole’. Para evitar isso, tento ser o mais séria possível para não dar ‘pano pra manga’. Acho que por esta atitude assumida desde sempre sofri poucos assédios na minha profissão, mais infelizmente por isso. Não podemos ser simpáticas demais, temos que ter muito mais tato que os homens em posições de comando, pois acabamos sendo mais suscetíveis a oposições, preconceitos, assédios, fofocas, críticas, etc.

No meio de produção cultural, você enfrenta muita resistência por ser mulher, os espaços são muito conservadores? Que tipo de situação preconceituosa você já sofreu dentro desse meio?
Acho que as resistências que sofri não foram por conta do público e\ou artistas envolvidos, mas nas situações de termos que trabalhar com muitas empresas terceirizadas que encaminham às vezes alguns homens que tem dificuldade em estarem subordinados a uma mulher. Uma situação que recordo foi com um segurança num festival em que produzia. Eu o flagrei bebendo e fazendo zerinhos com carro no estacionamento. Quando o questionei, ele me disse que não aceitava ordens de uma mulher e que eu deveria estar na cozinha do evento. Outra situação partiu de um cliente do Curupira. Um rapaz se queixou para o proprietário de que não podia deixar uma mulher tomar o comando nas produções, por achar que não sabíamos o que fazíamos. Na ocasião o proprietário perguntou: ‘Você curte Heavy metal né? Me diz então quem faz os shows que você frequenta há anos ou quem você vê por ai lutando pelo fortalecimento da cultura underground? Se você acha ruim, faça melhor.’ Ele pediu desculpas e hoje somos ótimos amigos.

E como é produzir cultura dentro da lógica “alemã” cheia de regras e perfeccionismo? As pessoas têm tempo para arte, lazer, contemplação ou só trabalho?
Pois é! Nossa região tem a colonização alemã como traço histórico mais divulgado. Somos vistos como trabalhadores incansáveis, perfeccionistas e que dedicam a vida prioritariamente os trabalho. E o fato de se uma região extremamente industrial fortalece mais ainda essa ‘fala popular’. Porém, a nossa região é de uma riqueza cultural muito maior e pouco conhecida e divulgada. Um exemplo são os traços culturais deixados também pelos negros que, sim, também foram colonizadores destas terras e que precisam ser também preservados. Além da cultura deixada pelos negros muitas outras surgiram com a miscigenação da população que ocorreu nesses tantos anos Mesmo tendo a cultura alemã como traço predominante, não podemos esquecer da arte que este próprio povo produziu ao longo dos anos. Minhas lutas dentro da cultura são a valorização do artista local e o resgate histórico e cultural de nossas raízes, que não são só alemãs. Tenho encontrado muita ajuda neste ponto e acho que a cena cultural da região tem crescido em todas as áreas nos últimos anos, mas acho que as pessoas ainda valorizam pouco e precisam prestigiar mais a cultura local.

No seu trabalho como produtora, você busca dar visibilidade para as mulheres do meio artístico e como isso acontece?
Sim. Porém, infelizmente, é muito difícil achar bandas femininas de rock. Mas, quando acho, tentamos dar visibilidade possível, colocando em horários com maior público, dando auxílio na divulgação dos seus trabalhos, etc. Nas áreas de dança e teatro, faço pouca produção, mas são as que mais têm equidade de gênero e com mais profissionais do sexo feminino. Mas, a disparidade da mulher no mundo da música é outra luta a se travar.

 

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