Formada pela militante ecossocialista Cíntia Moura Mendonça, pela estudante Mirê Chagas, pela turismóloga Arianide Baptiste, pela psicóloga Bianca Tribess, pela bióloga Mariana Furlon, pela professora Deise Guarani, pela estudante Nandja Xokleng, pela diarista Janaina Barbosa e pela trabalhadora da área da limpeza Marilia Monteiro, a Mandata Feminista do Bem Viver é uma candidatura coletiva à vaga de deputada estadual de Santa Catarina nas eleições de 2022 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Mandata Feminista do Bem Viver é a quinta candidatura a responder ao questionário proposto pelo Catarinas para divulgar as mulheres comprometidas com a agenda política feminista, antirracista e LGBTinclusiva no estado nestas eleições.

As entrevistas são publicadas diariamente por ordem de chegada. 

Acompanhe a entrevista da Mandata Coletiva do Bem Viver.

Conte sobre sua trajetória de vida/militância e quais motivações a levaram a disputar essas eleições.

Cíntia Moura Mendonça, 42 anos, como mãe solo trabalhou muito para sustentar seu filho, sobreviver e estudar para realizar seus sonhos! Começou sua vida profissional no comércio, na área de telemarketing, como vendedora e promotora em algumas lojas em Florianópolis e São José. Decidiu ingressar na faculdade de administração para mudar de profissão e assim conseguiu um estágio já na primeira fase para trabalhar com administração financeira e logo depois com gestão de pessoas. Em 2011, ao ingressar numa organização de assistência social que atuava com 300 crianças e adolescentes em quatro comunidades de vulnerabilidade social na grande Florianópolis, deu início a sua participação na construção de políticas públicas sociais, o que a levou a se filiar no PSOL em 2016 e participar da construção de um programa de governo ecossocialista! A partir disso, passou a estudar e construir uma setorial ecossocialista que propõe superação do capitalismo e pensa a sociedade a partir de uma perspectiva ecológica. Em 2017 recebeu o chamado e conheceu a luta do povo Guarani que vive na Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Palhoça. Desde então, passou a construir mutirões de vigília e de plantio e bioconstrução como estratégias de proteção do povo originário e de aproximar as pessoas da cidade com a luta e com a reconexão com a natureza. Em 2018, participou dos debates sobre ecossocialismo e bem viver no Fórum Social Mundial que aconteceu na Bahia e na construção do Comitê do Fórum Alternativo Mundial da Água de Santa Catarina, em Brasília, onde fundou, junto com outros companheiros, a Aliança Ecossocialista pelo Bem Viver (AELA). Em 2019 deu início à construção das Comunidades Agroecológicas do Bem Viver que fomentou e ampliou o plantio em algumas das  aldeias indígenas da Palhoça e Biguaçu. Ocupou uma cadeira como conselheira do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, integrando a comissão dos povos e comunidades tradicionais com o propósito de conectar as proposições por políticas públicas para os guardiões e guardiãs das florestas e das sementes crioulas. Em 2020 construiu a edição do Mutirão do Bem Viver em resposta à pandemia, que fortaleceu famílias agricultoras com compra de alimentos com recursos arrecadados para entrega em territórios de vulnerabilidade social. Em 2021 fundou o Movimento Social Bem Viver junto com companheiros do estado de Rondônia, Mato Grosso, Santa Catarina e Brasília – movimento de massas que constrói programas na cidade com territórios coletivos nas comunidades. Cíntia está como co-vereadora da Coletiva Bem Viver em Florianópolis, o primeiro mandato coletivo eleito no sul do país. Mestra em Administração Pública, atua há mais de uma década nas lutas da cidade pelo Fórum Intersetorial de Políticas Públicas de Florianópolis, nos conselhos de assistência social e de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, além de todas as atividades já descritas. Sonha e luta no seu cotidiano para construir uma sociedade livre de exploração, de todas as opressões e pelo fim da destruição da natureza.

Mirê Chagas é mulher negra, trans, estudante e fomentadora do Transfree na cidade de Florianópolis. Constrói o Coletivo Negro de Assistência Social Magali da Silva Almeida, e o Núcleo de Aquilombamento de Intelectualidades Afro-Transcentradas (N’Aya). 

Arianide Baptiste nasceu na República Dominicana, cresceu no Haiti e mora há 8 anos no Brasil. Ari é mãe, turismóloga e lutadora pelos direitos dos povos em movimento.

Bianca Tribess é militante ecossocialista e feminista. Psicóloga, presente nas lutas LGBTQIAP+, da dignidade no campo e saúde coletiva. Constrói as Comunidades Agroecológicas do Bem Viver e Territórios Coletivos.

Mariana Furlon, de Criciúma (SC), é mestranda em biologia, antiespecista, feminista e militante ecossocialista. Atua nas lutas por justiça climática e socioambiental através do Fórum Popular da Natureza do Sul de Santa Catarina.

Deise Guarani é natural da aldeia Sasoro em Tacuru (MS), e hoje reside na aldeia Mbya Tava’í, em Canelinha (SC). É mãe, artesã, guerreira Guarani-Kaiowá e professora de matemática. 

Nandja Xokleng é mãe, acadêmica em odontologia pela FURB e pedagogia pelo IFC, é guerreira Laklãnõ Xokleng e militante pela moradia digna, justiça social e ecossocialista em Blumenau.

Janaina Barbosa é mãe, diarista, cozinheira, moradora de periferia e militante pela organização comunitária em defesa da moradia digna e melhorias para as periferias da cidade.

Marília Monteiro, também conhecida como Léia, é casada e mãe de seis filhos, mora na comunidade da Maloka há 34 anos. Trabalha com limpeza e constrói o Território Coletivo da Maloka.

Mandata_Feminista_do_Bem_Viver_camara_estadual_santa_catarina_
Imagem: reprodução.

Vocês têm conseguido verba para a campanha? Como são divididos os fundos eleitoral e partidário entre as candidaturas? Vocês receberam apoio e recursos do partido?

A candidatura coletiva da Mandata Feminista do Bem Viver recebeu uma verba muito menor do que prevíamos. Somos 9 mulheres trabalhadoras, com representatividade e força! O CPF foi o meu, Cíntia, justamente por entender que pelo fato de ser a única parlamentar mulher do PSOL em Santa Catarina, como porta-voz da Coletiva Bem Viver, enfrento todos os dias violência política de gênero nos ambientes institucionais. Elaboramos um recurso e enviamos para o PSOL nacional. Me senti muito prejudicada e desvalorizada, apesar de alegarem ser a candidatura prioritária do partido entre as mulheres como deputada estadual.

Quais as principais questões a superar hoje em relação à desigualdade de gênero? E quais são as propostas de vocês para resolver essa questão?

Desafios: temos que superar a cultura machista que se manifesta na sociedade patriarcal do sistema capitalista que vivemos! Além da tripla jornada, dos rótulos, dos salários menores, das dificuldades de maternar, de ter apoio para estudar, de viver tendo que enfrentar mais de 40 horas de trabalho semanal e de enfrentar todos os tipos de violências.

Precisamos garantir acesso à moradia, saúde, educação! Superar as dificuldades de acesso à participação da vida pública e aos espaços de poder e de tomada de decisão que interferem na vida de toda a sociedade, inclusive sobre os nossos próprios corpos!

Hoje, apesar de sermos 52% da população, das 40 cadeiras de deputados na ALESC, somente cinco são ocupadas por mulheres, sendo apenas uma de mulher de esquerda, que defende a classe trabalhadora!  

Propostas: assegurar a educação sexual em unidades escolares e de saúde básica, incluindo regiões rurais e comunidades tradicionais, abordando a prevenção à violência sexual/doméstica e de gravidezes precoces/indesejadas e a saúde reprodutiva para além da lógica materno infantil, assegurando a de escolha ou abstenção do uso de contraceptivos. Garantir a universalização do acesso a creches públicas e inclusão de período noturno de cuidados infantis em zonas urbanas e rurais. Criar escolas, creches e lavanderias populares, que funcionem em tempo integral, de qualidade e com acesso universal. Propor a criação do  Programa de Reconhecimento de Tempo de Serviço por Trabalhos de Cuidado, em que os períodos dedicados aos cuidados domésticos sejam contabilizados para aposentadoria, sendo aptas a reclamar os benefícios pessoas responsáveis pela manutenção dos cuidados com a casa da família e responsáveis pelos cuidados com as crianças, pessoas com deficiência e dependentes por condição de saúde e mães beneficiárias de programas assistenciais parentais. Retomar a tramitação do PL 130/2011, que prevê aplicação de multa a empresas que descumprirem a igualdade de gênero.

Quais os principais temas a serem debatidos, hoje, em Santa Catarina e no Brasil? Quais propostas você apresenta para pautá-los?

Fome e geração de renda: fomentar a criação de restaurantes, cozinhas e hortas comunitárias geridos por cooperativas locais com unidade campo-cidade como medida emergencial de enfrentamento à fome e garantia de soberania alimentar e geração de renda. Fomentar a criação de programas de capacitação em escolas e institutos técnicos com cursos voltados para agricultura baseada em permacultura, em agroflorestas, a fim de empregar pessoas na produção de alimentos de forma limpa, ecológica e orgânica. Lutar pela garantia de renda mínima. Garantia da proteção social a partir do fortalecimento dos recursos e implementação da política de assistência social.

Lutar por política pública de habitação com fundo próprio e um observatório que monitore imóveis públicos e privados sem função social para disposição de moradias populares com controle social e participação de um conselho popular. 

Superação das violências contra as mulheres: implementar a Casa da Mulher Brasileira de atendimento à mulher em todas as cidades elegíveis, a fim de assegurar o acesso gratuito das mulheres ao serviço. Ampliar o serviço da Rede Catarina/Patrulhas Maria da Penha com a utilização de viaturas/equipes na realização de visitas residenciais periódicas às mulheres em situação de violência doméstica. Fornecer capacitação permanente sobre direitos humanos, diversidade de gênero e raça às equipes da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres. Assegurar acessibilidade nas delegacias especializadas, em relação a todas as especificidades (pessoas com deficiência, pessoas migrantes etc.).

Ações de caráter preventivo, no campo da educação, e criação de programas de responsabilização e reflexão para homens autuados por crimes de violência contra a mulher, com o objetivo de diminuir os níveis de reincidência e produzir masculinidades calcadas no respeito e na não-violência.

Criar espaços de referência para atendimento, acolhimento e reinserção no mercado de trabalho de mulheres egressas do sistema prisional e suas famílias.

Mudança climática: incentivar e garantir financiamento a centros de estudos em instituições públicas, para tecnologias e produção de energias renováveis. Revisar, cobrar e tornar público o debate sobre uma Transição Energética Justa de verdade, e sobre as leis 14.299/2022 (lei federal) e 18.330/2022 (lei da Política Estadual de Transição Energética Justa), incluindo a participação popular em todas as tomadas de decisão, através de assembleias, conselhos e demais espaços participativos. Garantir a atualização e implementação da Política Estadual sobre Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável de Santa Catarina (Lei Nº 14.829/2009), traçando metas e objetivos específicos para todas as regiões catarinenses, a fim de sistematizar ações concretas para adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas como as secas, chuvas intensas, inundações, ondas de calor, poluição do ar etc. Garantir subsídios para aplicação dos Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA) nos municípios catarinenses.

Incentivar e apoiar programas e políticas públicas de restauração e recuperação ecológica com espécies nativas, de proteção e conservação de espécies ameaçadas de extinção e fiscalização do tráfico de animais silvestres, de plantas e fungos ameaçados e/ou exóticos invasores.

Como você pretende atender as diferentes especificidades das mulheres, contemplando em seus projetos as mulheres negras, indígenas, lésbicas e mulheres trans?

A partir da ampla participação, do espaço de escuta e de atendimento das demandas. 

Na sua opinião, quais questões mais graves afetam as vidas da população LGBTQIA+? Quais suas propostas para enfrentá-las?

Questões mais graves perpassam pelo preconceito e o discurso reacionário de ódio que alimenta a falta de inclusão e a violência contra a população LGBTQIA+.  

Nossas propostas: assegurar o atendimento nas delegacias especializadas às pessoas trans*, sejam elas denúncias presenciais ou virtuais.

Exigir a implementação de políticas públicas que contemplem o combate ao racismo, à lesbo-bi-transfobia, ao capacitismo, ao etarismo e à xenofobia.

Garantir que as mulheres transexuais e travestis possam escolher cumprir pena em unidades prisionais femininas, enquanto houver prisão. Garantir a retificação de registro civil a pessoas transvestigêneres de maneira gratuita. Garantia que a terapia hormonal a pessoas transvestigêneres tenha financiamento integral pelo SUS, bem como o acompanhamento seja feito pelo Ambulatório Trans para todo o estado, nos centros de saúde vinculados e financiados pelo SUS. Garantir atendimento de travestis e mulheres trans vítimas de violência, inclusive doméstica, em todas as políticas de proteção à mulher. Criação e ampliação dos programas de enfrentamento à LGBTQIAP+fobia. Ampliar e fortalecer os conselhos de enfrentamento à LGBTQIAP+fobia. Fortalecer projetos sociais sobre educação e profissionalização da população LGBTQIAP+, com foco nas pessoas transvestigêneres.

E sobre as desigualdades raciais, quais suas propostas para superá-las?

Descriminalizar as drogas, consequentemente acabando com o encarceramento em massa e o extermínio da população negra. Avançar na demarcação das terras quilombolas. Fomentar e fortalecer a criação de delegacias racialmente referenciadas, com suporte a casos de enfrentamento ao racismo no estado. Fomentar e fortalecer formação aos profissionais federais e de segurança pública sobre o racismo estrutural, visando extinguir as abordagens racistas. Fomentar a criação de cursos pré-vestibulares para pessoas negras e de baixa renda, bem como fortalecer os já existentes. Fortalecer vínculos com os movimentos negros existentes no estado. Garantia da vida e da integridade de pessoas negras (pretas e pardas) nas abordagens policiais.

Fortalecer e fomentar a ampliação das ações afirmativas raciais e indígenas dentro dos espaços, inclusive nos concursos públicos federais, a fim de promover a equidade racial na sociedade catarinense.

Fortalecer vínculos com as instituições que lidam com pessoas em situação de rua. Ampliar os programas políticos já existentes de combate ao racismo às pessoas negras e indígenas. Lutar por garantir o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, como um feriado nacional. Garantia e promoção da Lei 10.639 dentro dos espaços de formação educacional. Instituir, ampliar e/ou fortalecer os conselhos de enfrentamento ao racismo. Promover, ampliar e/ou fortalecer os conselhos de saúde à população negra do estado de Santa Catarina. Promover espaços de lazer, cultura e fortalecimento da cultura negra do estado. Cobrar o cumprimento da Lei Federal nº 11.645/2008, que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Garantia do direito à creche às mães trabalhadoras.

Enquanto uma candidata feminista, como pretende atuar de forma a enfrentar os discursos reacionários que não admitem que as mulheres tenham autonomia plena sobre seus corpos, que acreditam na existência de uma “ideologia de gênero” e comprometem a implementação de políticas públicas, principalmente na área da educação, voltadas à equidade de gênero?
Sim!

A sua plataforma política prevê o incentivo à participação da sociedade na discussão e elaboração de políticas públicas? De que forma?

Sim! somos uma mandata feminista coletiva que pretende promover ampla participação popular a partir de assembleias e plenárias populares temáticas e territoriais! Compartilhar e socializar informações e pautar as agendas e debates públicos!

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

Últimas