A Chica que Escreve desta semana é Lorena Kaz, cartunista e ilustradora. Em “Morrer de Amor e Continuar Vivendo”, uma HQ sobre relações abusivas, a designer carioca traz reflexões profundas sobre sentimentos e dependência emocional em 64 histórias em quadrinhos, algumas inéditas. São elaborações de suas experiências pessoais sobre relacionamentos e histórias relatadas no grupo Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA), do qual fez parte. Desdobramento do Projeto Morrer de Amor – Apoio Emocional, a obra a levou a ser a primeira autora e ilustradora de quadrinhos indicada ao Prêmio Jabuti na categoria quadrinhos, em 2018.
“O livro é o resultado de muitos anos de sofrimento com a dependência emocional. Comecei a escrever histórias autobiográficas sobre relacionamentos com 18 anos, mas apenas aos 29 entendi que a culpa dos meus muitos relacionamentos fracassados era minha. Era da minha forma de ver o mundo, da minha criação doente, da forma que aprendi a ser. Até então eu culpava os namorados e achava que eram eles que deveriam mudar”, afirma em entrevista aos Chicas que Escrevem.
“O Morrer de amor é um livro que mostra de uma forma poética, a quem sofre, que você não está sozinho. É um livro dramático que mostra que outras pessoas também sofrem, acredito que é de alguma forma acolhedor e instigante”, acrescenta.
Você poderia começar se apresentando para o público? Quem é a Lorena Kaz?
Olá, sou autora e ilustradora de livros sobre educação emocional! Esta pelo menos é a apresentação que eu mais gosto. Faço principalmente livros infantis e histórias em quadrinhos. Sou viciada em terapias, autodesenvolvimento e sou cantora frustrada. Já morei em 7 países, então acho que não preciso dizer que sou inquieta, curiosa e amo viajar! E mais do que tudo, amo crescer, mudar e recomeçar.
Bom, agora vamos falar sobre sua trajetória como cartunista e ilustradora. Por que começou a desenhar e ilustrar? E mais, por que continuar ilustrando?
Comecei a desenhar quadrinhos e ilustrar profissionalmente com 18 anos, quando entrei na faculdade. A maior parte da minha família, por parte de mãe e pai trabalha com arte e cultura, são designers, editores, ilustradores, cartunistas, pintores. Meus avós, meus tios, meus pais… Estive muito balançada entre estudar psicologia ou arte mas acabei indo pelo caminho mais óbvio, digamos.
Por que continuo ilustrando? Bem, acredito que seja porque não consigo parar. Não posso, não consigo…. Tenho ideias e inquietudes que preciso expressar e não sei fazer de outra forma. São ideias que acredito que precisam estar no mundo e se eu não fizer, tenho medo que ninguém faça. Muitas vezes penso em parar de desenhar para seguir uma carreira mais estável e de melhor retorno financeiro, por exemplo como programação, mas simplesmente não consigo parar enquanto não realizar meus projetos pendentes, mas eles são muitos e sempre invento mais.
Agora, enquanto leitora. Quais foram suas influências? Poderia nos contar um livro que te marcou? Qual foi sua última leitura?
Como disse, sou viciada em autodesenvolvimento. Ouço audiolivros enquanto faço o trabalho braçal de pintar meus quadrinhos, por exemplo. Olhando a lista do youtube, o último livro que ouvi foi “The art of communicating” de Thich Nhat Hanh, mas um dos últimos que ouvi e lembro que gostei foi “O cavaleiro preso na armadura” de Robert Fisher.
Sobre influências na área de quadrinhos, o primeiro livro de quadrinhos que ganhei quando era muito nova e se chamava Goomer, um livro Espanhol baseado em quadrinhos de Ricardo & Nacho e eu amava. Meu pai morava na Espanha e eu gostava de ver os quadrinhos de Mortadelo y filemon e da revista MAD (nesta época eu ainda nem sabia ler). Comecei a ler turma da Mônica, Mafalda, Charlie Brown…como a maioria das crianças Brasileiras, mas a primeira vez que eu pensei que queria fazer quadrinhos foi quando conheci o quadrinho “Kika”, do Airon, que eram lançados na revista “Querida” e eu tinha algo como 10, 11 anos. Os desenhos eram lindos e o meu sonho era desenhar assim. Com uns 13 anos eu conheci os livros da Maitena e isso me deu forças para acreditar que podia fazer meus quadrinhos porque ela falava da vida da mulher e era isso disso que eu queria falar! Além de que, foi provavelmente a primeira autora, mulher, que eu gostei (ou talvez que li). Tem muitos autores que gosto mas o Liniers/Macanudo talvez seja um dos mais queridos.
Em matéria de livros autoajuda, quando eu tinha 18 anos, entrei na livraria da minha faculdade e encontrei um livro chamado “Estou ótima”, que era ilustrado e falava como aguentar os primeiros 100 dias depois de um término. Era um mega best seller nos EUA e o abri muito animada mas era uma encheção de linguiça, não tinha nenhum conteúdo. O livro não dizia nada e os desenhos eram horrorosos… E era um best-seller. Pensei então, que um dia eu poderia fazer um livro sobre como sobreviver a um relacionamento, mas que ajudasse as pessoas de verdade e não fosse tão feio.
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Em 2018 você publicou pela Editora SESI-SP o livro “Meio Inteiro”. Poderia nos contar um pouco sobre essa obra?
Um dia fui ao lançamento de um livro ilustrado pelo Odilon Moraes em uma livraria, o livro se chamava “Lá e aqui” e fala sobre separação dos pais. Este livro era a coisa mais linda e singela e eu pensei que queria muito ilustrar um livro tão lindo assim para meu enteado (na época), um livro que falasse sobre o sentimento da criança, filho de pais separados, mas sob um ponto de vista da madrasta apaixonada. Eu amo muito meu (hoje ex-) enteado e queria escrever um livro que mostrasse que uma criança pode encontrar muito amor nas famílias formadas pelos pais separados, contrariando o lugar-comum da madrasta má. Este é o meu livro preferido e acredito que seja mais para adultos do que um livro infantil.
Em 2017 você lançou “Morrer de amor e continuar vivendo” pela Editora Instante. O que poderia nos contar sobre as 64 histórias em quadrinhos que estão presentes no livro?
Este livro é o resultado de muitos anos de sofrimento com a dependência emocional. Comecei a escrever histórias autobiográficas sobre relacionamentos com 18 anos, mas apenas aos 29 entendi que a culpa dos meus muitos relacionamentos fracassados era minha. Era da minha forma de ver o mundo, da minha criação doente, da forma que aprendi a ser. Até então eu culpava os namorados e achava que eram eles que deveriam mudar. Depois que entendi o tamanho da minha responsabilidade na minha vida, comecei a mudar e quis ajudar outras mulheres. Comecei explicando o que era dependência emocional, o que era abuso psicológico (quando iniciei o projeto “Morrer de amor e continuar vivendo” em 2013, não se achava informação sobre isso como hoje) e que é possível mudar. Fiz exposições com meus quadrinhos dos temas relacionamentos e cotidiano feminino, criei a página no facebook que foi extremamente bem-sucedida, dei palestras, workshops e lancei o livro. O livro traz histórias sobre a minha vida, de amigas e de mulheres que conheci no grupo MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas) contadas de uma forma onírico e subjetiva. Com este livro fui a primeira autora e ilustradora de quadrinhos indicada ao Prêmio Jabuti na categoria quadrinhos em 2018 e tenho muito orgulho dele!
Agora, falando de futuro, você está trabalhando em algum projeto atualmente? Se sim, poderia nos contar um pouco sobre ele?
As pessoas muitas vezes acham que o livro “Morrer de amor” é um livro que explica como sair da dependência emocional, mas não é. O Morrer de amor é um livro que mostra de uma forma poética, a quem sofre, que você não está sozinho. É um livro dramático que mostra que outras pessoas também sofrem, acredito que é de alguma forma acolhedor e instigante.
Já o meu novo livro, que ainda não revelei o nome, pode ser chamado de o resultado dos meus últimos 9 anos de estudo sobre relacionamentos e explica de uma forma quase didática, como é formada a autoestima da mulher nesta sociedade machista, que estimula relacionamentos disfuncionais e como aprender a aceitar-se mais para ter condições de criar um relacionamento saudável.
Este livro é o tal que imaginei aos 18 anos de idade e demorou 20 anos para se tornar realidade, um livro ilustrado, bem-humorado e fácil de ler e entender mas que pode realmente ajudar uma pessoa a seguir em frente, ou pelo menos é isso o que espero!
Em geral como foram suas experiências de publicação? O que mais te marcou no processo?
Publicar no Brasil é difícil (bom, pensando nos países que morei, é difícil em qualquer lugar do mundo), são muitos autores, muitas obras, muitas editoras e cada vez menos leitores (este último no caso Brasil). Pelo que conheço, a forma de ganhar dinheiro com livros é ilustrar didáticos em boas editoras, lançar livros infantis com potencial de compra pelo governo ou ficar famoso por conta própria, nas suas redes sociais, criando seu próprio público e vender por conta própria (bom, esta é sem dúvida a melhor forma para quem quer ganhar dinheiro ou fazer seu nome).
Aprendi na prática que ter uma editora grande ou poderosa não vai vender seu livro, não adianta contar com a editora para promover seu nome, por mais que te prometam assessoria de imprensa e promoção, provavelmente não vai rolar e você vai sumir no catálogo deles. Pode valer a pena pegar uma editora pequena, onde você terá acesso mais fácil ao editor e maior liberdade para criarem estratégias juntos e haverá uma preocupação pessoal do editor com a sua obra.
Seja como for, ter uma editora não é resposta e nem caminho para nada. Cada vez mais as auto-publicações parecem a melhor solução.
Por fim, há algo que você gostaria de dizer para outras mulheres que escrevem e ilustram? Algum conselho, ou, alguma mensagem final?
O trabalho de um autor, especialmente o de quadrinhos (por ser um processo que demanda muita concentração, dedicação e tempo) ou para os que idealizam e realizam seus próprios projetos, requer muita autodisciplina, automotivação e autoestima. Depois de muitos meses gastos debruçado em cima de folhas de papel ou na frente de uma tela, sem retorno financeiro, deixando de sair, de conhecer gente, abrindo mão de tempo com quem você ama, para estar horas a fio, sozinho, escrevendo as maluquices da sua cabeça, você começa a se perguntar… Será que isso vale a pena? Será que isso está bom? Será original o suficiente? Será que eu estou louco?
Enfim, talvez você seja louco, sim, como a maioria das pessoas…. Mas se você não tirar as suas maluquices da sua cabeça e passar para o papel, ninguém fará por você e elas não vão existir no mundo. Acredito que estamos aqui para isso, para passar a nossa própria maluquice para o mundo.
Tudo já foi dito, tudo já foi feito, mas só você pode dizer as mesmas coisas da sua maneira própria e algumas pessoas vão se identificar mais com a sua forma do que com a de outras pessoas. Então, não desista. Continue o seu trabalho para estas pessoas e para si mesmo.
Por favor, indique um livro para os leitores e também um filme ou série.
Para quem gosta de livro infantil, indico os livros da editora Planeta Tangerina, que sou apaixonada. Não conheço apenas um livro ou um filme tão significativo que me faça querer indicar, mas procurem contos zen. Não conheço nenhum livro específico maravilhoso de contos, sempre procurei pela internet. Também assistam os vídeos da Lucia Helena Galvão (e se puderem, frequentem a Nova Acrópole).