O garoto de 22 anos passou uma semana internado em hospital na capital catarinense após ser torturado de forma bárbara por três homens na última segunda-feira (31). Um ato contra a homofobia está marcado para o dia 12, no centro da cidade.

O jovem de 22 anos, vítima de estupro coletivo em Florianópolis na última segunda-feira (31), recebeu alta do hospital onde ficou internado durante uma semana e está fazendo acompanhamento psicológico. A informação é da presidenta da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da OAB SC, Margareth Hernandes. O caso está sendo investigado sob sigilo pela polícia civil.

Apesar da polícia não passar nenhum tipo de informação sobre o caso, o que já se sabe é que o delegado está tratando o caso como crime de homofobia e está analisando câmeras de segurança da região para auxiliar na investigação. Hernandes esteve com o delegado da 5ª DP responsável pelo caso, Verdi Furlanetto, nesta segunda-feira (7). “A boa notícia é que o menino está bem e em casa, tendo acompanhamento psicológico, o processo está correndo sob sigilo tendo em vista a apuração dos fatos através de perícia e apuração sobre os autores”, afirma a presidenta.

As informações preliminares sobre a sessão de tortura a que o jovem foi submetido são aterrorizantes. Além de ser agredido e ter objetos cortantes inseridos no ânus, o jovem foi obrigado a se “tatuar” com palavras homofóbicas usando cacos de vidro. Ao fim das agressões, a vítima foi deixada na rua à própria sorte e encaminhada em seguida ao hospital em estado grave. De acordo com o relato do jovem, três homens teriam sido os responsáveis pela violência.

“Esse episódio macabro é uma prova de que o estupro corretivo é uma prática muito comum contra a população LGBTQIA+. Lésbicas, gays e pessoas trans sofrem estupros porque as pessoas acreditam que tem que corrigir essa orientação e isso se faz de uma forma muito violenta”, enfatiza Mariana Mescolotto, coordenadora jurídica da Acontece Arte e Política LGBTI+, uma associação em defesa e pela cidadania plena de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais em Florianópolis. 

Desta forma, a coordenadora chama atenção para o cuidado que movimentos sociais e mídias devem ter neste caso para não causar mais transtornos à vítima. “A gente não sabe se esse jovem que foi primeiramente identificado como gay, se ele é um homem ou uma pessoa trans, se ele é um homossexual assumido e se ele quer ou não falar dessa violência, ás vezes a mídia, os movimentos e as lideranças podem estar pressionando ele de tal forma que não esteja preparado para falar sobre isso e nem de publicizar sua sexualidade e identidade de gênero”, ressalta. 

Florianópolis e a violência lgbtfóbica

O combate à lgbtfobia é urgente e para isso se faz necessária a criação de políticas públicas que fortaleçam ações estratégicas direcionadas à sociedade. Em 2019, o Plano Municipal de Direitos Humanos para a população LGBT foi aprovado em Florianópolis, mas nunca executado. A consequência desse abandono é a posição vergonhosa que Florianópolis ocupa em relação às mortes violentas de pessoas LGBTQIA+ no Brasil, sétimo lugar em relação a todos os municípios do país. Os dados são do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ de 2020. A mesma capital também concentra 80% dos assassinatos de pessoas LGBTQIA+ no estado.

“A cultura do estupro se revela bastante assustadora tanto que o estado é um dos lideres de registro de ocorrências de estupros e tentativas de estupros no Brasil”, afirma Mescolotto. 

Ainda de acordo com o relatório houve uma redução de 28% nas mortes violentas de LGBTI+ no Brasil em 2020, se comparado com 2019: de 329 para 237. Conforme explica o professor Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, a diminuição de mortes violentas de LGBTI+, que parece paradoxal em um contexto de ódio institucionalizado pelo presidente da República e fomentado por seus apoiadores, é explicada por uma estratégia de sobrevivência desses grupos. “[…] o persistente discurso homofóbico do Presidente da República e, sobretudo, as mensagens aterrorizantes dos ‘bolsominions’ nas redes sociais no dia a dia, levou o segmento LGBTI+ a se acautelar mais, evitando situações de risco de ser a próxima vítima, exatamente como ocorreu quando da epidemia da Aids e a adoção de sexo seguro por parte dessa mesma população”, aponta Mott.  

Outro fator que impede uma visão realista do problema é a subnotificação dos crimes lgbtfóbicos. Há uma certa resistência por parte da polícia e da justiça em caracterizar e registrar de forma correta o crime contra pessoas LGBTI+, mesmo depois do STF reconhecer os crimes de LGBTfobia e homofobia em 2019. “Temos que fazer com que os dados sobre a violência contra essa população sejam evidenciados nos boletins de ocorrência e divulgados periodicamente e sirvam de base para que o Estado promova o combate dessas violências, se responsabilize por elas e combata também outras formas de violência no cotidiano dessa população”, diz Mescolotto. 

A Polícia Civil de Santa Catarina informou que adotou todas as providências legais e não se manifestará a respeito em razão do sigilo. O que se espera deste caso é que os agressores sejam identificados e punidos por este ato violento e cruel típico de quem está acostumado a viver em uma cidade conhecida por abafar casos de estupros, assédios sexuais e morais.

Crime de ódio ao quadrado

O caso repercutiu em todo Brasil e nas redes sociais. A presidenta da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da OAB SC, Margareth Hernandes, foi alvo de ataques após criticar o estupro coletivo em suas redes. De acordo com ela, a postagem foi parar em um site de extrema direita. A partir daí passou a receber ameaças de morte.

Margareth Hernandes é alvo de ataques de ódio ao comentar caso de estupro coletivo em Florianópolis. (Foto: Divulgação)

Conversamos com Hernandes que afirmou que vai tomar as providências cabíveis para identificar os autores das ameaças. “Vou registrar o boletim de ocorrência e judicializar o caso em desfavor dos autores”, afirma.

Ato contra homofobia

Um ato pelo fim dos crimes de homofobia em Florianópolis está marcado para o dia 12 de junho. O protesto organizado pela ONG Mães pela Diversidade será no Largo da Alfândega, no centro da cidade às 14h.

Arte: divulgação / Mães Pela Diversidade

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