Relatório anual feito pelo Grupo Gay da Bahia aponta diminuição de 28% nas mortes de LGBTI+ no Brasil. No entanto, o país continua sendo o que mais mata pessoas desse grupo no mundo.  

O “Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil – 2020”, relatório feito há 41 anos pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) em alusão ao Dia Internacional contra a LGBTfobia (17/05) foi divulgado na quinta-feira (13) e analisou as 237 mortes violentas de LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) registradas em 2020 no Brasil, vítimas da homotransfobia, sendo 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). O relatório é a única pesquisa nacional que inclui todos os segmentos dessa comunidade. A partir deste ano, o GGB conta com a coautoria do grupo Acontece Arte e Política LGBTI+ de Florianópolis.

Diferentemente do que se repete desde que a pesquisa foi iniciada, em 1980, pela primeira vez, as travestis e mulheres trans ultrapassaram os gays em número de mortes:  161 travestis e mulheres trans (70%), 51 gays (22%) 10 lésbicas (5%), 3 homens trans (1%), 3 bissexuais (1%) e finalmente 2 heterossexuais confundidos com gays (0,4%).

 Além disso, ao comparar com anos anteriores, é possível observar em 2020 uma redução de 28% nas mortes violentas de LGBTI+, se comparado com 2019: de 329 para 237. O ano recorde foi 2017, com 445 mortes, seguido em 2018 com 420, baixando para 329 mortes em 2019 e agora 237 em 2020.

Não é a primeira vez que nessa série histórica há redução do número de mortes de um ano para outro, sem previsão nem explicação sociológica indiscutíveis. Por exemplo, em 1991 registrou-se uma queda de 153 para 83 em relação ao ano anterior (45%), oscilação sem nenhuma causa detectável.  

Essa tendência de redução de mortes violentas foi observada em 2019 na população brasileira em geral, assim como entre transexuais e homossexuais. Porém, segundo índice nacional de homicídios criado pelo G1, o Brasil teve uma alta de 5% nos assassinatos em 2020 na comparação com 2019, após dois anos consecutivos de queda. Além disso, de 2019 para 2020, houve um aumento de 41% de mortes entre travestis e mulheres trans, segundo o “Dossiê dos assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020”, feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra).

Conforme explica o professor Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, a diminuição de mortes violentas de LGBTI+, que parece paradoxal em um contexto de ódio institucionalizado pelo presidente da República e fomentado por seus apoiadores, é explicada por uma estratégia de sobrevivência desses grupos. “[…] o persistente discurso homofóbico do Presidente da República e, sobretudo, as mensagens aterrorizantes dos ‘bolsominions’ nas redes sociais no dia a dia, levou o segmento LGBTI+ a se acautelar mais, evitando situações de risco de ser a próxima vítima, exatamente como ocorreu quando da epidemia da Aids e a adoção de sexo seguro por parte dessa mesma população”, aponta Mott. 

Comportamento preventivo observado igualmente agora face à pandemia do Coronavírus, em que sobretudo os gays vem desenvolvendo novas e específicas estratégias de sobrevivência.  

De acordo com Alexandre Bogas Fraga Gastaldi, Especialista em Gênero e Diversidade na Escola (UFSC) e diretor executivo da Acontece Arte e Política LGBTI+, é necessário olhar para a pesquisa como um instrumento que visa denunciar a violência contra a nossa população e, “infelizmente, nosso país figura como um dos lugares mais violentos do mundo para ser LGBTI+”.

Brasil é o país que mais mata LGBTI+ no mundo

A cada 36 horas um LGBTI+ brasileiro é vítima de homicídio ou suicídio. Esse dado confirma o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais, informação corroborada e ainda mais agravada pelos estudos do próprio Ministério dos Direitos Humanos: em relatório engavetado pelo atual Governo Federal, concluiu-se que em nosso país, entre 1963-2018, a cada 16 horas um LGBT foi assassinado.

Segundo agências internacionais de direitos humanos, mata-se mais homossexuais e transexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África onde persiste a pena de morte contra tal segmento. Mais da metade dos LGBTI+ assassinados no mundo ocorrem no Brasil.

Apesar dessa redução da violência letal observada nos dois últimos anos, devemos pontuar que tais mortes cresceram incontrolavelmente nas duas últimas décadas: de 130 homicídios em média em 2000, saltou para 260 em 2010, subindo para 357 nos últimos quatro anos. Durante os governos de FHC mataram-se em média 127 LGBT por ano; na presidência de Lula 163 e no governo Dilma 296, sendo que nos dois anos e 4 meses de Temer, foram documentadas uma média de 407 mortes anuais, caindo para 283 a média nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. 

Espacialização das mortes de LGBTI+ no Brasil em 2020 por município/Elaboração: Wilians Ventura F. Souza; Kayque Virgens C. da Silva.

Pessoas trans tem mais chances de serem assassinadas

Em termos relativos, os relatórios insistiam que as pessoas trans representam a categoria sexológica mais vulnerável a mortes violentas. Esse total de 161 mortes, se referidas a 1 milhão de travestis e transexuais que se estima existir no Brasil, sinalizam que o risco de uma pessoa trans ser assassinada é aproximadamente 17 vezes maior do que um gay. Segundo contextualizam no relatório, a inclusão dos dados de identidade de gênero e orientação sexual no Censo é uma demanda dos movimentos sociais por direitos LGBTI+. Estima-se, com base em indicadores diversos produzidos pela Academia, instâncias governamentais e pelo movimento LGBTI+, que existam no Brasil por volta de 21 milhões de gays (10% da população), 12 milhões de lésbicas (6%) e 1 milhão de trans (0,05%).

Quem eram as 237 vítimas

Quanto à idade, cinco eram menores de 18 anos. A mais jovem, uma travesti de 15 anos, moradora em Fortaleza, na Granja Lisboa, foi encontrada agonizando num terreno baldio após levar diversos tiros. 33% das vítimas tinham entre 15-30 anos e 8% com mais de 46 anos. O mais idoso, com 80 anos, um gay branco morador de Recife, cego e abandonado pela família, cometeu suicídio jogando-se do quarto andar de seu prédio. 8,2% dos LGBT+ mortos tinham mais de 46 anos.

O quesito cor é a variável bastante descuidada nas matérias jornalísticas, sendo desconhecida para 43% das vítimas. Encontramos 74 pardos e pretos (54%) e 62 brancos (46%), refletindo aproximadamente a mesma tendência demográfica do conjunto da população nacional.    

Confirma-se a mesma tendência notada ao longo dessas quatro décadas de pesquisa: os LGBTI+ mortos pertenciam a praticamente todos os estratos sociais, predominando 44,6% de profissionais do sexo, 10,6% cabeleireiros/as, 8,7% de professores/as. Constam ainda entre os morto LGBT+:  empresário, estudante, mãe de santo, maquiador, pizzaiolo, representante comercial, advogado, agente de trânsito, agente socioeducativo, aposentado, arquiteto, atriz, dançarino, designer, digital influencer, empregada doméstica, fisioterapeuta, guarda municipal, médico, modelo, auxiliar de serviços gerais, bancário, oficial de justiça, pai de santo, pedreiro, terapeuta holística, vigilante, voluntário.

Causas das mortes

Em relação à tipologia das mortes violentas de LGBTI+ ocorridas em 2020, foram registrados 215 homicídios (90,7%), seguido de 13 suicídios (5,4%) e 9 latrocínios (3,7%). Quanto à causa da morte, repete-se a mesma tendência observada regularmente nessas quatro décadas de pesquisa: predomínio de mortes violentas com arma de fogo (42,3%), seguido de armas brancas (23%) e espancamento (9,1%). Registrou-se também uma dezena de diferentes modus operandi nesses crimes homotransfóbicos, muitos dos quais sendo precedidos por tortura e mais crueldades frequentes nos crimes de ódio: estrangulamento, pauladas, atropelamento, queima do corpo e descarga elétrica.

Local dos crimes

Sobre o local dessas mortes, confirma-se a mesma tendência observada desde o início da pesquisa: gays e lésbicas são assassinados dentro de suas residências com objetos domésticos (fios elétricos, almofadas, facas de cozinha) enquanto travestis e transexuais, notadamente as profissionais do sexo, são atingidas por disparos de revólver na pista: 60,8% de tais sinistros ocorreram em espaços públicos (praças, ruas, vias, vielas, terrenos abandonados), seguido da residência da vítima com 23,5% e, por fim, 15,6% em espaços privados (motéis, casas e comércios de terceiros). 3\4 destes homicídios homotransfóbicos ocorreram à noite, evidenciando práticas típicas de minorias sexuais urbanas que, devido ao estigma, encontram na noite a melhor ocasião para encontros íntimos, via de regra clandestinos ou para a prática do lazer na chamada “cena lgbt.” 17% das mortes ocorreram no período matutino e 10% a tarde.

A violência materializada contra corpos de LGBTI+ é, principalmente, uma violência de gênero, atingindo diferenciadamente e a partir de múltiplas intensidades alguns segmentos, sobretudo, travestis e mulheres trans vitimadas em diferentes contextos e realidades socioespaciais. Das 113 travestis assassinadas, 72 (63%) foram executadas em espaços públicos, sobretudo, em ruas e vias, evidenciando um contexto marcado pela “prostituição de pista”: 90% das “meninas da noite” ainda vivem desse trabalho.  

Informações sobre suicídios

Suicídios de LGBT+ são de dificílima localização nos registros policiais e nas mídias sociais, pois sua subnotificação é ainda superior aos homicídios, sendo agravada por três estigmas: Homossexualidade + gênero diverso + morte intencional. Pesquisas internacionais apontam que o índice de suicídios entre jovens LGBT+ é cinco vezes superior ao de heterossexuais (Suicídios jovens LGBT, 2019). Em 2020 localizamos 13 suicidas, sendo 7 travestis e mulheres trans, 3 homens trans, 2 gays 1 sem identificação de gênero.  

Distribuição das mortes por estado e cidade

Deslocando a análise do perfil das vítimas para sua distribuição espacial, em termos absolutos, o Nordeste ocupa o primeiro lugar em número de mortes com 113 casos, seguido do Sudeste com 66, Norte e Sul com 20 mortes cada e o Centro Oeste com 18 mortes.  

Em termos relativos, isto é, número de mortes por um milhão de habitantes, a média nacional foi 1,28 mortes. O maior índice de violência foi registrado na Região Nordeste, 2,12; Centro-Oeste, 1,28; Norte, 1,26; Sudeste, 0,82 e Sul, 0,78. Nos últimos anos, Nordeste e Norte se revezam nessa sangrenta precedência. O risco de um LGBT+ ser assassinado no Nordeste é quase três vezes maior do que no Sul.

Fortaleza, inexplicavelmente, foi a capital mais homotransfóbica no ano passado: 20 LGBT+ mortos, o dobro de São Paulo (10), que é cinco vezes mais populosa. Os índices de criminalidade em Natal são igualmente preocupantes, pois teve o mesmo número de mortes de Salvador (5) que possui dois milhões a mais de habitantes. Pior ainda é a situação de alguns municípios interioranos que tiveram a mesma incidência de crimes letais de outras sete capitais mais populosas: em Alagoas, Rio Largo e São José da Laje e em São Paulo, São Bernardo do Campo.   Alagoas desponta como o estado mais violento do Nordeste e do Brasil, acumulando 4,8 mortes para cada um milhão de habitantes, seguido por Roraima no Norte, com 4,4; no Centro Oeste, Mato Grosso, com 1,97; Minas Gerais no Sudeste, com 0,96 e no Sul, o líder dos assassinatos foi Santa Catarina com 0,8 mortes. O risco de uma LGBT+ ser assassinada em Alagoas é 6 vezes maior do que em Santa Catarina. 

*Laura é estudante do sétimo período de Jornalismo da Univali e faz estágio no Portal Catarinas, sob supervisão da jornalista Paula Guimarães.

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