“Que coincidência: sem a polícia não tem violência”, cantaram os/as milhares de vozes no Ato Fora Temer, na noite de ontem, enquanto seguiam pacificamente da Beira-Mar, principal avenida de Florianópolis, em direção ao Terminal de Integração do Centro (Ticen). Diferente do último ato, desta vez a PM não armou cenário de guerra e tampouco houve destruição de lixeiras por parte dos manifestantes. O movimento tomou corpo e coloca a capital catarinense no centro da resistência contra o golpe. Cerca de 20 mil pessoas – pelo menos o dobro da quantidade do ato anterior – participaram deste que foi o terceiro protesto depois da posse efetiva de Michel Temer na presidência do Brasil. Dois manifestantes foram detidos por pichação e posse de material explosivo.
A tensão só ocorreu no encontro com a Polícia Militar de Santa Catarina que aguardava os/as manifestantes próximo ao elevado das pontes. Em ato simbólico contra a violência empregada pela PM na última manifestação, participantes ergueram flores em direção à tropa.
Depois de intensa negociação, a grande maioria dos/as manifestantes resolveu ceder e cumprir o trajeto combinado. Uma pequena parte, no entanto, continuou no mesmo local tentando seguir para as pontes. Depois da tentativa sem sucesso, também acompanharam o grupo em direção ao Ticen.
A manifestação ocupou os dois sentidos da avenida Paulo Fontes, em frente ao Ticen. Como é costume nos protestos, parte dos/as manifestantes entrou no terminal sem passar pelas catracas.
A passeata se dispersou em frente ao Ticen, enquanto um grupo seguiu pelas plataformas do terminal, o outro continuou na avenida. Poucos minutos depois, o ato teve fim.
Setembrada
As flores não venceram a repressão. Dois manifestantes foram levados à Central de Polícia da Capital, na Trindade, um deles assinou um Termo Circunstanciado por pichação e o outro ficou detido em flagrante por posse de artefato explosivo. De acordo com a advogada Daniela Felix do Coletivo Catarina de Advocacia Popular, que passou a madrugada na delegacia, o manifestante já foi liberado. “Deferiram o relaxamento da prisão em face da ilegalidade da prisão em flagrante”, informou ela.
A advogada considerou a prisão arbitrária e acredita que a medida se soma a outras de autoridades policiais de Santa Catarina, só presentes em Estados de Exceção. “Assim que possível iremos nos manifestar sobre o contexto de perseguições políticas, bem como as prisões típicas de Estado de Exceção. Afirmamos de antemão que esse foi o 1º preso político da nossa Setembrada”, disse ela em alusão à Novembrada, movimento histórico que marcou a capital catarinense na luta contra a ditadura em 1979.
Tensão negociada
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Duas medidas foram determinantes para que não houvesse bloqueio da PM e, consequentemente, forte repressão e confronto como na noite de sexta-feira (2). O trajeto da manifestação “da classe trabalhadora e juventude”, assim como o horário de início e fim, já haviam sido comunicados em documento, pela Frente Brasil Juristas pela Democracia ao Comando Geral da PM. “Após o ato público será realizada uma passeata pelas principais ruas da cidade, inclusive pela própria avenida supramencionada”, diz parte do comunicado. No mesmo dia, a Defensoria Pública também havia obtido uma decisão do juiz da 2ª Vara Criminal da Capital, que impedia que a PM bloqueasse a marcha.
Único bloqueio ocorreu na cabeceira da ponte/ Foto: Cristina Gallo
Manifestantes prestam depoimento
Seis integrantes de organizações que integram o ato Fora Temer, em Florianópolis, prestaram depoimento, na tarde de ontem, na Central de Plantão Policial do Norte da Ilha, no bairro Ingleses. Em comunicado, a Frente Fora Temer informou que a intimação é uma maneira de impedir a mobilização para o ato. Acrescenta-se a esse cenário o pedido de esclarecimento feito à OAB/SC pelo Comando Geral da Polícia Militar de Santa Catarina sobre a posição emitida pelo órgão horas antes do segundo ato.
No segundo ato, marcado por forte repressão policial, lixeiras foram destruídas e muros e prédios pichados. Num primeiro momento, Sandro Sell, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC, não acredita que as intimações tenham caráter intimidatório. “Houve danos ao patrimônio público na última manifestação, resta saber se há indícios suficientes para as intimações”, afirma. Ele assegura que o órgão continua acompanhando com regularidade as manifestações.
OAB é convidada a prestar esclarecimentos
A própria OAB/SC recebeu um pedido de esclarecimento pela PM a respeito do posicionamento da Comissão de Direitos Humanos, divulgado horas antes do último ato, na sexta-feira. Na nota, a comissão diz que as manifestações populares são parte da democracia e “um povo que não pode se manifestar sobre o destino político do seu país ou que é recepcionado por operações de guerra por parte da polícia vive num Estado de exceção”.
Sandro afirma que a nota é objetiva e “clara” e não há mais o que explicar sobre o assunto. A manifestação do órgão, no entanto, só deverá ocorrer com o retorno do presidente da OAB, que está em viagem. “Num regime democrático de direito, uma autoridade militar não tem autoridade civil para fazer esse tipo de pedido. O interesse é deslegitimar a atuação da comissão para ver se nos intimidamos. Trata-se de um procedimento estranho, já que a OAB é um órgão civil não subordinado, ainda mais por suas opiniões, a um coronel. Devendo satisfações apenas ao judiciário e demais órgãos de controle civil”, pontua o presidente da comissão.