Atenção: o artigo contém spoilers!
“O homem mais perigoso é aquele que deseja ser Papa”
Conclave, 2025.
Conclave é um filme de drama religioso que remonta a um dos ritos mais importantes da Igreja Católica: a sucessão papal em decorrência da morte ou renúncia. Após a morte controversa de um Papa, o cardeal-decano britânico Thomas Lawrence, interpretado pelo ator Ralph Fiennes, reúne o Colégio de Cardeais para inaugurar o retiro sagrado do Conclave. Sediado na icônica Capela Sistina, inicia-se o sistema eleitoral por meio da votação entre os cardeais-eleitores para saber quem será o próximo sucessor de Pedro.
A obra já recebeu oito indicações ao Oscar 2025 — incluindo Melhor Filme, Melhor Ator (Ralph Fiennes), Melhor Atriz Coadjuvante (Isabella Rossellini), Roteiro Adaptado, Edição, Design de Produção, Figurino e Música Original.
O enredo é carregado de tensões ideológicas entre os quatro cardeais que se dividem entre conservadores e reacionários: Aldo Bellini (cardeal dos Estados Unidos), Joshua Adeyemi (cardeal da Nigéria), Joseph Tremblay (cardeal do Canadá) e Goffredo Tedesco (cardeal da Itália). A busca pelo próximo Bispo de Roma muda de caminho quando o Cardeal Vincent Benitez, mexicano e ordenado em segredo em Cabul, no Afeganistão, chega para participar do Conclave. Sua chegada é recheada de xenofobia e racismo no mar de brancura católica dos cardeais.
O nome do cardeal não estava na lista oficial e isso gerou um desconforto entre os demais, que logo identificaram que o falecido Papa havia de fato nomeado Benítez, adepto da Teologia da Libertação, como cardeal. Os ultraconservadores, por sua vez, associaram Benítez ao terrorismo numa explícita relação islamofóbica entre islamismo e terrorismo. Bom, conhecemos este enredo.
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Mesmo aparecendo pouco, são as mulheres que burlam a narrativa patriarcal e empurram o conclave para as controvérsias do catolicismo. Entre egos e ambições de uma eleição papal, a atriz Isabella Rossellini, que interpreta a governanta Irmã Agnes, surge em poucas cenas, mas marcantes. Em meio a uma briga homérica no refeitório entre os candidatos ao posto, ela declara: “Irmãs devem ser invisíveis, mas Deus nos fez com olhos e ouvidos”. Seu relato abala as poucas verdades daqueles que o cardeal Benítez descreve como “homens pequenos e mesquinhos”.
Assuntos como sacerdócio feminino, pedofilia e violência sexual ganham destaque no filme. Aliás, os cardeais ultraconservadores se indignam com o fato do cardeal Benítez liderar uma ONG de combate à violência sexual no Afeganistão.
Cinematografia à parte, e se a Igreja Católica, ao invés de fundar clínicas de tortura psicológica para crianças estupradas, se dedicasse em combater a violência sexual de meninas e mulheres?
Em outra parte do enredo, um dos fortes candidatos conservadores ao trono da Santa Sé tem uma amarga verdade revelada: sua filha com a Irmã Shanumi, interpretada pela atriz Balkissa Maiga. A história ganha outros contornos quando essa irmã é usada por um dos cardeais para desestabilizar a eleição papal, com sucesso. Mas a cereja do bolo está justamente no final plot twist do filme.
Uma reviravolta com bombas ao redor da Capela Sistina desestabiliza os cardeais, garantindo a eleição do cardeal mexicano Benítez como Papa. O segredo da sua ordenação é rapidamente revelado: a Igreja Católica acaba de eleger um Papa intersexo.
A chamada Teologia do Corpo, inaugurada pelo Papa João II sobre sexualidade humana, sofre sua primeira derrota, pois, no lugar de “homem nasceu homem e mulher nasceu mulher”, uma pessoa nascida com as características masculinas e femininas acaba de assumir o comando de uma das instituições mais patriarcais do mundo.
Os cardeais entram em um colapso teológico, que reverbera igualmente entre os grupos ultraconservadores católicos que até agora pedem boicote ao filme. No fim, esta obra audiovisual serve para questionar o intersexismo e a violência religiosa da Igreja Católica contra pessoas que burlam os binarismos de homem e mulher, tão supervalorizado pela Santa Sé e por culturas políticas patriarcais.