Florianópolis está entre as capitais com maior tempo de espera para exames no SUS. Em média, moradores da capital catarinense passam 583 dias na fila, segundo levantamento do jornal O Globo. É a maior fila de exames entre as 17 capitais analisadas.
Floripa já teve a melhor atenção primária do Brasil, diz o doutor em Saúde Pública pela USP, Fabrício Augusto Menegon, professor do Departamento de Saúde Pública e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFSC.
“Hoje tem equipes desfalcadas, número menor de profissionais trabalhando na rede, tem prestadora de serviço para o SUS que não entrega com performance boa, comparada a outras redes de mesma natureza”, exemplifica.
A saúde é tema central nas eleições, “especialmente nas municipais, se a gente considerar que são serviços prestados no município”, diz o professor de Administração Pública e pesquisador da área de Cultura Política da Udesc, Daniel Moraes Pinheiro.
“Na saúde, a gente olha muito essa parte do atendimento. Então, propostas que sejam claras e que visivelmente tragam esse impacto vão desde a gestão de pessoas, médicos, servidores até mesmo essa capacidade de construção de novas unidades (de saúde), de aprimoramento da rede de atendimento, de colocação à disposição da população de campanhas e vacinação. Tudo isso contabiliza e é muito importante”, analisa Pinheiro.
Dos nove candidatos à prefeitura de Florianópolis, três citam no plano de governo a questão das filas de consultas e exames: Carlos Muller (PSTU), Marquito (PSOL) e Mateus Souza (PMB). Outros quatro, apesar de não citarem diretamente as filas, propõem medidas que poderão ajudar a reduzir o tempo de espera: Dário Berger (PSDB), Lela (PT), Portanova (Avante) e Topázio (PSD).
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Êxodo de profissionais e privatização de exames
Sérgio Freitas, professor de Saúde Pública da UFSC, diz que o “processo de deterioração” da saúde de Florianópolis começou há cerca de seis anos. Desde então, há êxodo de profissionais da área. Segundo Menegon, isso ocorreu porque a carreira do servidor público não estava tão atrativa comparada a outras capitais e cidades da Grande Florianópolis na visão desses profissionais.
“Quando isso acontece e não tem captação de profissionais, há equipes incompletas que não conseguem fazer o atendimento com a maior performance possível”, diz.
“Isso mostra que a gestão municipal não está dando conta de fazer gestão para dentro da secretaria, da sua própria força de trabalho”, explica.
Outro ponto que influencia na fila é a performance de empresas prestadoras de serviços contratadas para fazerem exames laboratoriais e de imagem para o SUS, segundo os especialistas. “A prefeitura optou por uma política privatista, esvaziando o laboratório municipal e contratando um serviço privado. Claramente não deu certo, o tempo de espera é muito grande até para os mais simples”, afirma Freitas.
“Um hemograma, que leva poucas horas para ser feito num hospital, e um dia na rede privada, chega a levar um mês para o médico de saúde da família. Os mais complexos, de imagens, têm tempos absurdos”, destaca.
Se o exame atrasa, o retorno do paciente na consulta atrasa, assim como o diagnóstico. Se é necessário encaminhá-lo para a rede especializada, essa consulta também vai demorar mais. “Vai criando uma bola de neve”, resume Menegon, que explica, ainda, que fila de consultas e exames não é um problema só do SUS, “todos os sistemas universais de saúde do mundo têm problemas com filas e esperas”.
A Expresso entrou em contato com a prefeitura de Florianópolis para saber mais detalhes sobre o déficit de profissionais e a eficiência das empresas privadas de exames, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado com a nota, quando enviada.
Mas o paciente também não falta às consultas e aos exames?
A falta dos usuários em consultas e exames deve ser analisada com bastante cautela, na avaliação do professor, que pondera, por exemplo, a falta de informações sobre os motivos dessas faltas. A pessoa pode ser impedida de ir até a consulta porque o filho ficou doente e não tem com quem deixá-lo ou por uma paralisação dos ônibus ou choveu demais e a rua virou um lamaçal, diz.
“A vida das pessoas é real e as condições de vida também são reais” e “ antes de olhar e apontar dedo para o usuário, tem que olhar o sistema por dentro. O que o sistema está dando conta de atender?”
Como reduzir as filas de exames e consultas?
“Não há resposta milagrosa, porque o sistema é muito complexo. De qualquer maneira, o gestor municipal tem que olhar para isso com olhar de resolução. Temos esse problema, é concreto, real, e o que vamos fazer para resolver? Contratar mais equipes, fazer auditoria nas empresas contratadas…”, cita Menegon.
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O professor Sérgio Freitas elenca medidas que poderiam ser adotadas pelo próximo prefeito para reduzir as filas de exames e consultas:
- Aumentar o investimento em saúde;
- Melhorar o salário de profissionais, médicos em especial, que são inferiores aos municípios vizinhos;
- Adequar os recursos humanos, em especial o de técnicos – administrativos e da saúde, e agentes comunitários frente ao grande crescimento populacional;
- Retomar a política de ter um laboratório de exames clínicos próprio, estratégico para gerenciar crises como a atual;
- Rever a política de contratações para exames de imagem e laboratoriais com urgência, permitindo a compra de vários agentes diferentes, com mecanismos que garantam quantidades e prazos previamente definidos;
- Retomar a prioridade para a Estratégia Saúde da Família, aumentando o vínculo e efetividade de longo prazo com a população;
- Reestruturar a atenção especializada, que precisa crescer em quantidade, acesso e capacidade.
E o que os candidatos prometem?
A Expresso analisou os planos de governo dos candidatos à prefeitura de Floripa, cadastrados no site do Tribunal Superior Eleitoral, em busca de propostas para a saúde. Veja alguns trechos:
Brunno Dias (PCO): diz que “deve ser realizado um enorme investimento para que se garanta saúde gratuita e de qualidade para todos os trabalhadores”.
Carlos Muller (PSTU): cita, entre os “enormes problemas” do sistema público de saúde, as “filas de espera para atendimentos devido à falta de médicos e profissionais de saúde, falta de medicamentos, de equipamentos, de materiais, de EPI, poucas unidades de saúde, baixos salários, jornadas de trabalho estafantes. Tudo isso é consequência direta de anos de sucateamento da saúde pública, com cortes de verbas e privatizações impostos pelos sucessivos governos, tanto de direita e ultradireita como os ditos de ‘esquerda’”. E afirma: “É necessário equipar e ampliar as UBS e garantir salários e condições dignas de trabalho para os profissionais da saúde”
Dário Berger (PSDB): não cita as filas de exames e consultas, mas propõe
a “ampliação das equipes do programa de saúde da família”, o que pode ajudar a reduzir o tempo de espera. Ele propõe, ainda, outros seis pontos, entre eles:
- Reforma das unidades de saúde – postos de saúde, UPAs e policlínicas, dotando-as de pessoal profissional e equipamentos mínimos ao atendimento aos munícipes
- Grupo de Acompanhamento e Controle Operacional: Formar um grupo de profissionais indicados pelo Gabinete do Executivo, que terão como atribuição a análise do funcionamento das unidades propondo diretrizes na melhora e humanização do atendimento
- Construção de um hospital/maternidade multiuso, no Norte da Ilha, especialmente para atendimento da população moradora dos bairros.
- Implantação de 4 centros de atendimento ao autista: Norte, Sul, Leste e Continente
- Reforma das unidades de saúde – postos de saúde, UPAs e policlínicas dotando-as de pessoal profissional e equipamentos mínimos ao atendimento aos munícipes
Lela (PT): não cita as filas, mas propõe “expandir os horários de atendimentos públicos em todos os serviços, garantindo o acesso a todas as pessoas”. Propõe ainda:
- Criar o centro de inteligência de saúde municipal, visando centralizar e melhorar o processo de gestão das UPAs, UBSs e demais mecanismos de saúde
- Possibilitar atender pequenas emergências nas UBSs, visando diminuir o fluxo das upas e facilitar para a população
- Expandir os horários de atendimentos públicos em todos os serviços,
- Ampliar o programa de saúde preventiva, melhorando a qualidade de vida de todos os usuários do sistema público
Marquito (PSOL): “A infraestrutura inadequada das unidades de saúde em Florianópolis é um dos principais fatores que contribuem para as longas filas de espera por exames e consultas. Muitos centros de saúde necessitam de reformas urgentes e atualização de equipamentos para atender adequadamente à demanda crescente da população. A escassez de profissionais de saúde e o prontuário eletrônico ineficaz agravam ainda mais o problema, tornando o atendimento lento e ineficiente. Os usuários enfrentam extensos períodos de espera, o que não só afeta a sua satisfação e bem-estar, mas também agrava problemas de saúde que poderiam ser resolvidos com intervenções mais rápidas. Melhorar a infraestrutura, os sistemas digitais e ampliar o corpo de profissionais são medidas essenciais para reduzir as filas de espera e garantir um atendimento mais ágil e eficaz”. Ele apresenta, ainda, 28 propostas para a saúde, entre elas:
- Implementar reformas estruturais e construir novas unidades de saúde
- Realizar concursos públicos
- Aumentar o investimento em saúde em 2% ao ano até alcançar 25% da receita municipal, conforme deliberado na 9ª Conferência Municipal de Saúde
- Implementar o Centro de Parto Normal e programas de parto humanizado, além de promover a formação e inclusão das Doulas no processo
Mateus Souza: (PMB): “Hoje Florianópolis sofre com a falta de médicos em postos de saúde e também para atendimentos especializados específicos. Faltam pediatras, ginecologistas, cardiologistas, dentre tantos outros. São necessários mais médicos em todas as regiões da cidade. Enquanto se contratam mais profissionais, a cidade pode funcionar com inteligência. O sistema de rodízio de profissionais da saúde em todas as regionais da cidade e o uso da telemedicina são soluções para a redução das filas de espera e para um atendimento de qualidade”.
Pedrão (PP): não cita as filas, diz que “o eixo Desenvolvimento Social incorpora áreas ligadas à melhoria da qualidade de vida dos manezinhos, individualmente, e da própria sociedade florianopolitana, em termos coletivos. Assim, compõem essa dimensão as políticas públicas que focam na Saúde, Educação, Assistência Social e Cidadania, Habitação, Esporte e Lazer, Cultura e Bem-estar animal”.
Portanova (Avante): não há referências às filas em seu plano de governo, mas promete “fortalecer o SUS, ampliando o acesso e a qualidade dos serviços de saúde, com foco em uma saúde preventiva e comunitária”. Cita ainda como propostas:
- Expandir as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), com a incorporação de maternidades e creches próximas, criando uma rede de atendimento integrada e facilitando a vida das mães trabalhadoras
- Aprimorar a Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN), para combater a fome e promover a segurança alimentar, integrando essa política ao fortalecimento da agricultura familiar e da produção agroecológica local
Topázio (PSD): não fala das filas de espera por consultas e exames. Mas propõe a expansão do Alô Saúde, “facilitando a marcação de consultas e exames”. Apresenta, ainda, outras nove propostas, entre elas:
- Multi Hospital do Norte da Ilha: Criação de um moderno Centro de Diagnóstico, oferecendo uma ampla gama de serviços para evitar a superlotação das UPAs e garantir um atendimento mais eficaz
- Instalação de Salas de Telemedicina nos Postos de Saúde
- Aprimoramento do Atendimento Pré-Natal
- Novos Postos de Coleta de Exames
- Criação do Sistema de Inteligência da Saúde Municipal
- Plano de Fomento à Saúde: Estimular investimentos privados no setor de saúde, atraindo novos hospitais e clínicas, com uma comissão de especialistas para identificar gargalos e oportunidades, facilitando a interlocução com investidores