Por Linete Martins*.
Um vestido caído no fundo do palco na função de roupa/cenário. Num canto vários vidrinhos de esmaltes e, mais à frente, no chão, uma poça de tinta. Todos esses elementos são vermelhos, assim como o sangue que percorre o nosso corpo bombando vida, paixão e dor.
Com uma guitarra, a bailarina está sentada e com olhar incerto. A perna esquerda está alongada sobre um pequeno banco. As pessoas entram e lotam o pequeno teatro do Sesc, na Prainha. Domingo, o dia mais monótono do planeta, é partido ao meio pela quantidade de emoções fortes que vêm a seguir através do corpo em movimento de Elke Siedler.
O espaço cênico é dominado pela performance precisa da bailarina na representação ousada das ambiguidades (contradições?) das emoções e conflitos sem fim dos dias que seguem.
Além das notas de guitarra, nenhum som é ouvido na silenciosa e hipnotizada plateia – somente os cliques compassados de uma máquina fotográfica. Olhares que não piscam em direção à coreografia estudada do espetáculo solo de dança contemporânea “Rec(L)usadx”, definido como “um projeto teórico-prático que propõe a pesquisa de um pensamento transmídia para a composição em dança contemporânea”.
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É o que Elke denomina de dança “on-off-line” onde “a questão artística é desenvolvida e materializada num trânsito precário por distintas mídias, enquanto procedimento de formulação e compartilhamento de nexos de sentido”.
O descarte de pessoas e afetos, inerente à sociedade de consumo que estamos mergulhados, é uma das sínteses desse espetáculo a partir do nome. Numa sociedade com relações permeadas e intermediadas pelas redes sociais onde o verbo “deletar” foi assimilado para além das telas e incorporado (com ou sem resistência) à vida, “Rec(L)usadx” pode ser lido como: reclusada, reclusado, recusada ou recusado.
Da impotência e transitoriedade das relações sem “fixidez” e de “desejos interrompidos”, nosso corpo sangra para dentro enquanto a artista se despe no palco mostrando sem pudor uma alma que pode ser dilacerada no enfrentamento das frustrações cotidianas e desamor.
O corpo é veículo e ilustração de tudo que pode surgir da superficialidade que não planejamos e pensamos ser inevitável. Ao final, na beleza dos gestos, temos no palco um ser exausto e triste, envolto por sangue (tinta) dos cabelos à pele. Na plateia, o desconforto de quem se viu no espelho sem ilusões. Inquietar é preciso enquanto houver vida que pulsa.
Serviço:
Rec(L)usadx
Local: Sesc Prainha (Travessa Syriaco Atherino, 100, Florianópolis)
Data: 21/08/2016
Horário: 20h
(entrada gratuita)
Tempo de duração: 45 minutos
Classificação Etária: 14 anos
Concepção e Performance: Elke Siedler
Composição musical: Acácio Piedade
Composição e Operação de Luz: Priscila Costa
Figurino: José Alfredo Beirão
*Linete Martins é jornalista.