Essa semana alguns veículos de noticias me procuraram para perguntar sobre o BBB21 e o tal de “racismo reverso”. Eu havia jurado não comentar sobre o BBB21, mas como acredito que a produção acadêmica deve estar no debate público, aqui estou eu para tentar responder um pouco o porquê não existe racismo reverso contra branco no Brasil contemporâneo.

Vou partir daqui do exemplo que me perguntaram, se uma pessoa negra trata mal uma pessoa branca apenas por ela ser branca isso não é racismo? Não, isso não é racismo pode até ser preconceito e discriminação! Ops, mais qual a diferença Lia? Preconceito e discriminação estão sempre ligados às relações entre indivíduos, já o racismo à estrutura social de dominação.

E Racismo, Lia o que é? Racismo pode ser pensado como uma dominação baseada em uma doutrina que acredita que há uma raça superior e a partir desta doutrina há uma política em que pessoas desta raça têm privilégios e acessos no poder econômico, político, jurídico, ou seja, na estrutura social. Em geral para que haja racismo contra um grupo é preciso que haja uma história de longa duração de dominação de um grupo contra o outro, baseado na ideia de raças superiores e raças inferiores.

Quer dizer então que branco nunca pode sofrer racismo? Pode. Para que um branco possa sofrer racismo é preciso que historicamente os brancos sejam considerados inferiores aos negros, ou indígenas ou asiáticos ou qualquer outro grupo humano que se disser superior e a partir daí escravizar, matar, dominar, discriminar e diferenciar fazendo que todos os brancos ocupem lugares de subalternidade na estrutura social. Isso já aconteceu na humanidade? Não. E porque não? Porque até agora, na história da humanidade quem usou o poder da ciência para inventar a ideia de superioridade racial foram os brancos.

Ou seja, existiu em nossa história um momento em que brancos tornaram os africanos e os indígenas em mercadorias, venderam, escravizaram, coisificaram, criminalizaram, subjugaram, classificaram, nomearam, mataram, fetichizaram, roubaram terras em nome da raça superior. Essa é a nossa história e o resultado disso é o que temos agora. Nunca houve na história da humanidade um grupo que fez algo próximo a isto com pessoas classificadas como brancas.

Preconceito e discriminação são componentes individuais que funcionam para legitimar o racismo, mas não são o racismo. Assim pessoas de qualquer grupo social podem discriminar, ter preconceito, ser escrota, humilhar e etc. qualquer pessoa de outro grupo. Infelizmente isso é possível de ser feito por qualquer ser humano. Mas racismo, hoje, no Brasil contemporâneo só existe contra negros e indígenas.

Racismo então é só contra negros e indígenas Lia? Não, judeus, por exemplo, foram racializados (naquela época judeus não eram classificados como brancos), assassinados e mortos na segunda guerra por serem judeus. Se durante o nazismo um judeu chamasse um alemão de escroto e o humilhasse isso seria o que? Racismo? O alemão iria para câmera de gás? Teria um país inteiro preparado para mata-lo? Não.

Assim como hoje no Brasil uma pessoa negra xingando uma pessoa branca por ela ser branca não caracteriza racismo, caracteriza apenas um xingamento. Não move as estruturas. Já um xingamento contra um negro, remete a todo o processo histórico descrito anteriormente. Ou seja, racismo pode acontecer contra qualquer grupo que passar por um processo de racialização e a partir daí ser subjugado a outro grupo. Isso vai depender da história social.

Resumindo: racismo é uma forma de legitimar as estruturas sociais de poder. Se um grupo não tem poder na estrutura o sujeito deste grupo não consegue praticar racismo. Portanto, no Brasil de hoje onde os negros são os que ocupam os piores índices sociais NÃO HÁ RACISMO REVERSO.

* Lia Vainer Schucman é doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (2012) com estagio de Doutoramento no Centro de Novos Estudos Raciais na Universidade da Califórnia, Santa Barbara. Em 2014 publicou o livro Entre o Encardido o Branco e o Branquissimo: Branquitude Hierarquia e Poder na Cidade de São Paulo, fruto de sua tese. Realizou sua pesquisa de pós-doutoramento pela USP/FAPESP e como resultado irá lançar em 2018 seu novo livro: Familias Interraciais: Tensões entre cor e amor (EDUFBA).

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