Ao todo, 1.553 mulheres ou meninas foram estupradas durante a pandemia em seus ambientes familiares; 73% dos estupros ocorreram com menores de 17 anos.

8 de março de 2021, data que marca internacionalmente a luta das mulheres. Há 364 dias, dois dias para completar um ano do primeiro caso de coronavírus registrado no Rio Grande do Sul, as mulheres que vivem no estado gaúcho lutam ao mesmo tempo contra os efeitos da pandemia de Covid-19 e contra a epidemia de violência doméstica. Sabemos que não há razões para celebrar. Retomamos, então, nesta data, com o último monitoramento da série “Um Vírus e Duas Guerras”, rompendo a tradição do silêncio que restringe a violência doméstica à esfera do privado. Vamos meter a colher! 

“E quando falamos nós temos medo
nossas palavras não serão ouvidas
nem bem-vindas
mas quando estamos em silêncio
nós ainda temos medo
Então é melhor falar”.

(Audre Lorde, Ladainha pela Sobrevivência)

Em todo ano de 2020, foram 54.664 casos de violência doméstica contra mulher no Rio Grande do Sul. Isso significa que a cada 1 hora pelo menos 6 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência, em seus ambientes familiares. Grifamos “pelo menos”, já que a subnotificação é a tônica quando falamos do tema. “A estimativa é que 90% dos casos de violência não sejam registrados”, explica a delegada Jeiselaure Rocha de Souza, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher da Capital e diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher (Dipam).

Foram registrados 33.392 ameaças, 18.944 lesões corporais, 1.927 estupros*, 78 feminicídios consumados e 323 tentativas, em 2020. De março a dezembro, período da pandemia, foram 42.757 casos de violência doméstica contra mulher. Desses, 26.157 ameaças, 14.724 lesões corporais, 1.537 estupros, 64 feminicídios e 275 tentativas. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP/RS).

Quando a pandemia começou, no entanto, a violência doméstica já assolava o Rio Grande do Sul. Em janeiro e fevereiro de 2020, 14 mulheres foram mortas por serem mulheres. Ou seja, somente nos dois primeiros meses de 2020 o feminicídio havia aumentado no estado 250% em relação ao mesmo período em 2019. No primeiro monitoramento realizado pelo Portal Catarinas, o Rio Grande do Sul foi o 4º estado do Brasil com mais feminicídios entre janeiro e abril de 2020.

No segundo monitoramento, os indicadores apontavam pontual redução em relação ao mesmo período no ano de 2019. Ainda assim, o Rio Grande do Sul foi o estado que mais apresentou mortes por feminicídio na Região Sul do país. 

Neste terceiro monitoramento, a aparente diminuição seguiu. De setembro a dezembro de 2020, foram 22 casos de feminicídio. Em 2019, no mesmo período ocorreram 34. Das 22 mulheres vítimas de feminicídio no último quadrimestre de 2020, 17 eram brancas, 3 pretas e 2 pardas.**

Se compararmos os indicadores fornecidos pela SSP/RS de violência doméstica em 2020 com os de 2019, veremos uma redução pontual dos casos. Com exceção do estupro que teve um crescimento de aproximadamente 12,5% em 2020. O aumento da violência sexual contra mulheres ou meninas também foi verificado nos 10 meses pandêmicos e no último quadrimestre do monitoramento. Será que, contrariando o alerta da Organização das Nações Unidas (ONU Mulheres), durante a pandemia as mulheres do Rio Grande do Sul sofreram menos violência doméstica?

Fizemos a mesma pergunta a Télia Negrão, jornalista, mestre em Ciência Política e integrante da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe/RSMLAC. A resposta foi categórica: não. O problema das subnotificações, historicamente presente, esfuma a realidade da violência doméstica contra as mulheres. 

“Não é possível afirmar o quanto a pandemia produziu de sofrimentos às mulheres em decorrência da enorme subnotificação. Sabemos, seguindo uma tendência mundial, apontada pela ONU Mulheres e movimentos em todo o planeta, que no cotidiano se verificou o aumento das tensões nas relações pessoais e familiares”, analisa. 

Negrão também ressalta que a queda pontual nos índices não demonstra tendência de baixa na violência doméstica contra mulher. Ao telefone, ela nos explicou que fez um exercício de compilação dos dados desde 2012 que revelou poucas variações: a violência contra as mulheres no estado segue um contínuo histórico desde 2012. 

“Se for feita uma curva para demonstrar a dinâmica na frequência dessas violências se encontrará uma linha com tênues mudanças, pois há uma persistência no fenômeno”, explica Negrão. 

Para uma análise mais precisa sobre a violência doméstica contra mulher, Negrão defende que é preciso uma coleta de dados repetidamente durante um período prolongado. “Não se pode analisar os números de violência contra as mulheres sem uma perspectiva longitudinal devido ao seu caráter cultural e altamente impactado pelos fatos conjunturais das políticas imperantes, que influem na permissividade e licenciosidade para a violência de gênero”, argumenta. 

Metodologicamente havíamos escolhido realizar o comparativo apenas entre 2019 e 2020, mas concordamos com Negrão sobre a necessidade de um olhar mais apurado para o contexto e a importância de enxergar com clareza o movimento que os indicadores apresentam.*** Por exemplo, no início do ano de 2021, os casos aumentaram novamente no estado: já foram 10 vítimas de feminicídio. “Eu arrisquei fazer uma projeção a partir dos dados de janeiro deste ano, se mantida, não há tendência de redução”, afirma Negrão.

É importante dizer que o feminicídio expressa a falência total do sistema. Quando ele chega a ocorrer, muitas outras violências contra a mulher já foram acumuladas.

Em 2020, foram 52 municípios com ao menos um caso. A capital, Porto Alegre, teve o mais alto índice de mortes com 10 feminicídios. Seguida pelos municípios de Sapiranga, São Leopoldo, Passo Fundo e Pelotas – cada qual com 3 feminicídios. Mais de um terço dos feminicídios em 2020 aconteceu em Porto Alegre e na Região Metropolitana.

Outro ponto que colabora com as suspeitas, de que os dados não revelam fielmente a realidade, são os indicadores de estupro. Diferente dos demais, durante os 10 meses da pandemia houve um aumento de 11% dos estupros de mulheres ou meninas no RS. 

Cresce o estupro de meninas e mulheres na pandemia

Uma pergunta pairava enquanto apuramos esta reportagem: por que os indicadores de estupros aumentaram diferente dos demais? Mesmo com a forte subnotificação, os estupros seguiram numa constante crescente. Ao todo, foram 1.553 estupros, agrupados entre os crimes de violência doméstica, de março a dezembro de 2020. Isso significa que, diariamente pelo menos 5 mulheres ou meninas foram vítimas de violência sexual em seu ambiente familiar. Em 2019, no mesmo período, foram 1.398. 

Uma violência tida como “mais grave” em relação às ameaças e as lesões corporais, o estupro geralmente é um fenômeno associado a outras formas de agressão contra mulheres e meninas, conforme lembra Negrão. O fato traz dúvidas sobre o preenchimento dos Boletins de Ocorrência (BO). No último quadrimestre, setembro a dezembro de 2020, também houve alta nos casos: foram 710 estupros. Em 2019, no mesmo período, foram 629.

“Temos que descobrir como esses crimes e essas denúncias estão assentadas nos boletins, o estupro é uma violência que ocorre em conjunto com outras, como lesões corporais. Talvez ao registrar um estupro, por exemplo, não houve simultaneamente registrado a lesão ou ameaça. Isso também coloca em questionamento os próprios dados de ameaça e lesão. Como os estupros aumentaram e os demais indicadores não?”, questiona Negrão. 

Dentre os 1.553 casos de estupro durante a pandemia, 1101 são de meninas e adolescentes (0 a 17 anos) – o que corresponde a um total de 73% dos estupros. Não é possível calcular o número exato de estupro de vulneráveis por idade (menores de 14 anos), visto que a SSP/RS divide a faixa etária de 0-12 anos e 12-17 anos.

Ainda assim, o alto índice de meninas e adolescentes materializa a necessidade de que o debate de violência doméstica não se restrinja a uma questão de segurança pública, como lembra Luana Galleano Mello, psicóloga e mestranda em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

“Precisamos de educação sexual para as crianças. A sexualidade é um tabu na sociedade. Imaginam que educação sexual é falar sobre sexo com a criança. Mas, é muito mais sobre ensinar noções de consentimento e entendimento do próprio corpo. O que outras pessoas podem tocar, por exemplo. Ensinar sobre consentimento ajuda com que as crianças reconheçam os abusos e falem. Ou seja, ajuda nas denúncias”, explica a psicóloga. 

“Consentimento é saber dizer não. E é algo que precisa ser construído para que não gere conflitos. Se aprende a consentir ainda criança e muitas mulheres chegam na vida adulta sem saber dizer não. Saber consentir também tem relação com empoderamento e segurança”, Luana Galleano Mello. 

Assim como no feminicídio, a cidade que teve mais casos de estupros foi Porto Alegre com 132 casos durante todo o ano de 2020. Seguida dos municípios de: Viamão e Canoas (ambos com 56 estupros), Santa Maria (55), Gravataí (51), Alvorada (48) e São Leopoldo (45). Foram 253 municípios com ao menos um estupro contra mulheres e meninas em contexto familiar. 

É importante destacar que a violência doméstica contra mulheres e crianças é um problema que não pode ser reduzido à segurança pública, já que atravessa múltiplos setores da sociedade, como educação e saúde. Para enfrentarmos a cultura heteropatriarcal que oprime o corpo das mulheres e que é fundamento da violência doméstica, faz se necessário um trabalho multisetorial que não pode ser negligenciado pelo Estado. 

A pedagogia da crueldade em ação

A precarização da vida das mulheres em território gaúcho é um projeto antigo. Em 2015, no governo de José Ivo Sartori (MDB), houve o fechamento da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres. Apesar de sua importância para articulação de ações e programas dos diferentes setores do governo, a fim de garantir políticas públicas que enfrentem o alarmante quadro de violência contra as mulheres, a Secretaria foi reduzida a um departamento dentro da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. 

De lá para cá, a situação foi ladeira abaixo. O orçamento de políticas para as mulheres caiu de R$10 milhões, em 2014, no governo de Tarso Genro (PT), para R$180 mil em 2018. Em 2020, no governo Eduardo Leite (PSDB), o corte orçamentário foi ainda mais drástico. O valor disponibilizado pelo governo estadual foi de apenas R$20 mil, de acordo com o PL 415/2019.

É importante ressaltar que: 1) a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres facilitou o desmonte e o sucateamento da Rede Lilás (nome da Rede de Enfrentamento à Violência contra as mulheres); 2) a situação vivida no Rio Grande do Sul reflete o descaso do governo federal nas políticas para as mulheres como um todo. 

Entre 2015 e 2019, o orçamento da Secretaria da Mulher do governo federal diminuiu de R$119 milhões para R$5,3 milhões. Em 2020, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, gerenciado por Damares Alves, gastou efetivamente apenas R$2 milhões dos R$106 milhões divulgados como destinados a políticas para mulheres. Para a Casa da Mulher Brasileira, ao longo do ano, o ministério gastou somente R$66 mil, conforme apurou Gênero e Número. 

“Os cortes de recursos federais destinados a essas políticas expressam-se no Estado, onde foi desmontado o arcabouço político-institucional, o orçamento para sua implementação bem como das políticas e serviços, assim como dos processos participativos e de controle social. O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM/RS) está desativado, assim como o da capital”, alerta Negrão.

Nenhum programa de política pública foi implementado pelo governo do estado em 2020, mesmo com aprovação da Lei 14.022, que dispõe em âmbito federal sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher durante a pandemia. Pelo contrário, iniciativas do Legislativo para ampliação de vagas em Casas-Abrigo ficaram emperradas. Foi o caso da emenda parlamentar 275, de autoria da deputada estadual Luciana Genro (PSOL), que previa o repasse de R$250 mil para criação do projeto “Acolhendo Vidas” o qual selecionaria uma organização da sociedade civil para oferecer 15 vagas. Até o momento, o projeto ainda não se materializou. 

“Durante um ano o dinheiro destinado ficou paralisado. Tive que pedir renovação para ser executado neste ano de 2021. É uma situação lamentável! Não tenho nem palavras para expressar meu desapontamento com a absoluta falta de interesse do governo do estado em prevenção a violência contra mulher”, afirma a deputada. 

Reduzido ao âmbito da segurança pública, durante a pandemia houve a ampliação dos serviços da Delegacia Online possibilitando os registros de violência doméstica de maneira não presencial. Também foi amplamente divulgado um número de whatsapp para que qualquer pessoa possa fazer denúncias. “Todas as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs) também permaneceram abertas e com acesso efetivo”, complementa a delegada. 

A Polícia Civil também abraçou as campanhas “Máscara Roxa” e o “x na mão”- senhas para que atendentes de farmácia saibam que se trata de um pedido de ajuda, isto é, uma denúncia de violência doméstica.

Negrão chama atenção para o caráter de retrocesso que representa a centralização nas DEAMs, já que o Rio Grande do Sul já teve Redes de Enfrentamento à Violência contra mulher complexas em cidades como Porto Alegre. 

A antropóloga feminista Rita Segato explica que o feminicídio, assim como o genocídio, é uma forma de morte sistemática e burocrática. Nesse sentido, o crime de ódio contra as mulheres, necessita de um Estado heteropatriarcal, racista e capitalista que naturalize sistematicamente a violência, até que a sociedade não se choque mais com atos de crueldade aplicados aos corpos das mulheres. 

Segato nomeia essa manutenção da violência como “pedagogia da crueldade” e alerta que ela é útil para reprodução do sistema – nós, mulheres, estamos morrendo e tendo nossos corpos violentados desde a colonização (em especial, mulheres indígenas e negras), mas há uma legitimidade social que torna nossos corpos matáveis. 

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
(…)
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade”.
(Conceição Evaristo, Vozes-Mulheres)

A “pedagogia da crueldade” segue em ação neste exato momento enquanto você lê, durante a pandemia de Covid-19, com o aniquilamento da empatia e a naturalização das mais de 250 mil mortes de brasileiros. Ela é propagada e estimulada constantemente, a começar pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que sistematicamente organiza ações de educação para violência e morte. Não é incompetência as condutas estimulando a aglomeração, o negacionismo científico, a repulsa e criação de obstáculos a vacinação em massa: é projeto político pedagógico. 

“Na situação que vivemos, com a pandemia, falar de enfrentamento à violência doméstica contra mulher é falar também de vacina, auxílio emergencial ou uma renda mínima básica, ainda mais no contexto de alto índice de desemprego que sabemos afeta principalmente as mulheres. E a mulher precisa de um mínimo de autonomia para deixar o mesmo teto do agressor”, afirma Ariane Leitão, advogada e coordenadora da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios no Rio Grande do Sul. 

Genocídio e feminicídio são armas de guerra no extermínio da maioria excluída no Brasil: trabalhadores, pobres, pretos, indígenas e mulheres. Não nos conformemos! 

Denunciar é preciso, políticas públicas também!

Das 78 mulheres assassinadas em 2020, apenas duas tinham medidas protetivas, segundo Souza. “O que nos preocupa é justamente isto: o número de mulheres que não procurou ajuda e só entra para as estatísticas. Às vezes as mulheres levam 10 anos para denunciar. É essencial que a mulher perceba que está numa situação de violência e peça ajuda, porque as pesquisas provam que quanto mais cedo o registro, menores são as chances de um feminicídio. A violência inicia com situações tidas como menos graves, como ameaças, e vai aumentando progressivamente”, pontua a delegada.

Maria Elizabeth Rosa Pereira, 65 anos, presente!
Jocemara Ramão, 37 anos, presente!
Liana dos Santos Gomens, 35 anos, presente! 
Luiza Vitória Bica Gonçalves, 22 anos, presente!
Ana Carolina Vinholes de Meneses Morais, 12 anos, presente!

Essas são algumas das 78 vítimas de feminicídio em 2020.

Existe uma tendência social de questionar as mulheres que não conseguem quebrar o ciclo da violência doméstica. “É só denunciar”, dizem. A realidade mostra que não é simples assim. Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), revelou que o tempo do fluxo de processamento de uma denúncia − dividido nas etapas de ocorrência, investigação, acusação e condenação − é um dificultador: em média, apenas 7% das ocorrências chegam ao final do processo. A sensação de impunidade dá força ao agressor para continuar com as violências.

Foi o caso de Jocemara Ramão. Em 2010, Jocemara registrou ocorrência de ameaça e vias de fato contra, naquela época, o companheiro Marcelo Fraga Pacheco. Em 2013, ocorrência de lesão corporal. Em 19 de fevereiro de 2020, depois de já ter saído de casa, Jocemara registrou ocorrência por sequestro e cárcere privado contra Marcelo, além de ter solicitado medida protetiva que foi deferida pela Justiça. No entanto, o machismo falou mais alto: em março de 2020, Pacheco matou Jocemara e, sem seguida, se suicidou. Posse não é amor. O mesmo sistema heteropatriarcal que destrói a vida das mulheres, pode também destruir a dos homens. Segato pensa a violência de gênero não como um problema entre homens e mulheres, mas da sociedade. 

Foto: Felipe Carneiro/Portal Catarinas.

Outro ponto que dificulta a efetividade das denúncias é a ausência de uma Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica contra mulher estruturada. A mulher denuncia, mas, se não tem uma Casa-Abrigo para acolhê-la, para onde vai? Nem sempre as mulheres têm uma rede de apoio de familiares ou amigos para contar. Ainda assim, deveria ser responsabilidade do estado protegê-la. 

Durante todo o monitoramento, foram inúmeras as denúncias das entrevistadas em relação ao déficit de vagas nas Casas-Abrigo do Rio Grande do Sul. Sem ter para onde enviar as mulheres vítimas de violência, algumas ficaram na própria delegacia. No estado, uma das principais políticas públicas da Polícia Civil no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher é a Sala das Margaridas – espaço reservado onde são registradas ocorrências policiais, oitivas das vítimas e pedido de medidas protetivas.

Polícia Civil inaugurou Sala das Margaridas em sete delegacias do Rio Grande do Sul — Foto: Polícia Civil/Divulgação
Sala das Margaridas é um espaço reservado para mulheres vítimas de violência fazerem registros de ocorrência e pedidos de medidas protetivas/Foto: Polícia Civil/Divulgação.

Infelizmente, chegamos ao último monitoramento, já em 2021, com o mesmo problema. “Em termos de políticas públicas, nada mudou. Todos os problemas que tínhamos continuamos tendo. E ainda estamos vendo mais um episódio de perseguição política à Casa Mirabal, numa tentativa de novo para retirar as gurias de onde elas estão”, relata desanimada Leitão.

Para este ano de 2021, mais uma vez ações do Legislativo tentam pressionar para que o governo estadual haja. A deputada Luciana Genro voltou a apresentar emendas referentes ao tema à Lei Orçamentária Anual (LOA). Foram aprovados, R$500 mil que serão destinados para a manutenção de casas-abrigo nas cidades de Porto Alegre, Canoas, Santa Rosa e Caxias do Sul. Ainda, outra emenda prevê a aplicação de R$100 mil para o fortalecimento do Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado (CRM). 

Sabemos que as expectativas não são boas. Mas ousamos “esperançar”, no sentido que o educador Paulo Freire propunha, de sermos organizadas e solidárias para reagir àquilo que parece não ter saída. Nesses tempos sombrios, a palavra de ordem “só a luta muda a vida” nunca pareceu ter tanto sentido. 

Saiba onde pedir ajuda

Brigada Militar
Telefone: 190 (em todo o Estado)

Polícia Civil
Endereço: Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, 720, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha.

Telefones: (51) 3288-2173 – 3288-2327 – 3288-2172 ou  197 (emergências)

* Nos últimos indicadores gerais da violência doméstica contra a mulher disponibilizados no site da SSP/RS, o número que aparece de estupros é 1.908. A fim de averiguar quantos casos se referiam a menores de 14 anos, solicitamos que os dados fossem separados por faixa etária. Após pedido, a tabela enviada para o Portal Catarinas veio atualizada e foram totalizados 1.927 estupros. 

** A SSP/RS divide as mulheres na seguinte classificação étnico-racial: brancas, pardas, mulatas e pretas. Para a reportagem, as mulheres com designação “mulata” foram somadas a “preta” em decorrência do caráter racista do termo. O “parda” não foi somada a “preta”, pois sabemos que a designação no Brasil pode ser dada também a pessoas indígenas. 

*** No ano de 2012 não houve divulgação dos dados de feminicídios tentados pela SSP/RS, por isso não consta no gráfico.

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  • Inara Fonseca

    Jornalista, pesquisadora e educadora. Doutora (2019) e mestra (2012) em Estudos de Cultura, pela Universidade Federal de...

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