Às vezes, custo a acreditar na realidade, no contexto histórico em que estamos inseridos. Às vezes, gostaria de acordar e ver que tudo não passou de um sonho, ou melhor, um pesadelo, daqueles com enredos semelhantes às histórias distópicas. Por que estou falando isso? Porque sinto o quanto é absurdo como os professores e a Educação estão sendo tratados.

Na terça-feira pela manhã, dou aula em um sexto ano, que é uma turma típica desta idade: alunos conversando o tempo todo, e os assuntos são os mais variados: a briga com o irmão, quem está afim de quem na sala, quem arrumou confusão no recreio, quem prometeu brigar com quem no fim da aula. Eu já tinha passado um quadro todo com pontos para discutirmos sobre os fatores que levaram ao fim do Império Romano, e, diante de toda a bagunça da sala, fiquei parada olhando para os alunos. Aí, o que me ocorreu foi: “Como pode alguém dizer que professor é doutrinador? Essa pessoa não tem a menor noção do que ocorre em uma sala de aula do ensino básico para falar isso!”. E, então, tive um ataque de riso. Os alunos se deram conta de que eu estava às gargalhadas, e pararam. Perguntaram o motivo do riso, e disse que não era nada demais, e então pude explicar os fatores e a inter-relação entre todos eles.

É possível um professor doutrinar se ele mal consegue dar o conteúdo? Aí você pode tentar argumentar: é na forma de trabalhar o conteúdo. E vou te responder que temos dificuldades de fazer um aluno compreender o que está lendo, quem dirá interpretar. A maioria só quer respostas prontas. Uma avaliação que pede a relação entre circunstâncias já é considerada difícil.

Outro ponto que passa despercebido por quem sai por aí propagando que professor é doutrinador é que a escola ou a faculdade não são as únicas instâncias que lidam com o conhecimento e com as ideias, e, portanto, com visões de mundo (ideologias são formas de entender e se posicionar no mundo). Esquecem que a mediação da realidade é feita por outros prismas, como a própria família, a religião, a mídia. A formação do aluno se dará por aquilo que ele filtrará de cada uma destas e de outras instâncias. Aluno não é tábula rasa! Aluno não é um banco no qual se depositam informações, conteúdos e ele vai reproduzir o que recebeu!

Todos estes ataques ocorrem exatamente porque muitos grupos sabem que a educação pode ser fundamental para a formação de pessoas com visão crítica de mundo, que não aceitam qualquer explicação, que se entendem como agentes, como participantes das decisões e da história. E aí vem a preocupação: a quem interessa um povo que não se deixa manipular? E não estou aqui falando apenas em uma perspectiva política ou político-partidária, mas também em uma perspectiva econômica.

Fico apreensiva quando ouço discursos execrando autores importantes com relevância histórica, como Karl Marx ou Antônio Gramsci, e ideias que já foram descartadas pela ciência sendo levadas a sério. É impossível falar da Revolução Industrial sem falar de Marx. Isso quer dizer que estou doutrinando? Não. É impossível falar deste mesmo assunto sem citar Adam Smith ou David Ricardo e James Mill. Todos são importantes, e suas ideias, baseadas na ciência, ecoam ainda hoje.

A escola é local de pluralidade. É local para compartilhar. É local para conviver. É local onde se constrói conhecimento científico, e ele deve ter o maior número de cores possível. Ao sair do mundo escolar, o aluno será reflexo não apenas do que viu, trabalhou, estudou, pesquisou na trajetória escolar, mas também de outras vivências e experiências.

*Amanda é jornalista e Professora de História, especialista em História da Arte e mestre em Educação.

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