O Instituto de Segurança Pública (ISP) do Governo do Rio de Janeiro lançou, na última semana, o Dossiê Mulher, um relatório anual que sistematiza os dados referentes aos registros de violência contra a mulher no ano de 2019.

O dossiê deixa claro que qualquer mulher independente de cor, idade ou classe pode ser vítima. A cada mês de 2019, foram mais de 10 mil que sofreram violência e sobreviveram a ela. Mas os dados apresentados escancaram que os riscos são muito mais elevados quando falamos de crianças, adolescentes e mulheres negras.

Por exemplo, quando falamos de estupro, meninas de até 17 anos são 70% das vítimas. Quando expandimos para outras formas de violência sexual, crianças e adolescentes continuam sendo a maioria absoluta das vítimas e, em quase 60% dos casos, a violência ocorre dentro de casa. Não podemos deixar de lembrar do caso da menina de 10 anos que, em decorrência de um estupro, engravidou e foi vítima de fanáticos que tentaram impedi-la de usufruir do direito a um aborto previsto em lei.

A cultura do estupro é muito mais profunda do que aparenta e remete à desconsideração da humanidade da mulher ou menina. É preciso, urgentemente, enfrentarmos isso.

A questão racial está em destaque no dossiê especialmente quando trata dos feminicídios. Quase 70% das vítimas deste crime são mulheres negras. Ao nos depararmos com este dado, é impossível não refletir sobre como o racismo, aliado ao machismo, contribui para que nós, mulheres negras, sejamos as que mais morrem por sermos o que somos.

Sabemos que o feminicídio, em regra, é o fim de um cruel ciclo de violência. O próprio dossiê destaca que a maioria dos feminicídios foi praticada por companheiros e ex-companheiros das vítimas, o que nos obriga a refletir se eventuais denúncias de violências anteriores poderiam evitar a morte dessas mulheres.

Sei que denunciar um companheiro é difícil. Eu mesma fui vitima de violência domística durante alguns anos e não tive coragem de denunciá-lo. Aquele período foi muito duro e marcou a minha vida e a de meus filhos, que presenciaram diversas violências que sofri. A dependência financeira que temos em relação a nossos companheiros (especialmente mulheres negras, que ganham menos que as brancas) torna essa denuncia quase que impossível, em alguns casos. E essa situação contribui muito para que sejamos, nós, as maiores vítimas.

As desigualdades raciais e de gênero na nossa sociedade são perceptíveis em todas as relações sociais.

Da disparidade salarial aos riscos de serem vítimas de violência (que podem estar associados) as mulheres negras estão sempre em situação desfavorável se comparadas a homens (brancos e negros) e mulheres brancas. Somos, de fato, a base da pirâmide social, sendo o segmento com maior número de pessoas e, ao mesmo tempo, com menos acesso a direitos, sofrendo com a opressão de gênero, raça e classe.

Por isso que, se quisermos pensar em um programa de redução da violência contra a mulher, é fundamental pensarmos em políticas públicas de distribuição de renda e redução das desigualdades de gênero e raça. O Estado tem responsabilidade com as nossas vidas e o Dossiê Mulher fornece muitos elementos de análise para a construção de uma política pública de segurança que não esteja pautada apenas na logica policial, mas também em políticas sociais que permitam a emancipação econômico-financeira destas mulheres, negras em sua maioria, como forma de interrupção dos ciclos de violência que podem terminar, tragicamente, em feminicídios.

 

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