No próximo sábado, 9 de novembro, as ruas de Curitiba (PR) serão tomadas por uma celebração à identidade negra na 9ª edição da Marcha do Orgulho Crespo. Criado em 2016 após um episódio de racismo vivido pela cantora Michele Mara, o evento foi inspirado pela iniciativa pioneira de São Paulo e tornou-se um importante ato de resistência e empoderamento da estética negra em uma das capitais mais brancas do país.
Em 2024, a data oficial do evento foi incluída no calendário municipal para o dia 12 de novembro, graças à Lei 12.555/2023, proposta pela então vereadora e atual deputada federal Carol Dartora (PT/PR), em parceria com outras parlamentares. Desde o início, a marcha é liderada por mulheres negras, consolidando-se como um espaço de visibilidade, acolhimento e afirmação da cultura negra.
“Ao celebrar a ancestralidade através da nossa estética, do cabelo crespo, o evento convida pessoas de diferentes origens a refletirem sobre suas identidades e o papel que desempenham na construção de uma sociedade mais justa”, afirma Mara, também Diretora de Produção do Marcha.
A programação é gratuita e inclui apresentações de teatro afro-infantil, rodas de conversa com mães pretas, oficinas de penteado afro e shows musicais. As atividades foram planejadas para fortalecer a aceitação da identidade negra e desafiar práticas discriminatórias.
Celebração e acolhimento da ancestralidade negra
Para Mara, o evento carrega o poder transformador da arte e da cultura, e a seleção de atrações reflete esse espírito, com propostas artísticas que celebram a ancestralidade negra.
Segundo a Diretora de Produção, a construção da Marcha foi pautada pela colaboração com diversas pessoas racializadas, em sua maioria mulheres negras, garantindo autenticidade e representatividade para a comunidade. Além disso, as discussões sobre temas contemporâneos, como o combate ao racismo estrutural e a luta por políticas públicas de igualdade racial, foram ampliadas na edição deste ano.
“A ideia é que as pessoas se sintam empoderadas, inspiradas e conectadas com suas raízes e com as histórias que esses artistas contam através de suas apresentações. Além disso, buscamos proporcionar um espaço de celebração e acolhimento, onde todos possam vivenciar a cultura negra de forma respeitosa e enriquecedora”, explica.
Uma das atrações é o grupo musical MUV (Movimento Uniformemente Variado), que traz em seu repertório uma fusão de samba, soul, jazz, salsa, funk tradicional e afoxé. Fundado há 25 anos no Rio de Janeiro e com sede em Curitiba desde 2005, o MUV foi idealizado pelo produtor musical, tecladista, compositor e arranjador Ricardo Verocay e pela cantora, compositora e atriz Kátia Drumond.
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O grupo se apresentará ao lado de Michele Mara, interpretando canções como ‘Orgulho Crespo’, faixa do EP Bairro Black, que homenageia bairros de Curitiba e destaca personalidades pretas que marcaram a história da cidade e do estado. Entre esses nomes estão Waltel Branco, Odelair Rodrigues, Laura Santos, Lápis, Saul Trumpet, Mãe Orminda, Isidoro Diniz, Danilo Avelleda, Geisa Costa, Enedina Alves Marques e Megg Rayara.
Em entrevista ao Catarinas, Kátia Drumond afirmou que participar de um evento como a Marcha do Orgulho Crespo em Curitiba é uma forma de dizer “não” ao racismo e afirmar a existência da população negra na cidade. “Estar aqui é dizer que existimos e queremos existir, e não apenas resistir. As pessoas não negras precisam entender que o racismo existe e que aqueles que desejam ser realmente antirracistas devem se unir para fortalecer eventos como este, em vez de criticá-los por acontecerem”, defende.
Drumond ressaltou que frequentemente há opiniões racistas sobre eventos como a marcha, que destacam a presença de pessoas negras — mulheres, homens, crianças e famílias negras que querem simplesmente existir.
“É sobre isso: existir e ter nossos cabelos, nossas coroas, firmes e fortes, da forma que quisermos. Sem nos intimidar por medo de sofrer racismo nas ruas ao usar nosso black power, dreads, tranças, ou nosso cabelo crespo, solto, lindo, leve e livre”.
Marcha é ponto de encontro e resistência em Curitiba
A inclusão da Marcha do Orgulho Crespo no calendário oficial de Curitiba é considerada uma conquista histórica, representando um avanço significativo no reconhecimento da cultura negra e na luta contra o racismo na capital paranaense. No entanto, os desafios ainda são grandes.
Carol Dartora, uma das proponentes da lei que oficializou a marcha, tem sido alvo de ataques racistas e misóginos em seu e-mail institucional — um reflexo do racismo enraizado no estado. Dados do Anuário de Segurança Pública 2024, divulgados em julho pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP), apontam o Paraná (1.606) entre os estados com mais registros de racismo em 2023, ficando atrás apenas do Rio Grande do Sul (2.857) e São Paulo (2.304).
Nesse contexto, a Marcha do Orgulho Crespo se fortalece como um ato de resistência. “É fundamental que esse evento tenha entrado no calendário oficial da cidade, pois precisamos de ações como essa para combater o racismo. Aqueles que se identificam como ativistas ou apoiadores da nossa causa devem se unir e fortalecer iniciativas assim”, afirma Kátia Drumond.
Para Michele Mara, Curitiba tem avançado nas discussões sobre diversidade e igualdade racial, mas ainda há muito a ser feito. Ela destaca que o evento busca provocar reflexões sobre os desafios ainda presentes em relação ao racismo, pois vai muito além da estética capilar: trata-se de identidade, de celebrar a existência de pessoas racializadas e da luta diária contra o racismo.
“O evento reflete Curitiba ao destacar sua diversidade social, estética e cultural, provocando reflexões sobre os desafios do racismo e da inclusão. A Marcha é um ponto de encontro para pessoas de diferentes origens, unidas não só para celebrar, mas também para reivindicar seus direitos”, conclui.
SERVIÇO – 9ª Marcha do Orgulho Crespo de Curitiba
Quando: 09 de novembro de 2024 (sábado)
Horário: a partir das 9h
Onde: Praça Santos Andrade (R. XV de Novembro, 2765)
Quanto: gratuito
Informações: instagram @orgulhocrespocwb