Saúde mental no esporte e a urgência por espaços seguros para pessoas LGBTQIA+
Da criação de um vestiário para pessoas trans ao enfrentamento da exclusão, Júlia Vergueiro nos convida a pensar: como construir espaços seguros no esporte?
“Se eu não sou acessível para todo mundo, eu não sou acessível.” A frase de Alexandre Kiyohara, gerente de Desenvolvimento Organizacional, Diversidade, Equidade e Inclusão da Wellhub, marcou sua participação na primeira edição do Nossa Pride, evento promovido pela Nossa Arena entre 12 e 14 de junho.
Ao falar sobre a presença da comunidade LGBTQIA+ no esporte, Kiyohara destacou a urgência de ocupar, com corpo e voz, um espaço que é de todos, mas que quase nunca é construído para todos — e lembrou que a falta de acessibilidade e pertencimento impacta diretamente a saúde mental de pessoas frequentemente silenciadas e invisibilizadas nos ambientes esportivos.
Ao mesmo tempo, quando há acolhimento, o esporte pode se tornar um potente instrumento de autoestima, bem-estar emocional e construção de redes de apoio.
Uma pesquisa da Out in Sports (2022) revelou que 81% de jovens LGBTQIA+ escondem sua identidade nesses espaços por medo de julgamentos. Já o levantamento do Instituto Global Athlete (2023) apontou que mais de 40% dos atletas da comunidade queer já sofreram discriminação no esporte. O estudo escancara um problema estrutural, com impactos emocionais profundos na saúde mental da comunidade.
Por outro lado, o esporte também é parte da solução. Segundo a Organização Mundial de Saúde (2024), a prática regular de atividade física pode reduzir sintomas de depressão e demência em até 32%, melhorar o sono e o humor geral.
Entre jovens trans e não-bináries, os ganhos são ainda mais expressivos. O estudo ‘’Sports Team Participation, Bias-Based Bullying, and Mental Health Among Transgender and Gender Diverse Adolescents’’ com participação de mais de 10 mil adolescentes norte-americanos, revelou que quem participa de equipes esportivas apresenta menor prevalência de sintomas depressivos e ansiosos, mesmo quando sofre preconceito motivado por identidade de gênero.
Dados do Center for American Progress mostram que atletas LGBTQIA+ relatam 20% menos sintomas de depressão que seus pares que não praticam esportes, e que a simples existência de políticas inclusivas reduz em 14 pontos percentuais a ideação suicida entre estudantes trans.
Durante o talk, que contou com os influenciadores Gabi Moretti e Luca Scarpelli, referências em pautas queer, discutiu-se como a acessibilidade no esporte deve ser tratada não só como respeito, mas como direito e incentivo à saúde da comunidade. Luca lembrou de pessoas que deixam de experimentar um esporte ou perseguir um sonho por medo de não serem acolhidas. “Precisamos combater isso”, afirmou.
Como construir esse acolhimento?
Dar corpo a esse acolhimento exige mais do que discursos. Um exemplo que temos dentro de cada é o vestiário para pessoas trans. Criado a partir de escuta ativa, o espaço tornou-se um dos poucos lugares onde muitas pessoas dizem sentir-se realmente seguras, além de ser uma forma de reforçar para todas as frequentadoras que pessoas trans são igualmente pertencentes por aqui. Já ouvimos relatos de pessoas que estavam jogando em outros centros esportivos, mas vieram até a Nossa Arena apenas para trocar de roupa, porque somente ali não se sentiam ameaçadas.
Saúde no esporte também é garantir pertencimento. É assegurar que todas as pessoas possam praticar atividade física com segurança, prazer e liberdade.
Construir ambientes onde ninguém precise deixar partes de si do lado de fora é, por definição, promover saúde mental: criar espaços em que o corpo relaxa, a mente encontra abrigo e a identidade não é motivo de risco, mas de cura.