Por que eu deixei de falar (apenas) sobre saúde mental durante o Setembro Amarelo
Dedicada à Prevenção ao Suicídio, a campanha visa colocar foco em sensibilizar a sociedade não apenas sobre a questão em si, mas sobre saúde mental como um todo. Porém, a conversa precisa ser mais ampla do que isso, principalmente quando falamos sobre a saúde mental de mulheres.
Desde que comecei a lidar com minhas próprias questões de saúde mental, passei a abordar com mais ênfase o assunto durante o Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao suicídio e valorização da vida que acontece no Brasil desde 2014, originado de uma iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Porém, com o passar dos anos, notei como a causa foi se tornando também uma forma de impulsionar agendas de sustentabilidade, inclusão e diversidade no âmbito corporativo e foi se distanciando de seu real objetivo também socialmente. É comum encontrarmos perfis com laços amarelos, postagens alertando sobre sintomas e frases como “você não está sozinha” ou “não há nada de errado em procurar ajuda” se espalhando por toda parte. Embora essas mensagens possam parecer solidárias e empáticas — e muitas vezes tenham essa intenção —, elas também podem soar superficiais.
Ao longo do ano vemos, no entanto, tal empatia ser substituída por posicionamentos bem menos acolhedores, tratando a questão como “falta do que fazer”, “falta de Deus”, “frescura”, “exagero”. Esses discursos minimizam uma luta e uma dor que afetam milhares de pessoas em todo o mundo, mas que se tornam ainda mais silenciosas quando o assunto é saúde mental feminina. Isso porque tudo que envolve tal aspecto da nossa saúde perpassa por diversas outras questões, como raça, classe e, claro, gênero, e que acabam por ser ignoradas em meio à onda amarela digital.
Na minha última coluna, abordei como existem estigmas quando falamos sobre neurodivergências em mulheres e como ainda é difícil conseguir encontrar um balanço entre navegar por normas sociais e apenas ser quem você é, sem precisar mascarar partes de si. No entanto, não é preciso ter alguma condição prévia para adoecermos.
Isso porque, como já sabemos, é esperado que mulheres cuidem. Que sejam apoio e deem conta de si mesmas e daqueles ao seu redor, algo agravado quando nos voltamos às mulheres negras e àquelas que possuem acesso limitado à saúde. E isso cobra seu preço, constantemente.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada cinco mulheres apresenta algum tipo de transtorno mental, sendo a depressão uma delas, atingindo cerca de mais do dobro de mulheres em relação aos homens com a doença. Dados do Ministério da Saúde, por outro lado, apontam que, de 2009 a 2018, os suicídios femininos aumentaram 45,7% – enquanto a média geral foi de 35,8%.
Com isso, retornamos à mesma questão: quem cuida de quem cuida? E, principalmente, será que quem cuida tem acesso ao cuidado? Por que abordamos saúde mental com tanta intensidade durante setembro, mas ignoramos a gama de problemáticas que existe por trás dessa questão e que faz com que mulheres adoeçam em silêncio, sem apoio e sem estruturas que de fato proporcionem ajuda, escuta e acolhimento?
São vários os motivos pelos quais deixei de falar sobre Setembro Amarelo ou, ao menos, apenas sobre saúde mental durante esse período. Um deles, naturalmente, é a glamourização que passou a existir em torno da campanha, levando-a, muitas vezes, a debates vazios que se resumem a textos ou postagens na internet. Porém, deixei de abordar o tema dentro desse foco principalmente porque saúde mental não é apenas transtornos, é um problema estrutural social, que impacta mulheres diversas de maneiras diferentes e precisa ter uma abordagem tão abrangente quanto às necessidades de cada uma.
Não adianta falar sobre saúde mental feminina quando temos mulheres exaustas cuidando da casa, dos filhos ou familiares – ou ambos -, trabalhando fora, muitas vezes enfrentando jornadas exaustivas, com trajetos que passam por horas em um transporte público lotado, e mal conseguem pensar em si mesmas ou em suas necessidades. Também não adianta ignorarmos os vários recortes existentes e as formas como eles afetam e estigmatizam a saúde mental feminina.
Se vamos falar sobre não estar sozinha ou poder pedir ajuda, precisamos verdadeiramente trazer tais questões para a conversa, visando mudanças estruturais. Precisamos discutir a sobrecarga que as mulheres enfrentam diariamente e entender como essas batalhas constantes impactam diretamente sua saúde mental. Também é preciso falar sobre a democratização do acesso a tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Não basta oferecer ajuda se ela não for acessível ou distribuída de forma justa e inclusiva para todas.
Ainda que Setembro Amarelo seja sobre saúde mental, não falo mais sobre a campanha sem antes falar sobre todas essas variáveis e tudo aquilo que está por trás da mesma. Da mesma forma que não se trata sintomas sem observar sua causa, da mesma forma que um problema com múltiplas origens não se resolve por meio de uma única solução. Enquanto não houver essa compreensão, corremos o risco de resumir uma campanha tão necessária a postagens em redes sociais ou laços amarelos por aí.
Importante: se você ou alguém que você conhece está passando por dificuldades emocionais, é essencial procurar ajuda profissional. No Brasil, o CVV oferece apoio emocional gratuito 24 horas por dia através do telefone 188 e do chat no site cvv.org.br.