ONU Mulheres reconhece movimentos “críticos de gênero” como extremistas antidireitos
No Mês do Orgulho, a entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres anunciou que os direitos trans não se opõem aos direitos das mulheres.
Em anúncio público para o Mês do Orgulho , a ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas responsável pelas questões globais das mulheres, apontou que os movimentos antidireitos têm sido ampliados e ganhado força em todo o mundo no que diz respeito aos direitos das pessoas LGBTQIA+, com foco explícito do viés antitrans. A organização destacou medidas e ações que estão sendo tomadas em vários países para atingir pessoas trans, mulheres e pessoas LGBTQIA+ com políticas e restrições abertamente discriminatórias.
Em 11 de junho, a ONU Mulheres postou em suas redes sociais sobre o aumento dos movimentos anti-LGBTQIA+, impulsionado por um crescimento de 50% no financiamento na última década.
A ONU Mulheres também chamou explicitamente vários movimentos de “antidireitos”, incluindo o movimento “antigênero” e o “crítico de gênero”, que enquadram os direitos das mulheres como estando em oposição às pessoas transgêneras.
O seguimento da ONU para as questões globais das mulheres destacou como os movimentos antidireitos estão ganhando força em todo o mundo, especialmente aqueles que tentam opor os direitos trans aos direitos das mulheres.
“Alguns tentam enquadrar os direitos humanos das pessoas trans como estando em conflito com os direitos das mulheres, por exemplo, afirmando que as mulheres trans representam uma ameaça aos direitos, espaços e segurança das mulheres cisgêneras”, afirma o anúncio.
Contudo, tais afirmações não têm base fatual quando são as pessoas transexuais que muitas vezes correm maior risco nesses espaços, e a retórica alimentada pelo ódio destes movimentos pode aumentar esse risco.
Talvez o mais impactante, porém, seja o relatório completo divulgado junto com o anúncio. No relatório, a ONU Mulheres chama explicitamente o movimento “crítico de gênero”, que tem adeptos infames como JKRowling e Elon Musk, que têm se declarado cada vez de forma mais aberta contra os direitos trans, como sendo um movimento extremista “antidireitos” semelhante ao “ativismo pelos direitos dos homens” em sua retórica.
Há uma longa tradição em que os movimentos antidireitos enquadram a igualdade para as mulheres e as pessoas LGBTIQIA+ como uma ameaça aos chamados valores familiares “tradicionais”.
Movimentos que englobam “antigênero”, “críticos de gênero” e “direitos dos homens” levaram isto a novos extremos, explorando receios mais amplos sobre o futuro da sociedade e acusando os movimentos feministas e LGBTIQIA+ de ameaçarem a própria civilização.
Os movimentos antidireitos têm pressionado por políticas e restrições abertamente discriminatórias aos serviços essenciais, e até mesmo pela criminalização de pessoas com base na sua orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero, real ou percebida.
Atualmente, o movimento “crítico de gênero” é mais ativo no Reino Unido. Recentemente, a Ministra Conservadora das Mulheres e da Igualdade, Kemi Badenoch, revelou que membros do movimento foram colocados em posições-chave na saúde para produzir o Cass Review, um relatório (cheio de fraudes e manipulações negacionistas) que resultou em ataques em larga escala a jovens trans e aos seus cuidados médicos no país.
Da mesma forma, o Reino Unido está atualmente a discutir sobre as tentativas de promover a terapia de conversão de jovens trans, proibir as pessoas trans de frequentar banheiro de acordo com seu gênero e excluir as mulheres trans das enfermarias femininas dos hospitais .
Nos Estados Unidos, os candidatos e legisladores republicanos aderiram a uma linguagem semelhante, aprovando “Declarações de Direitos das Mulheres” que contêm pouco sobre os direitos das mulheres, mas que visam, em vez disso, (negar) o acesso das mulheres trans aos banheiros e acabar completamente com o reconhecimento legal das pessoas transexuais.
Notavelmente, estes legisladores e as organizações que promovem os projetos de lei opõem-se frequentemente a muitas outras questões de direitos das mulheres, tais como o acesso aos cuidados de saúde reprodutiva, o direito ao aborto e a licença familiar remunerada.
A violência contra pessoas trans é uma realidade alarmante, com índices de violência extrema sendo relatados globalmente. Essa violência contribui para o medo que impede as pessoas trans de acessar espaços públicos e participar plenamente da sociedade.
O medo de violência limita a capacidade das pessoas trans de se movimentar livremente e acessar serviços essenciais. A constante ameaça de discriminação e violência leva ao isolamento social, afetando negativamente o bem-estar mental e emocional.
A resistência contra a agenda antigênero requer vigilância constante e um compromisso firme por parte de todos os setores da sociedade, incluindo o Judiciário, legisladores e a comunidade em geral.
O cenário descrito no texto da ONU Mulheres evidencia um ambiente político e social hostil para a comunidade trans, marcado por legislações discriminatórias e altos índices de violência. A defesa de seus direitos é uma questão de urgência e humanização, não apenas de técnica legal. A luta pela inclusão e pela proteção dos direitos trans é, fundamentalmente, uma luta pela dignidade e pelo direito a uma vida plena para todas as pessoas.
E neste ponto, a organização de forma muito assertiva toma a iniciativa de declarar os movimentos “críticos de gênero” como um movimento antidireitos, e isso é essencial na luta contra as fakenews que tentam criminalizar pessoas trans e afastá-las dos espaços públicos, as colocando como inimigas das mulheres.
Nos últimos anos, a Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Violência Contra as Mulheres, Reem Alsalem, vem apoiando questões abertamente antitrans alinhadas ao terfismo e aos movimentos “críticos de gênero” e foi elogiada pelos apoiantes ligados a grupos antitrans e cis-ativistas por o fazer.
Ações tomadas por Alsalem incluem a oposição às políticas de Biden para jovens transgêneros nos EUA e ao apoio da Organização Mundial da Saúde à identidade de gênero autodeterminada.
Além disso, esses movimentos se posicionam contra as políticas de autodeterminação de gênero e leis que garantem esse direito, como na Escócia e na Espanha. Enviaram cartas expressando “preocupação com o risco para mulheres cisgêneras” e têm realizado um intenso lobby para impedir que os direitos das pessoas trans sejam incorporados em espaços destinados às mulheres.
Nestas políticas, Alsalem enquadra explicitamente os direitos das mulheres e a segurança dos espaços das mulheres como estando em campos opostos com a inclusão trans. Alsalem também tem historicamente compartilhado conteúdo de organizações anti-LGBTQIA+ de extrema direita, como a Alliance Defending Freedom International, que promove políticas anti-LGBTQIA+ em todo o mundo. Assim como no Brasil, ela havia organizado visita ao país durante o governo Bolsonaro, que acabou sendo adiada.
E ainda de acordo com Nota pública do Conselho Nacional pelos Direitos LGBTQIA+, “em mais de uma ocasião a relatora tem proposto e defendido políticas de proteção às meninas e mulheres ‘baseadas no sexo’, assim como a defesa da criação de ‘espaços segregados com base no sexo’ e a imposição de diversas barreiras à autodeterminação de gênero. Suas declarações têm contribuído para perpetuar mitos (e mentiras) sobre o conceito de gênero, propagar desinformação sobre ‘cirurgias para crianças trans’ que, como se sabe, são proibidas no Brasil e nunca foram defendidas por movimentos LGBTQIA+.”
As Nações Unidas têm um papel importante a desempenhar nos próximos anos para combater a desinformação internacional sobre as pessoas LGBTQIA+, especialmente os indivíduos transgênero, inclusive para impedir retrocessos ou o fortalecimento de ideais antigênero que tem avançado em outros espaços.
Organizações de ódio designadas pelo SPLC, como a Society for Evidence in Gender Medicine e a Genspect, e a WDI e LGB Alliance (que tem representações no Brasil), ganharam poder e operam em vários países para se oporem aos direitos dos transgêneros. E as vitórias dessas ideias obtidas num país estão sendo utilizadas como justificação para que outros países sigam o exemplo.
Nos EUA e UK, assim como no Brasil, eles também são usados em disputas judiciais e audiências legislativas sobre os direitos dos transgêneros.
Essa declaração da ONU Mulheres sinaliza que os ataques internacionais contra pessoas trans estão começando a ser reconhecidos por uma das organizações internacionais mais importantes do mundo. Esse reconhecimento pode ser um passo crucial para ativar sinais de alerta, denunciar a urgência de proteção específica contra as redes de ódio antitrans e combater novos ataques.
Chamo atenção que na observações contidas no relatório do Comitê Cedaw sobre a revisão do Brasil, o colegiado expressa preocupação com a alta prevalência de violência de gênero contra mulheres, destacando especialmente a violência e os homicídios de mulheres lésbicas, bissexuais, transgêneras e intersexuais, particularmente as negras.
O relatório menciona, ainda, que o Brasil tem o maior número de pessoas trans assassinadas no mundo, bem como a estigmatização, a falta de proteção e as baixas taxas de processamento e condenação em tais casos.
As recomendações destacam a necessidade de fortalecer programas para fornecer alternativas de renda e trabalho decente, focando especialmente em mulheres transgêneras e outros grupos vulneráveis ao tráfico e exploração na prostituição. Enfatizam a importância de ações específicas contra a violência e discriminação, promovendo políticas inclusivas e recursos adequados para prevenir e punir crimes de ódio.
O Comentário Geral No. 28 (2010) do Comitê CEDAW reforça que os Estados devem adotar políticas para eliminar a discriminação interseccional, incluindo a baseada na identidade de gênero, garantindo assim a proteção de todas as mulheres.
Assim, tendo sido reconhecidos e nomeados como extremistas antidireitos aqueles que se autodeclaram nossos inimigos, podemos planejar estratégias conjuntas entre mulheres para afastar de nossos espaços aqueles que promovem a agenda antigênero. Isso inclui combater a transfobia, que tem unido a extrema direita, figuras públicas conservadoras e grupos feministas cissexistas.
Muitos desses grupos, que alegam proteger a infância e a maternidade, na verdade atacam exclusivamente os direitos trans, como já denunciado por diversos ativistas pelo riscos que isso põe aos direitos das mulheres por estarem alinhados com a extrema direita.
É notório que todos nós já nos deparamos com essas pessoas, seja nas redes sociais ou em espaços de organização coletiva de mulheres. Elas não estão conosco, mas estão em nossos espaços. E precisamos seguir alertas em relação a isso.