Economia invisível: o futuro incerto das mulheres que cuidam
Sabemos que as mulheres perdem oportunidades por conta do trabalho do cuidado e que estão exaustas, mas como mudar este cenário?
Recentemente, ao refletir sobre a economia do cuidado e os seus impactos sobre a vida das mulheres que dedicam uma vida toda a cuidar sem serem remuneradas por isso, fui buscar maiores informações sobre direitos que garantem um futuro seguro e minimamente confortável a quem não pode atuar em trabalhos externos. Invisíveis para o mercado, reforcei o que já sabia: elas são também invisíveis em seus direitos.
Segundo o estudo Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil, realizado pelo IBGE e publicado em março de 2024, apenas 56% das mulheres entre 25 a 54 anos com crianças de até 6 anos estavam empregadas em 2022.
Já um levantamento do laboratório de estudos PUCRS Data Social, com base em microdados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), revela que a presença de mais filhos afasta 40% das mulheres do mercado de trabalho. Ou seja, mesmo após terem participado do mercado de trabalho, as mulheres, especialmente as mães, enfrentam o risco de não conseguirem retornar a ele.
Fica o questionamento: caso elas de fato não consigam ou jamais tenham tido um trabalho remunerado, quem garante sua estabilidade, segurança e independência financeira no futuro?
Sem uma renda fixa e, em muitos casos, dependentes de maridos ou outros familiares, como essas mulheres, que não têm remuneração pelo exaustivo trabalho doméstico e de cuidado, chegarão à velhice?
Digo isso porque, no Brasil, ainda que seja possível a uma dona de casa, leia-se trabalhadora sem remuneração, se aposentar, muitos são os obstáculos para chegar lá. Para que tenham direito à aposentadoria pelo INSS, essas mulheres precisam aderir à contribuição facultativa.
Ou seja, elas devem pagar a previdência social de maneira opcional para que, dessa forma, tenham direito à aposentadoria. O problema é como demandar uma contribuição de quem nunca foi remunerada. Complexo, certo?
Dentre as opções de contribuição existentes, existe a chamada de “plano facultativo de baixa renda”, que permite que mulheres de famílias de baixa renda contribuam para o INSS com uma alíquota de 5% do salário mínimo, desde que cumpram requisitos como ter uma renda familiar mensal de até dois salários mínimos e estejam inscritas no CadÚnico. Problema resolvido, então, certo? Não, muito pelo contrário.
Isso porque não questiono aqui as possibilidades existentes. A transformação na valorização do trabalho do cuidado é algo que deve vir de uma mudança estrutural social a partir da maneira com que esse tipo de trabalho é visto e valorizado. E é aí que entra o meu questionamento inicial.
Nós falamos sobre economia do cuidado, temos dados sobre como mulheres perdem oportunidades por conta do tempo que precisam dedicar às tarefas domésticas e à família e sobre como estão exaustas, mas quais são as ações práticas para superar isso?
Não podemos manter o debate entre nós e entre números. Enquanto dados cada vez mais frustrantes sobre o tema são revelados, mulheres ao redor do Brasil veem o tempo passar sem ter garantias de que poderão chegar a um futuro tranquilo em que não precisem depender de familiares para ter o mínimo de dignidade. Em meio ao trabalho do cuidado está não apenas o isolamento, desvalorização e ostracismo, mas também a incerteza.
Não basta somente abordarmos a questão e concordamos que, sim, essas mulheres são responsáveis pela manutenção de tudo que faz a sociedade funcionar e que são invisibilizadas em sua função, é preciso também trazer a conversa para o que pode ser feito para superar isso.
Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, o FGV IBRE, o trabalho doméstico não remunerado, se contabilizado, aumentaria em 13% o PIB do país. Dentro dele, estaria a soma de serviços como lavar, passar, cozinhar, cuidar de idosos ou crianças, entre outros.
Já existem debates sobre a remuneração para funções envolvidas no trabalho do cuidado e a inclusão do trabalho doméstico no PIB não é algo tão distante da realidade. O Projeto de Lei 638/19, proposto pela deputada Luizianne Lins (PT/CE), que tramita na Câmara dos Deputados, sugere a implantação da economia do cuidado no sistema de contas, com relatórios semestrais.
Não se trata de uma utopia, mas de uma necessidade. O problema, no entanto, é que nos acostumamos de tal maneira a ver mulheres exercendo essas funções sem serem valorizadas e remuneradas que propostas como a do Projeto de Lei mencionado parecem surreais ou até mesmo pouco importantes. Daí a necessidade de não somente repercutirmos dados e falarmos a respeito, mas buscarmos uma conscientização coletiva a respeito do tema.
Mulheres cuidam e são cobradas por cuidar, mas não veem o retorno por isso e, enquanto colocamos suas vivências em dados e porcentagens, elas vão se exaurindo e se distanciando de uma independência que deveria ser delas desde o início. Há quem opte por se dedicar ao cuidado da casa e dos filhos, o que pode ser uma escolha pautada a partir de um ambiente seguro e com base em acordos feitos dentro de um relacionamento. Porém, sabemos que essa não é a realidade da maioria.
Depender financeiramente de outra pessoa não somente impacta no futuro e autoestima daquelas que não têm suporte, mas amplia riscos de violência doméstica e a permanência em relacionamentos abusivos, por exemplo. Logo, não se trata “apenas” de dinheiro, mas de questões muito mais amplas. Então, da próxima vez em que falarmos sobre trabalho do cuidado ou nos depararmos com dados, lembremos que não há tempo para mais análises e a hora dessa transformação acontecer é agora.