Por Halana Faria.

É preciso coragem para questionar a máxima “melhor prevenir do que remediar”. Ousadia para criticar uma campanha que recebe apoio financeiro e deixa coloridas empresas, órgãos públicos e monumentos em nossas cidades. E delicadeza para tocar na dor de pessoas que perderam amigas e familiares para um câncer de mama,  para dizer que o caminho atualmente apresentado para prevenção, não é verdadeiramente bom para todas nós.

Essa tarefa é ainda mais difícil por estarmos em um país onde saúde e lucro andam de mãos dadas. Não é nenhuma novidade como a indústria de exames de imagem pode ser lucrativa. Também pode-se perceber facilmente um conflito de interesses no fato de que o “outubro rosa” de várias cidades seja financiado por laboratórios farmacêuticos. Em países onde essa relação promíscua inexiste (pelo menos não de forma tão evidente), o rastreio de mulheres com mamografia tem sido desaconselhado por salvar poucas mulheres e ainda causar dano a muitas. Ver Mamografia na Berlinda.

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Há algum tempo sabe-se que o benefício atribuído a mamografia não é tão evidente como se pretende fazer acreditar. Veja o quadro abaixo. A cada 1000 mulheres que não realizaram o rastreio com mamografia bianual, 5 mulheres morreram de câncer de mama. No grupo que realizou o rastreio com mamografias  (entre 50 e 69 a cada 2 anos) 4 mulheres morreram. Ou seja, uma redução do risco relativo de 20%, de 5 para 4 mulheres. No entanto, o que chama atenção é o grande número de mulheres que tiveram diagnósticos falso positivos com consequente preocupações e intervenções desnecessárias, 100 a cada 1000 mulheres rastreadas.

 

“Assim, as promessas que promoveram a mamografia parecem estar todas equivocadas. Na verdade, não prolonga a vida das mulheres, aumenta o número de mastectomias e os tumores são identificados tardiamente. Além do mais, há tantos sobre diagnósticos* e falsos positivos, que o melhor que uma mulher pode fazer para diminuir seu risco de se tornar uma paciente com câncer é evitar o rastreio, o que diminuirá tal risco em 1/3”.

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Devemos começar a questionar nossos médicos e serviços de saúde sobre os benefícios reais do rastreio com mamografia, tanto quanto dos ultrassons transvaginais (que não diminuem mortalidade por câncer de ovário), de tireoide (que só aumenta a retirada desnecessária de nódulos), perfis hormonais (que não servem para muita coisa), para que possamos começar a fazer escolhas informadas.

Além disso, seria mais adequado que uma campanha que pretende a conscientização das mulheres sobre o câncer de mama, focasse em medidas de prevenção primária ao invés da ampla apologia ao rastreio com mamografia, que chega a ser recomendada em algumas propagandas, a partir dos 35 anos (!)

Controlar peso corporal, cultivar boa saúde mental, amamentar, evitar terapia de reposição hormonal na menopausa, evitar xenoestrógenos ** e alimentos contaminados com agrotóxicos são fatores que podem proteger contra o câncer de mama.  Fatores que não dependem somente de práticas individuais mas de políticas públicas que promovam  justiça social e uma vida saudável.

* sobrediagnóstico: diagnóstico de uma doença que nunca provocará sintomas ou a morte de um(a) paciente. Assim,  converte as pessoas em pacientes sem necessidade, levando a tratamentos sem qualquer benefício.

** xenoestrógenos: estrogênios produzidos pela indústria quimica. Liberados por exemplo no aquecimento ou resfriamento de embalagens plásticas (não há evidências concretas ainda sobre sua implicação no câncer de mama, mas inúmeras pesquisas sendo realizadas).

Fontes de pesquisa:
http://nordic.cochrane.org/rastreio-do-cancro-da-mama-atrav%C3%A9s-de-mamografia

http://www.actasanitaria.com/mamografias-y-cancer-de-mama-informacion-imprescindible/

http://www.bmj.com/content/346/bmj.f385

https://www.youtube.com/watch?v=3QPZfcYTUaA&feature=youtu.be

Halana Faria é médica ginecologista e obstetra.

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