Por Bruna Mello, da Amazônia Real*.
Houve 1,32 assassinatos de mulheres por 100 mil mulheres, atrás apenas do Mato Grosso
Rio Branco (AC) – De março, quando foi decretada a pandemia da Covid-19 no mundo, a agosto, o Acre registrou seis feminicídios, mantendo-o entre os Estados que mais matam mulheres no Brasil. No último quadrimestre, quando a população permaneceu no isolamento social por causa da pandemia do novo coronavírus, houve mais dois assassinatos.
“Hoje, o Acre é o estado menos seguro para mulheres. O feminicídio é o último grau da violência contra mulher, mas temos vários níveis de agressão, física, psicológica e moral. Se nós lideramos o ranking de feminicídio, você imagina os estágios anteriores”, diz a procuradora de Justiça Patrícia Rêgo. Há três anos, o Acre lidera o ranking de feminicídio do Brasil, considerando proporcionalmente à população feminina no estado, que é de 453 mil mulheres, segundo dados do IBGE de 2020.
No segundo monitoramento da série Um vírus e duas guerras, que traz dados de 19 estados e mais o Distrito Federal, o Acre apresentou 1,32 feminicídios por 100 mil mulheres, entre março e agosto. No período mais recente, de maio a agosto, a taxa caiu para 0,44 feminicídios por 100 mil habitantes, fazendo com que o Acre figurasse entre os 13 que mais mataram mulheres durante a pandemia. O Estado em primeiro lugar nesse ranking é o Mato Grosso com uma taxa de 1,72, o terceiro é Mato Grosso do Sul com 1,16. A média é de 0,56 feminicídios por 100 mil. Leia a reportagem que abre a segunda série.
“É uma estatística que não dá mais pra gente conviver, é intolerável. Elas morrem por serem mulheres. Estão dentro de casa, no lugar que deveria, via de regra, ser mais seguro”, disse a procuradora Patrícia Rêgo, coordenadora do Centro de Atendimento à Vítima (CAV).
“As mulheres conviveram mais tempo com o agressor e houve uma série de outros ingredientes, como o aumento de bebidas e outras drogas, a questão do estresse em razão do financeiro, muita gente perdeu o emprego, e teve o próprio estresse da pandemia. Tudo isso são ingredientes que fomentam essa violência. Além disso, os canais de comunicação de denúncia, diminuíram porque houve uma redução no serviço público, atendimento presencial”, esclarece.
Leia mais
O monitoramento da violência doméstica durante a pandemia nas cinco regiões do País é uma parceria inédita entre as mídias independentes Amazônia Real, sediada no Amazonas; Agência Eco Nordeste, no Ceará; #Colabora, no Rio de Janeiro; Marco Zero Conteúdo, em Pernambuco, Portal Catarinas, em Santa Catarina; AzMina e Ponte Jornalismo, em São Paulo. A série Um vírus e duas guerras tem o objetivo de visibilizar esse fenômeno silencioso, fortalecer a rede de apoio e fomentar o debate sobre a criação ou manutenção de políticas públicas de prevenção à violência de gênero no Brasil.
Em maio, Maria Antônia Saboia da Silva, 30 anos, foi morta com vários golpes de faca, no município de Manoel Urbano, no interior do Acre. O acusado do crime é o marido, Andreci Paulo de Amorim, de 29 anos, que assassinou a mulher na frente dos filhos. Segundo a família, ela queria terminar o relacionamento, mas não conseguia.
Dados da Secretaria de Segurança do Acre indicam que cinco mulheres foram vítimas de feminicídio entre janeiro e agosto de 2019. Neste ano, o número de mulheres assassinadas subiu para 8 – cresceu 60%.
Durante a pandemia, o Acre viu uma rede de proteção à mulher se tornar mais articulada, incluindo os sistemas de Justiça e assistencial. Foram criadas alternativas de canais de denúncia, amparo, assistência e enfrentamento da violência contra a mulher. O Ministério Público estadual criou um aplicativo para facilitar as denúncias de violência contra mulheres, violência sexual e LGBTIfobia.
Iniciativas como essas estão apenas no início para um Estado que ainda é o com menos atendimentos de denúncias desse tipo de violência, conforme dados do balanço anual da Central de Atendimento à Mulher no ano de 2019, divulgados em junho, pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O Acre apresentou a menor taxa do País com 17,26 para cada 100 mil habitantes. Das ligações, 13,92 são diretamente relacionadas à violência doméstica.
Para a ativista feminista Maria Mereilles, o Estado precisa investir em educação e também nas políticas públicas. “As mulheres não se sentem protegidas. Mulheres são assassinadas mesmo estando em medida protetiva, que teoricamente impediria o agressor de se aproximar. As crianças ainda são educadas de uma maneira machista, sexista, em que o gênero feminino está sempre em uma condição de inferioridade. A violência é cultura, é ensinada e repassada de pais para filhos”, diz ela.
Maria Meirelles entende que é muito complicado romper o ciclo de violência doméstica, porque muitas vezes é a própria sociedade que criminaliza a vítima. “É comum as pessoas dizerem assim: ‘Ah, apanhou porque gosta’. Na grande parte das vezes, aquele agressor é o provedor daquele lar ou há dependência emocional”, contou.
* A série Um Vírus e Duas Guerras vai monitorar até o final de 2020 os casos de feminicídio e de violência doméstica no período da pandemia. O objetivo é visibilizar esse fenômeno silencioso, fortalecer a rede de apoio e fomentar o debate sobre a criação ou manutenção de políticas públicas de prevenção à violência de gênero no Brasil. Parceria colaborativa entre as mídias independentes Amazônia Real, AzMina, #Colabora, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo.