“Eu queria estar estudando, mas não posso, porque meu irmão de quatro anos depende de mim e eu preciso garantir que ele tenha o que comer, cresça bem e não vá parar no mesmo lugar que minha mãe está”. A sessão já se encaminhava para o seu encerramento, quando as palavras de Kaylla Wagenfuehr Miranda, 20 anos, ecoaram no Plenarinho, na noite da última terça-feira(14).

Por volta de 18 horas, os espaços foram sendo ocupados e a deputada Ada de Luca (MDB) abriu a audiência pública na Assembleia Legislativa, em Florianópolis. A discussão era sobre as condições de saúde materno-infantil nas penitenciárias e a aplicação do Habeas Corpus Coletivo. Concedido em fevereiro de 2018, pelo Supremo Tribunal Federal, o benefício garante às mulheres gestantes e/ou com filhas/os de até 12 anos de idade a substituição da pena provisória pela pena domiciliar. Contudo, somente no Estado de Santa Catarina, ainda há 161 mulheres presas em regime fechado enquanto aguardam julgamento. Situação que compromete os lares, de acordo com a socióloga Marinês da Rosa: “vivemos numa sociedade machista que sobrecarrega uma responsabilidade maior às mães, quando elas são presas a família é desestruturada e isso se torna um problema social”.

Daniela Rosendo, como representante da sociedade civil, foi quem solicitou a audiência./Foto: Alice Sima.

Em seguida, Daniela Rosendo, coordenadora de Direitos Humanos e Educação do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), tomou seu lugar a mesa para conduzir a sessão. Após apresentações de algumas autoridades do Estado, o público assistiu o mini-documentário: Mulheres no cárcere: onde estão suas/seus filhas e filhos? que contou a história de Diane. Mãe de dois filhos, teve a prisão provisória substituída pela prisão domiciliar com o acompanhamento do IDDH e da Clínica de Direitos Humanos da UNIVILLE.  

Suiany Zimermann Bail, assessora de projetos da IDDH, também esteve presente na audiência e explicitou as etapas do projeto Mulheres no cárcere: onde estão suas/seus filhas e filhos? realizado pelas duas instituições. Com início em fevereiro de 2018, previsto para encerrar em julho deste ano, o programa mapeou a situação das mulheres grávidas, puérperas e mães que estavam em unidades prisionais. Criaram uma série de atividades de empoderamento a essas mulheres, mas somente a primeira oficina foi realizada, as demais foram canceladas sem justificativa pelas direções das unidades prisionais. Demais atividades como campanhas nas mídias sociais ainda estão sendo realizadas, bem como, a própria audiência pública.

Entretanto, após o mapeamento de alguns casos, o projeto encontrou mais casos de negativas nos pedidos de substituição de prisão preventiva pela domiciliar. Jonathan Francisco, advogado que integrou a Clínica de Direitos Humanos da UNIVILLE apresentou os números do levantamento, no qual mostrou que mais de 80% dos pedidos de substituição de pena foram negados, ou seja, a existência da lei não garante que ela seja executada. Entre os resultados do projeto, alguns dados do estado também se assemelham à situação nacional, principalmente, com relação aos perfis das mulheres. A maioria é negra e parda, tem entre 18 e 24 anos e ensino fundamental incompleto. Características que determinam uma justiça classista e racista estrutural. Muitos dados solicitados pelos grupos do projeto não foram respondidos pelos órgãos responsáveis.

Autoridades do Estado também fizeram suas considerações sobre o tema./ Foto: Alice Sima.

Se for aplicada na prática, a decisão aprovada em fevereiro de 2018 pelo Supremo Tribunal Federal que busca garantir a seguridade do direito à infância digna e do desencarceramento em massa de mulheres, marcará um grande avanço no  reconhecimento de direitos dessa população.

Eloísa Machado de Almeida, integrante do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), grupo que entrou com o pedido de Habeas Corpus ao STF, em sua participação por vídeo, revelou que alguns juízes e juízas ainda ousam questionar a maternidade ou mesmo a necessidade dessa mãe para essas/es filhas e filhos. A advogada explica que o pedido do grupo de advogados ao Supremo Tribunal Federal, era de liberdade para essas mães e não apenas de substituição de pena. Ela comemora o número de 5.500 mulheres que já foram libertadas, mas ainda luta pela libertação das outras 9 mil que se encontram presas, mesmo dentro das condições que garantem sua liberdade. Antes de encerrar sua participação à distância na audiência a advogada conta que um outro Habeas Corpus está em andamento para que os homens também possam acessar o direito.

Em janeiro de 2018, o Ministério da Justiça, em parceria com o Governo do Estado de Santa Catarina e o Tribunal de Justiça lançaram o projeto Mulheres Livres. O objetivo do programa é desencarcerar essas mulheres e garantir proteção social. E, após a soltura dessas mães, oferecer assistências jurídicas e treinamentos para que elas possam se tornar independentes financeiramente, conforme nota disponível no site da Secretaria de Justiça e Cidadania (SJC). Na audiência, Juliana Campos, da SJC expôs alguns resultados do programa. Principalmente, com relação a construção de creches, ambientes mais acolhedores nas penitenciárias e à liberdade dessas mulheres. De acordo com a apresentação, em 14 meses, 312 mulheres saíram do sistema penitenciário no estado. Contudo, a sugestão das especialistas que discutiam o tema e do público é de que o programa seja ampliado e divulgado para que possa caminhar em conjunto com ações de outras instituições.

Os encaminhamentos foram recebidos pela deputada Ada De Luca (MDB) e serão levados aos órgãos responsáveis. A assembleia não teve a presença de nenhuma mãe nas condições que foram discutidas, mas todos os olhos se voltaram para Kaylla. Ela é filha e é irmã. Ela precisa diariamente contar para seu irmão que sua mãe está viajando, mas que ela ama-o muito, independente de quanto tempo demorar para ela voltar.

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