Josiane Lima é atleta absoluta do esporte paralímpico no país desde 2006 e já tem vaga garantida para Tóquio 2020, mas diz não ganhar a visibilidade merecida.
Por Laura Sfreddo*.
De 2006 até o momento, Josiane Lima, de 46 anos, é atleta absoluta de remo paralímpico no Brasil e conquistou com seu parceiro a única medalha olímpica do esporte do país, um terceiro lugar nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2008 em Pequim. Além disso, participou de Londres 2012 e Rio 2016 e é a única mulher do esporte no Brasil a já ter vaga garantida para Tóquio 2020, que ocorrerá entre 24 de agosto e 5 de setembro de 2021. A opção do Comitê Olímpico Internacional foi manter a identidade visual já usada desde 2013, quando a cidade foi escolhida como sede, por isso “Tóquio 2020”.
Ser atleta de outro esporte que não seja o futebol (masculino) é uma luta diária no Brasil. A batalha incansável por recursos, reconhecimento e evidência é constante, mesmo quando medalhas em campeonatos mundiais são conquistadas. Se um jogador (homem) de futebol da seleção brasileira conquista uma mísera competição do outro lado do mundo, em questão de segundos já está em diversos sites de notícias. Aqui, nos perguntamos: quantos atletas brasileiras/os de outros tantos esportes existentes não ganham a visibilidade merecida?
Essa é a maior dificuldade de Josiane, de 46 anos, atleta paralímpica de Remo desde março de 2006 e que iniciou no esporte após sofrer um acidente de moto e perder a mobilidade da perna esquerda. Dona da única medalha do Brasil em Jogos Olímpicos no esporte, campeã do mundo e com três medalhas da competição, pentacampeã mundial de Remo Indoor, quinta do mundo no ranking mundial e atleta absoluta do esporte paralímpico no país há 16 anos, ainda enfrenta a desvalorização.
“Eu vejo que não tenho a representatividade e o reconhecimento que deveria ter para todas as mulheres, mesmo diante de tudo o que já fiz e para o que eu represento para o Brasil.”
Ao mesmo tempo em que não recebe os olhares devidos, Josiane ainda precisa lidar com o estereótipo imposto por esse esporte no país. O Remo no Brasil se especializou em peso leve, tendo em vista que há poucas/os atletas com estatura alta e, quando há, são direcionados para esportes como Basquetebol e Voleibol. Por isso, os remadores olímpicos são muito magros e obrigados a baterem o peso antes das competições. “Já vi situações em que os atletas passam mal, provocando vômito para bater o peso”, conta.
Diante disso, a atleta se questiona se essa falta de representatividade no país é em decorrência do rótulo imposto. “Não sei se é porque agora já tenho 46 anos e, de repente, não tenho mais a imagem que eles gostariam que fosse de alguém mais jovem. Sou uma pessoa que tem um corpo mais forte, sou mesoformo, mais truncada”, explica. Se essa desvalorização tem motivo, ela ainda não tem certeza, mas o que observa é que a Confederação Brasileira de Remo não tem divulgado mais suas imagens, “porque pareço acima do peso”.
No entanto, diferente do remo olímpico, o barco paralímpico é mais pesado, precisando ter mais força e massa muscular. Mas, mesmo assim, a cada ano que passa ela tem a sensação de que é mais esquecida. “Eles vão escondendo a minha história, minha medalha quase não aparece. Se não fosse por essa conquista, eu já não apareceria mais.”
Essa falta de visibilidade vem sendo sentida por Josiane desde o começo da carreira como atleta de Remo. Ela relembra que quando ganhou o primeiro Campeonato Mundial, em 2007, na Alemanha, se sentiu valorizada, mas somente pelo movimento das pessoas com deficiência. Quando chegou no aeroporto de Florianópolis, a Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (Aflodef) tinha organizado uma carreata com o caminhão do Corpo de Bombeiros. No entanto, não teve reconhecimento no seu clube e Confederação Brasileira de Remo. “Algum tempo depois que a minha medalha nesse campeonato foi reconhecida e incluíram uma estrela no brasão da bandeira do meu clube em referência a medalha de ouro”, destaca.
Quando ganhou a medalha olímpica em 2008, a maior conquista da carreira dela, chegou no Brasil e se sentiu desprestigiada. “Eu estava super chateada, porque parecia um sonho que tinha acontecido na China e, quando cheguei aqui, estava tudo igual, na mesma rotina, não teve nenhuma repercussão”, conta. No Rio 2016, a Tocha Olímpica passou por Florianópolis e Josiane não foi convocada para o revezamento “apesar de ser até hoje a única mulher com medalha no Remo em Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Brasil”. Para ela, a única justificativa é a discriminação contra pessoa com deficiência, misoginia e homofobia, já que ela faz parte da comunidade LGBTQIA+. Nada mais justifica me excluir daquele evento”, completa.
Mesmo perante os enormes desafios de se manter no esporte, a desigualdade de gênero assombra as mulheres em todas as modalidades, tanto Olímpicas, quanto Paralímpicas. “Em várias ações vemos essa diferença, discriminação e supervalorização do masculino em detrimento do feminino”, pontua Josiane. Fora do Brasil, o reconhecimento é visível, tendo em vista o esforço da Federação Internacional de Remo, a qual faz políticas específicas para a promoção e integração das mulheres no esporte. “Eles estão abrindo mais espaços, porque somos sufocadas mesmo.”
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Por exemplo, caso não houvesse a regra de que o barco de conjuntos paralímpicos seja composto metade por mulheres, “quem estaria lá representando seria só um barco masculino”. Josiane relata que, desde 2016, quando perderam a opção de disputar em barco de quatro pessoas, sendo dois homens e duas mulheres, ficou só ela com a presença feminina. Com essa falta, ela relata ter sido difícil, mesmo estando ao lado de pessoas que a respeitam.
Nesse sentido, a atleta contextualiza já ter presenciado situações de cunho machista, momentos em que teve que intervir, gerando discussões. Uma das situações que relembra foi durante uma competição na Europa, em que estavam dentro da van indo para o treino. “Passou uma mulher na frente e os atletas e técnicos assediaram, com os olhos mesmo, e fazendo comentários. É extremamente constrangedor, porque lá fora os homens não tomam essas atitudes. Já deu muita briga por causa disso, de exigir respeito”, recorda.
Para as mulheres que estão inseridas no esporte, ela aconselha a seguirem o sonho, a fazerem um planejamento e se cuidarem, inclusive em relação ao planejamento familiar. “Se não tem intenção de ter filhos, faça o cuidado devido, buscando o comprometimento do parceiro, porque é muito cruel o que fazem com as mulheres de ficar só nela a responsabilidade do controle de métodos contraceptivos”, salienta. Além disso, ela sugere descobrir onde está a motivação, o que leva à satisfação. “Para mim, foi muito trabalhoso e com muita dedicação, mas não virou um peso porque não era um sacrifício, eu fazia com prazer”, completa.
Os passos em direção à medalha olímpica
O caminho feito por Josiane até chegar a conquista da medalha de bronze nos Jogos Paralímpicos de 2008 pode ser resumido por uma palavra: superação. Isso porque a atleta enfrentou diversos desafios, começando pelo acidente em que perdeu a mobilidade na perna esquerda.
Desde pequena, Josiane esteve inserida no mundo dos esportes. Já passou, por exemplo, pelo voleibol, judô, atletismo e se formou como professora de Educação Física, mas depois acabou indo trabalhar como auxiliar administrativo. Em 4 de janeiro de 2004, Josiane estava indo jogar futebol e, no caminho, sofreu um acidente de moto que cortou a artéria da perna esquerda e praticamente a decepou. A partir desse momento, ficou submetida a cirurgias e recuperações. “A cada cirurgia que ia acontecendo, eu achei que ia voltar a andar normalmente, sempre tinha essa esperança”, salienta. No entanto, após dois anos de procedimentos, ela teve consciência de que nada mais poderia ser feito.
Foi diante disso que, em março de 2006, iniciou o treinamento no Remo após uma conversa com a Aflodef. Em apenas cinco meses, já estava na Inglaterra no seu primeiro campeonato. Dois anos depois, em 2008, o Remo entrou como esporte Paralímpico e ela conquistou a vaga para competir ao lado do parceiro Elton Santana.
Quando chegou em Pequim, uma forte sinusite atacou a sua saúde. No entanto, só recebeu o tratamento adequado uma semana após o início dos sintomas. “Ficamos 28 dias lá, oito dias eu fiquei piorando, passou mais uma semana tomando antibiótico e ainda não estava bem.” Nos quatro dias de competição, ainda não estava com a saúde em 100% e, com isso, o preparo físico também não estava no seu auge. “Fui me sentindo com a energia baixa, chegava no treino cansada, comia me sentindo mal mesmo. No dia da final, no aquecimento eu já vi que não ia aguentar, porque eu não estava bem, mas fomos mesmo assim”, confessa.
No entanto, durante as eliminatórias, o barco do Brasil estava muito à frente e não tinha como ser alcançado. Na final, fizeram a largada e tentaram realizar algo diferente, mas o objetivo não foi obtido e conquistaram o terceiro lugar. “Estávamos muito bem fisicamente e tecnicamente, estava tudo certo e todo mundo se surpreendeu pelo Brasil não ter pego o ouro, porque era para ser nosso”, reflete. Mesmo assim, Josiane relembra que ficou muito feliz com a conquista, “parecia que eu tinha ganhado a medalha de ouro, mordi ela como se fosse, porque sabia da nossa dificuldade e realidade”. Para ela, foi uma vitória sair da China com a medalha e já não importava mais qual era a cor.
Classificação funcional e a capacidade da atleta
Antes de ser definida como atleta de esporte adaptado, Josiane e todos os outros desportistas paralímpicos precisaram passar por uma classificação funcional, em que julga se a pessoa é deficiente físico e, com isso, analisam em qual categoria poderia competir. Nesse processo, há um classificador médico, que confirma os laudos e exames, e um classificador técnico, que avalia a funcionalidade que o atleta possui. “É focado na funcionalidade e capacidade da pessoa que tem deficiência, não na incapacidade dela”, explica.
Dentro do remo paralímpico, há três categorias: PR1, PR2 e PR3. A primeira é voltada para remadores com função nos braços e ombros, geralmente direcionada para quem possui lesão medular, como cadeirantes que não têm movimento da cintura para baixo. Na segunda participam pessoas que têm movimento do tronco e braços, mas apresentam fraqueza ou ausência da função das pernas. É nessa categoria que Josiane foi inserida. A última categoria é voltada para quem tem movimento completo de braços, tronco e pernas. Geralmente, os remadores dessa classificação são amputados de uma perna abaixo do joelho, atletas com deficiência visual ou intelectual.
* Laura é estudante do sétimo período de Jornalismo da Univali e faz estágio no Portal Catarinas, sob supervisão da jornalista Paula Guimarães.