Artigo de Andressa Braun*

Tudo começou graças a um empurrãozinho de José Acrisio, redator, em 1923, de um dos mais importantes jornais da capital catarinense. Ele desafiou publicamente as mulheres a escreverem na imprensa de Florianópolis. A resposta ao desafio chegou à redação de O Elegante poucos dias depois, e a responsável foi Maura de Senna Pereira, pseudônimo: Alba Lygia. Em pouco tempo, o nome verdadeiro foi descoberto, e Santa Catarina conhecia aquela que viria a ser a primeira jornalista do Estado de fato.

Uma mulher à frente do seu tempo, assim foi Maura de Senna Pereira. Ela nasceu em março de 1904, aprendeu a ler antes mesmo de frequentar a escola; e aos 19 anos, com a morte do pai e de um de seus irmãos, teve que trabalhar para sustentar a família de 10 pessoas. Foi nesse momento que Maura assumiu sua primeira profissão, a de professora. Mas essa ocupação seria apenas para garantir a renda da família porque desde o primeiro artigo para O Elegante, Maura não deixaria mais de escrever.

O roteiro pela imprensa catarinense

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Na imprensa catarinense, sete anos à frente da coluna “Domingo Literário” / Foto: Arquivo

Presbiteriana, a jornalista exerce, em 1924, a presidência da Sociedade Auxiliadora dos Moços, e escreve para o jornal O Atalaia, ambos ligados à Igreja Católica. Sua primeira participação expressiva na imprensa será, no entanto, no mesmo O Elegante de seu artigo precursor. Ela retoma sua vocação para o pioneirismo e escreve em 31 de março de 1925 aquele que viria a ser o primeiro artigo feminista publicado em Santa Catarina: “Volvamos nossas vistas para o porvir”. Ele será parte de uma série publicada na seção “Feminismo”, da qual Maura tornou-se responsável.

“Nesses últimos tempos, com especialidade, muito se há pregado uma profissão para a mulher. Que ella se não dedique exclusivamente – á aprendizagem de encargos domésticos e prendas essencialmente feminis. E o que é mais: que não viva unicamente a cuidar de si, para aparecer bem, bem mascarada, á força de rouge, carmin e crayon, vivendo a vida material das futilidades e do coquetismo, das mentiras de salão, cuidando das modas e de flirt, em busca do marido rico, de invejável posição social, a quem levianamente entregará o coração e a vida, sem a menor reflexão, quase sempre sem amor, e que lhe assegurará a mesma existência cômoda e chic. (…)”

No próximo ano, ela passa a escrever a coluna “À la garçonne”, do jornal florianopolitano Folha Nova. “Nela, Maura traçava perfis de senhoras e senhoritas da elite catarinense, não dentro dos padrões da época, mas mostrando sua importância pelas atividades que desenvolvem”, explica Rosa Maria Schroeder, autora da dissertação de mestrado Uma mulher além de seu tempo: Maura de Senna Pereira.

Porém, sua participação mais duradoura na imprensa de Florianópolis da época, será no jornal República, onde escreveria por sete anos. Em maio de 1931, seu nome apareceria no expediente do jornal entre os principais redatores. A partir de então, Maura tornou-se responsável pela página “Domingo Literário”, publicada semanalmente. Na seção, seu nome figura como diretora geral, sempre no topo da página, emoldurada e decorada. Em um período em que a comunicação entre Florianópolis e os outros centros culturais é escassa, Maura traz para a capital catarinense poemas e artigos de autores de outros estados brasileiros, e até mesmo, de fora do país.

Na Academia Catarinense de Letras: projeção da mulher em uma atividade predominantemente masculina/Foto: Arquivo
Na Academia Catarinense de Letras: projeção da mulher em uma atividade predominantemente masculina/Foto: Arquivo

Lauro Junkes, ex-escritor e presidente da Academia Catarinense de Letras – da qual Maura fez parte graças a seu jornalismo engajado, e presença intelectual marcante na vida social de Florianópolis – diz que a maior contribuição da escritora foi conseguir a projeção da mulher em uma atividade predominantemente masculina. “Maura foi uma mulher de espírito avançado em tudo”, completa Junkes.

As bandeiras

As principais lutas de Maura eram relacionadas às mulheres. Ela defendeu incessantemente o direito da mulher ocupar novos espaços na sociedade – de não ficarem restritas à esfera do lar –, o direito ao divórcio e ao voto feminino. “Para Maura, a educação seria o meio das mulheres conseguirem ficar em posição de igualdade com os homens”, explica a mestre em História Rosa Maria Schroeder.

No que diz respeito ao divórcio, a jornalista sentiu na pele o preconceito da sociedade da época. Aos 27 anos, casou-se pela primeira vez e foi morar no Rio Grande do Sul, terra-natal do seu então marido. Frustrada, ela rompe o casamento e volta para Florianópolis. Não permanece na Ilha nem por um ano, não havia espaço para mulheres separadas, muito menos no meio público.

Um exemplo de mulher para Maura, e tema recorrente de seus artigos, foi Anita Garibaldi. A jornalista destaca, além do heroísmo de Anita; a mulher que não se conforma com os papéis já estabelecidos pela sociedade e assume novas posturas. Apesar de ressaltar essas qualidades, ela faz questão de citar os atributos da heroína ditos femininos, já que eram esses os respeitados pela sociedade. “Pode-se dizer que Maura foi uma feminista possível para a época, porque uma pessoa, por mais que inove, nunca está totalmente desligada de seu contexto”, explica Rosa Maria Schroeder.

Além de defender causas feministas que somente mais tarde as militantes começariam a reivindicar, a jornalista também prenunciou uma consciência ecológica que surgiu apenas nas últimas décadas do século passado.

Rio de Janeiro, a terra adotada

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Em 1931, o nome da primeira jornalista de Santa Catarina já constava entre os principais redatores do Jornal República

Depois da separação do primeiro marido, Maura vai morar no Rio de Janeiro, cidade onde viverá até o fim da vida e encontrará – como ela mesmo descreve em poemas – o verdadeiro amor. Maura conhece o escritor José Coelho de Almeida Cousin, poeta mineiro de quem já havia publicado textos na seção “Domingo Literário”, do jornal República, de Florianópolis. Em 1942, Maura passa a viver com o escritor e desperta mais fortemente para a poesia. A partir de então, ela torna-se novamente pioneira: passa a abordar o aspecto sexual das mulheres em seus textos.

Na imprensa carioca, Maura trabalhou em diversos jornais e revistas. Entre eles, A Noite, A Manhã e Vida. A impossibilidade de ter filhos fez com que se interessasse por alguns temas relacionados ao assunto. Em A Noite, por exemplo, a jornalista publica várias reportagens sobre o parto sem dor, realizadas na maternidade Clara Basbaum. Em 1957, a série torna-se livro e um fenômeno de vendas na Feira de Livros realizada naquele ano, no Rio de Janeiro. No jornal A Manhã, Maura escreve ainda inúmeras reportagens sobre fecundidade, esterilidade e terapêutica psiquiátrica.

No entanto, sua colaboração mais duradoura na imprensa carioca seria no jornal Gazeta de Notícias. Primeiro, como criadora e responsável pelo suplemento “Mulher” que inicia em 1950. Mais tarde, como editora das colunas “Casa de Boneca” e “Nós e o Mundo”.

Depois da mudança e união com Cousin, Maura retorna poucas vezes à Florianópolis, muitas delas para participar de eventos públicos e representar, como no período em que morou na sua terra-natal, a mulher catarinense. Maura de Senna Pereira, a mulher que abriu portas para as novas jornalistas e questionou valores enraizados na sociedade, morre no Rio de Janeiro, aos 88 anos, deixando saudades ao mundo jornalístico e literário.

Jornalista e poetisa

A veia poética acompanhou Maura de Senna Pereira em toda sua vida. É reconhecida por grandes escritores e está expressa em diversos livros. Carlos Drummond de Andrade avaliou sua poesia como de “alta meditação existencial”. Jorge Amado classificou seus versos como “densos e fortes”.

Seu primeiro livro foi Cântaro de Ternura, publicado em 1931; seguido de Poemas do Meio-Dia de 1949, e Círculo Sexto (1959). País de Rosamor, de 1962, é considerado pelos críticos, uma de suas principais obras e representa uma síntese do pensamento da escritora. Nele, Maura propõe um novo mundo, de uma sociedade igualitária, socialmente justa e em harmonia com a natureza.

Em 1980, a autora escreve Despoemas, um livro de apenas 23 páginas; seguido de Cantiga de Amiga, editado em 1981. Poemas-Estórias, de 1984, é um misto de poesia, conto, fábula narrativa e fábula poética. Seus últimos livros –7 Poemas de Amor e Busco a Palavra – foram publicados em 1985, sete anos antes de sua morte.

* Andressa Braun é jornalista. O artigo foi produzido em 2004 para a disciplina de História do Jornalismo do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina sob a coordenação da Professora Doutora Marialva Barbosa (UFF)

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