Uma rede de apoio muitas vezes será composta por pessoas do convívio de uma mulher vítima de violência. Ou seja, nem sempre será composta por especialistas ou pessoas com formação em áreas como saúde ou direito. É, por isso, que esse tipo de rede precisa de orientação para, de fato, poder ser efetiva quando solicitada. Nesse sentido, a política pública de prevenção e combate à violência contra mulher deve também voltar o seu olhar para essas pessoas – comuns, mas com papel importante no amparo às mulheres vítimas. 

Transmitir a mensagem de que a violência contra mulher pode acontecer nos nossos círculos mais próximos e como ela opera nesse contexto é uma chave importante para orientar pessoas comuns – do convívio das mulheres – para serem uma efetiva rede de apoio, se necessário. 

Quando existe um relacionamento próximo entre vítima e abusador, os alertas de que a mulher está passando por uma violência podem ser mais difíceis de serem reconhecidos por ela própria. Assim, a sua rede de apoio desempenha um papel importante em perceber que algo pode não estar indo bem. 

É comum que essa dificuldade de reconhecimento da violência se agrave quando se trata da violência psicológica, uma vez que seus efeitos podem não ser visíveis em um primeiro momento. Vale lembrar que a violência psicológica sempre está presente em um relacionamento abusivo. 

Esse tipo de violência pode se manifestar de forma direta, quando o abusador exerce controle sobre as ações, pensamentos e sentimentos da vítima, levando ao seu enfraquecimento emocional. Também pode ocorrer de forma indireta, como consequência de outras violências, como a moral, a patrimonial, a física e a sexual, que igualmente geram impactos psicológicos profundos e negativos na vítima.

Os efeitos, gerados de modo direto ou indireto, são agravados por um dos principais desafios enfrentados pelas mulheres inseridas em um ciclo de violência: o isolamento social. Essa estratégia, usada pelo abusador para que a mulher fique mais dependente dele e permaneça sob seu controle, tem a função de afastar a vítima de toda e qualquer pessoa que possa questionar ou perceber a violência e, consequentemente, ajudá-la a sair do domínio do abusador.

Por isso, uma rede de apoio diversificada e bem orientada é tão importante. É fundamental que as mulheres cultivem relacionamentos sinceros com pessoas de diferentes espaços de convivência, sabendo que podem contar com essas pessoas a depender de cada situação. 

Se a violência e o isolamento social estão acontecendo no ambiente familiar, colegas de trabalho ou da comunidade de fé podem ter importante papel no suporte à vítima. O contrário também é válido. Se a violência acontece no trabalho ou na comunidade de fé, que os familiares possam desempenhar esse papel. 

A seguir, algumas informações que poderiam ser popularizadas em nossa sociedade a fim de contribuir para o fortalecimento de redes de apoio formadas por pessoas comuns:

Validar sentimentos: quando a vítima se queixa do relacionamento para pessoas da sua rede de apoio, é importante que essas pessoas afirmem que faz sentido se sentir desconfortável com os comportamentos do parceiro. Assim, a mulher se sentirá validada em suas questões, justamente o contrário do que sente quando está no abuso e tem seus sentimentos manipulados, confundidos e controlados. 

Acolher a ambiguidade: saiba que, ora a vítima sente raiva, ora sente esperança de mudança por parte do abusador. Acolher a ambiguidade emocional é parte dos desafios da rede de apoio. Essa ambiguidade é uma consequência gerada pelo ciclo da violência: ciclo constituído de fases de tensão/brigas e lua de mel. Desse modo, é comum que, a mesma mulher que se queixa do seu parceiro abusivo após uma briga, no momento seguinte, ela acaba perdoando ou valorizando algo muito básico que o parceiro fez, na fase de lua de mel.

Estar ao lado dela: é comum que as pessoas da rede de apoio desejem o término do relacionamento, quando cientes dos riscos e dos malefícios causados pelo abusador. Porém, enquanto a vítima passa pelo seu próprio processo de reconhecimento da violência e fortalecimento de si mesma, é importante que a rede de apoio se mantenha por perto, e que evite os julgamentos. Demonstrar o posicionamento contrário ao relacionamento pode afastar ainda mais a vítima da convivência e deixá-la ainda mais isolada.

Importante lembrar que, de acordo com o ciclo da violência, essa mulher entende que ora a relação está ruim e ora está boa, como se cada fase do ciclo fosse apenas um evento comum, que acontece em todas as relações. Mantendo-se por perto a rede de apoio poderá ajudá-la a perceber as etapas do ciclo e a gravidade delas.

Escutar sem forçar: pedir para que a mulher conte repetidas vezes a sua história é uma atitude que causa danos à saúde mental e à segurança emocional da mulher. É importante que a rede de apoio cuide para que ela não precise reviver situações de violência além do necessário, pois isso pode retraumatizá-la. 

Mediar situações difíceis: ações muito práticas de mediação entre a vítima e serviços que ela precisará acessar, ou mesmo entre ela e o abusador devem estar no radar das pessoas da rede de apoio. Alguns exemplos são:

1) acompanhar a mulher na delegacia em caso de denúncia, caso não consiga ser acompanhada por uma advogada; 

2) providenciar encaminhamento médico, psicológico e jurídico; 

3) mediar o contato com o abusador, para tratar de assuntos importantes, como os cuidados com os filhos; 

4) oferecer abrigo temporário, nos momentos pós saída do ambiente de abuso; 

5) auxiliar a vítima no momento de retirar seus pertences da casa(para aquelas que moravam com o abusador). 

Essas e outras ações evitam que ela vivencie sozinha uma série de situações com alto potencial traumático, e abre espaço para que a vítima se recupere dos danos, consequências, efeitos psicológicos e traumas gerados pelo relacionamento abusivo.

Apoiar os recomeços: quando ela tenta retomar projetos e sonhos individuais, os quais o parceiro sabotava ou impedia, é importante que a rede de apoio esteja presente. Cabe lembrar aqui que uma das consequências do relacionamento abusivo é a baixa autoconfiança. Ao sair do abuso, a vítima ainda está imersa nos efeitos psicológicos causados pelo ciclo de violência: vergonha, culpa, esperança, ansiedade, medo e confusão mental.

Por tudo isso, torna-se essencial que essa vítima receba apoio, para que ela absorva a mensagem de que alguém acredita na capacidade dela (conteúdo oposto ao que ela recebia do abusador). Essa sensação de se lembrar de suas próprias potencialidades irá ajudá-la a investir em seus projetos.

Referências: 

  • Análise funcional da permanência das mulheres nos relacionamentos abusivos: Um estudo prático – Autoras: Daniely Cristina de Souza Pereira, Vanessa Silva Camargo,Patricia Cristina Novaki Aoyama.
  • O Corpo Guarda as Marcas: Autor: Bessel Van Der Kolk.

Este texto faz parte da Cartilha Violência Psicológica Contra a Mulher, produzida pelas organizações da Aliança Pelas Mulheres (APM).

Sobre a APM 

Aliança Pelas Mulheres (APM) é uma coalizão de organizações que atua na promoção dos direitos das mulheres através de advocacy, eventos, pesquisas e a promoção de conscientização sobre violência de gênero.

A coalizão nasce do entendimento que as violências contra as mulheres e a estrutura patriarcal da qual elas nascem, sempre atreladas às estruturas racistas e classistas, são um problema complexo e que, portanto, depende de múltiplas soluções.

Ainda, a coalizão entende que a diversidade do Brasil, com suas múltiplas regiões, costumes e desigualdades, também deve ser observada ao construírem-se ações coletivas que visem a promoção dos direitos das mulheres, usando da interseccionalidade como método para pensar ações e estratégias de educação, prevenção e enfrentamento à todas as formas de violência contra as mulheres. 

Formada por organizações e consultoras residentes nas 5 regiões brasileiras, com atuações nas áreas do direito, assistência social, comunicação, educação em direitos humanos, pesquisa e psicologia, a APM traz um olhar sobre gênero multiprofissional e com foco nas interseccionalidades entre raça, classe, gênero, origens geográficas e outros marcadores sociais.

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Julyelle Conceição

    Psicóloga formada pela FURB- Universidade Regional de Blumenau, especialista em Análise do Comportamento pela Fepar - Fa...

  • Laís Pereira

    Psicóloga há mais de uma década, Laís já atuou com diferentes públicos no consultório, principalmente mulheres. Especial...

Últimas