“Na escola não se aprende sobre sexo, ideologia de gênero, ativismo LGBT, Comunismo, Esquerdismo, Religião”. O texto é do panfleto que foi distribuído pelo colégio Univest, em Lages/SC e que levou à suspensão de duas alunas por manifestarem discordância com o documento pelas redes sociais. Maria Alice Cruz Forest, de 15 anos, e outra colega que preferiu não se manifestar foram impedidas de frequentar as aulas nos dias 19 e 20 de outubro.
O caso aconteceu no começo da semana passada. “Terça-feira [17] de tarde a Alice recebeu o panfleto na escola e me mostrou. Ela me avisou que publicaria na internet e eu perguntei se era a opinião dela, ela disse que sim, não me opus. Na quarta-feira, ela foi suspensa”, conta Fabiana Cruz, fisioterapeuta e mãe de Maria Alice, estudante da primeira série do ensino médio da Univest, em Lages/SC. A adolescente fotografou o documento (reproduzido abaixo) com o comentário “2017, a nova idade média. (Pasmem, isso é real)”. A escola considerou que a postagem, que foi comentada e compartilhada por centenas de pessoas, “denegriu (sic) a imagem da instituição”.
A família da adolescente ainda discute de que forma irá proceder diante dos acontecimentos e se diz perplexa. “A escola é formadora de opinião, ela não tem que restringir, tem que se falar sobre todos os assuntos, eles têm que ser discutidos, os adolescentes têm que formar suas opiniões na escola”, aponta Fabiana, que afirma que tentou contato com a direção para dialogar sobre o fato, mas que não obteve retorno. “Busquei falar com a escola e a direção não quis me receber e não entrou em contato comigo”, conta.
Maria Alice diz se sentir injustiçada com o que aconteceu. “Pra mim, foi uma forma de coagir os outros alunos a não se manifestarem. Eu acho que a escola tem que ter um espírito pensante, ela tem que motivar os alunos a terem um senso crítico, junto com a família, só que eles quererem apenas abafar alguns assuntos e isso não vai ajudar a gente a desenvolver uma opinião política sobre as coisas”, argumenta. Ela acredita que a situação não deveria calar os outros alunos. “Mesmo que eu tenha sido suspensa, se os alunos se calarem isso nunca vai mudar”, diz.
Procurada pela reportagem desde a semana passada, a Univest informou que apenas o diretor, Geovani Broering, poderia se manifestar, mas estaria fora da instituição. Nesta segunda (23), declarou que não haverá nova manifestação. O Sindicato das Escolas Particulares do Estado de Santa Catarina (Sinepe) afirmou que a escola “agiu dentro da lei” e que “as famílias devem procurar a escola cujas orientações, religiosa ou não, política ou não, sejam mais adequadas às suas expectativas para a formação dos filhos”.
Leia mais
A coordenadora de Educação em Direitos Humanos e Diversidade da Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina, Rosimari Koch explica que a SED não tem gerência sobre o sistema privado de ensino, se restringindo a induzir políticas e divulgar a Proposta Curricular e a Política de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às violências na escola. “Para as escolas públicas da rede estadual, na qual temos gerência, esses documentos são norteadores do trabalho pedagógico. Além da proposta curricular, a SED lançou em 2011 a Política de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às violências na escola, orientando todas as escolas a constituir e articular os Núcleos de Prevenção às Violências nas Escolas nas Gerências e nas Unidades escolares. Esta política integra ações de educação, prevenção, atenção e atendimento, articuladas em rede intersetorial, objetivando a promoção de uma educação em e para os direitos humanos, que possibilite não somente conhecimentos sobre direitos, mas a formação consciente para o exercício desses direitos. A SED vem orientando às unidades escolares, por meio desses documentos, para que ao trabalhar o conhecimento científico, o currículo privilegie saberes em que distintos pontos de vista permitam ao estudante ampliar seu repertório cultural, objetivando a promoção dos direitos humanos”, conclui.
Escola sem partido, escola sem mordaça
O caso de Maria Alice ocorre em pleno debate provocado pelo movimento “Escola sem partido”. As normativas apontadas pela escola no documento, vetando o debate sobre determinados temas, tem sintonia com o que propõem os projetos de lei que tramitam em 20 Assembleias Legislativas no país e que procuram coibir a expressão política nos ambientes escolares. Em Alagoas, o projeto que impede o debate político por professores chegou a ser aprovado, mas o Supremo Tribunal Federal suspendeu através de liminar os efeitos da lei, sem data para julgamento do mérito.
De autoria do deputado Altair Silva (PP), tramita na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), o projeto de lei (PL) 0290.3/2017, que busca instituir o que chama de “Programa Escola sem Partido”. Em municípios como Joinville, Florianópolis, Tubarão e Balneário Camboriú projetos da mesma ordem também tramitam nas Câmaras de Vereadores. Como contraponto, o movimento Escola sem Mordaça questiona o que chama de sanções ao exercício da liberdade de expressão. Neste mesmo sentido, o PL 0406.8/2017, proposto pelo deputado estadual Cesar Valduga (PCdoB), procura permitir que não seja vedado ao ambiente escolar a liberdade do pensamento.
Para a professora e deputada Luciane Carminatti (PT), há falta de diálogo e desinformação quando se trata dos temas que a escola elencou, como no caso de Maria Alice. “A gente não dá aulas de esquerdismo nem de comunismo, mas como um professor de história não vai falar da Revolução Russa ou da Guerra Fria? Isso é roubar do aluno uma parte do conhecimento, inclusive fragiliza a formação desse educando. Vamos negar que existiu experiências socialistas e comunistas no mundo que precisam inclusive ser analisadas do ponto de vista da origem, dos resultados, dos impactos? Não é uma questão de ser a favor ou contra, mas a escola precisa permitir que os alunos tenham acesso, inclusive para fazer uma leitura crítica sobre os acontecimentos”, explica.
A deputada, que também preside a Comissão de Educação da Alesc, acredita ser necessário que se respeite as diretrizes que norteiam a educação brasileira. “A educação nacional têm um currículo que deve ser obedecido pelas escolas privadas e públicas, sempre garantindo um princípio que está na Constituição, no artigo 206, que é o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e a co-existência de instituições [de educação] públicas e privadas. O pluralismo serve para educação nacional, para escolas públicas e privadas”.
Para Rosimari Koch, coordenadora de Educação em Direitos Humanos e Diversidade da Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina, compreender a diversidade como princípio formativo significa buscar promover a discussão nos espaços escolares. A gestora responde com base na Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina (PCSC), atualizada em 2014. “Compreender a diversidade como princípio formativo significa buscar promover a discussão nos espaços escolares e compreender que a valorização da diferença não se dá por meio de um discurso harmonioso, inócuo, e pela aceitação de grupos considerados excluídos como uma atitude, apenas, de tolerância. O respeito e o reconhecimento são o objetivo”, aponta.