“Ah, quando essas Marias todas se ajuntar. Sapatão, trans, viadas, pretas, brancas, vermelhas, amarelas e todas outras coloridas da mesma classe! Punhos erguidos, pedras e sonhos nas mãos. Seremos todas Marias da revolução”. O trecho da música “Maria de Luta” poderia ser um chamado à greve de mulheres programada para 8 de março, dia marcado mundialmente por lutas. E talvez seja. Essa e outras músicas que passeiam nas mais variadas temáticas dos feminismos integram o repertório do “Elas por Elas – a força das mulheres criadoras”, que está entre as atrações do mês que engloba o Dia Internacional da Mulher.

Com suas músicas autorais, Carol Voigt, Dandara Manoela, Iara Germer, Jana Gularte e Tatiana Cobbett voltam ao teatro do CIC, em Florianópolis, em 2 de março, depois de uma aplaudida estreia no Projeto Verão 2017, desta vez dentro do CIC8:30.

Foto: Goldem Fonseca
Elas por Elas traz a diversidade dos feminismos/Foto: Goldem Fonseca

“Quando crescer, quero ser meio você”, cantam em outro trecho da música. Inspiradas na sonoridade das cantorias populares – a exemplo dos cânticos das lavadeiras e terno de reis – elas cantam e dançam durante todo o espetáculo. No palco, não se separam, nem se ausentam, mostrando a integração e a vontade de ficarem juntas. É um convite para pensar as potencialidades que surgem da união das mulheres. “Nosso potencial individual artístico reverbera no coletivo. Faz com a gente se conecte de fato e olhe verdadeiramente umas para as outras. Poder levar essa verdade ao público e fazer dele parte desta construção torna este trabalho um dos mais incríveis de que já participei”, afirma a cantora Jana Gularte.

Além de valorizar a criação musical das mulheres, Elas por Elas mostra a coragem dessas cantoras e compositoras ao tocar em temas como a liberação sexual, o empoderamento, a igualdade racial, o direito de decidir sobre o próprio corpo e de viver sem violência. Na primeira apresentação, “Maria de Luta” provocou silêncio seguido de aplausos ao levar para o teatro questões consideradas tabus, como o aborto. “Que destino tem a minha gente? Cadê Cláudia, cadê Jacira, cadê? E essas Marias que cá estão pobres, aborteiras e putas. Destino de Maria é ser Maria de luta”.

Jana destaca que o espetáculo traz a diversidade dos feminismos na integração de diferentes lugares de fala.

“O mais interessante deste nosso encontro é perceber que mesmo cada uma de nós tendo um lugar de fala diferente, seja por etnia, classe ou mesmo orientação sexual, o que nos conecta de forma avassaladora é o reconhecimento de sermos mulheres e nos sabermos por isso”.

Foto: Goldem Fonseca
Tatiana Cobbett e Jana Gularte em “Woman’s Blues”/Foto: Goldem Fonseca

Sororidade verdadeira
Perto do final do show, “Woman’s Blues”, de Tatiana Cobbett, é quase um manifesto: “Aceitem a mulher que sou”. “Não levantamos bandeiras, somos a própria bandeira”, afirma Tatiana.

Algumas dessas cantoras já se conheciam, mas foi a partir do movimento gerado pelo Sonora Ciclo Internacional de Compositoras – mostra por visibilidade das mulheres na música autoral – que as afinidades afloraram para essa troca. Para Jana, romper a estrutura machista que pressupõe toda mulher como inimiga da outra é um processo contínuo.

“O grande desafio deste trabalho não é artístico: todas são artistas incríveis. Derrubar as barreiras e não deixar nenhum tijolo dessa construção machista entre nós é a ação mais importante deste coletivo. O elo que se forma a partir daí é indestrutível, a força dessa nova construção com base na sororidade verdadeira é farta, generosa”.

 

https://www.youtube.com/watch?v=2PeX_NEQUqQ

Com arranjos, produção e direção artística feitos de forma coletiva, Elas por Elas conta com os compositores e instrumentistas Larissa Galvão na flauta, Fabio Mello na flauta e saxofone, Luis Gama na percussão, Pedro Loch no violão e Rafael Calegari no contrabaixo.

Tantos as letras quanto os textos do espetáculo são autorais. Como “Fado”, escrito e declamado por Jana Goulart durante o show:

Fado
Atravesso o mar que me cerca
E dou sempre em mim mesma
Serei eu continente
Densa mata circundando a margem
Sim, sou margem
Nem mar nem terra
Mas da margem avisto as ilhas
Muitas delas Arquipélagos infindáveis que me atravessam
E me cortam
Então flutuo e sou só superfície
E na superfície
Onde eu sou só corpo envolto na água
Sinto outras mãos, outras bocas, outros corpos
E percebo que só existo
Porque não estou só
Só existo porque somos muitas
E apenas existiremos porque seremos mais

Serviço: 
O quê: Espetáculo Elas por Elas
Quando: 2 de março, quinta-feira, às 20h30
Onde: Teatro Ademir Rosa, CIC
Quanto: R$ 30 inteira, R$ 15 meia

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