Todos os brasileiros que tiveram acesso à educação, nas séries iniciais, ou até mesmo, aqueles que nunca tiveram esta oportunidade, sabem que somos descendentes de africanos, trazidos à força e escravizados em nosso país, onde fomos submetidos à tortura, trabalho forçado e condições desumanas de sobrevivência, isso se deu ao longo de 350 anos. O Brasil foi o último país a acabar com tráfico de escravos e, aqui, a abolição se deu há menos de 130 anos. Dito isso vale lembrar que esta população foi largada à própria sorte, sem trabalho remunerado, moradia, ao passo que seus corpos foram substituídos por imigrantes europeus, no projeto de embranquecimento do país. Até hoje vivemos em busca de qualidade de vida, ocupamos, na maioria, as periferias das cidades, sendo fácil identificar  o “lugar dos negros”, e incomodamos quando saímos dos locais destinados à nossa população.

A população negra, no Brasil, é formada por pessoas que se auto definem de cor preta e parda, e segundo dados da Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), são 70 % dos usuários do SUS, pois é um serviço público e gratuito, onde a maioria dos atendimentos é feito a mulheres, pretos e pardos, com baixa escolaridade e baixa renda familiar. Foi identificado, através de evidências científicas, que os resultados terapêuticos são de baixa resolução, em relação ao usuário branco, como por exemplo, o tempo de atendimento no consultório ao paciente negro é inferior ao paciente branco, e o nosso cliente é menos tocado durante o exame clínico.

Os problemas de saúde que prevalecem na população negra são hipertensão arterial sistêmica (HAS), onde achados de pesquisas apontam que 30-40% dos casos são determinados geneticamente e que a taxa de mortalidade por HAS, nesta população, vem aumentando gradativamente. Há relatos de que o estresse, as condições de desidratação e desnutrição, a que foram submetidos nos porões dos navios negreiros, acabaram por ocasionar uma seleção natural, onde os mais resistentes sobreviveram, sendo assim, desembarcaram com alterações metabólicas, que foram transmitidas a seus descendentes. A diabete também é outra doença onde a maior prevalência é nesta população, com aumento também da mortalidade e do risco de morte nos últimos anos. A anemia falciforme é uma das doenças hereditárias mais comuns no Brasil, e apresenta nos primeiros meses de vida manifestações clínicas importantes, o que representa um  sério problema de saúde pública no país.

A mortalidade materna é maior que a branca causada principalmente por hipertensão, hemorragia e infecção pós –parto. Nós recebemos menos analgesia (medicação para dor), pois acreditam que somos mais fortes, mais resistentes a dor, somos menos orientadas a fazer o pré-natal, e consequentemente o pós-parto, é mais dificultoso.

Das mortes na primeira semana de vida, 47% atingem crianças negras. São causadas por má formação congênita, prematuridade, infecções perinatais. Grande parte das famílias negras vive em espaços urbanos e rurais com ausência de informações e acesso a bens e serviços de qualidade (saúde , educação, saneamento básico, etc), o que os torna mais vulneráveis. Recordando que a exclusão dessa população aos meios que garantem a mobilidade social em diálogo com os privilégios de brancos e brancas deste país, tem como consequência um racismo estrutural, que as impede de ter acesso a bens básico como a saúde, educação e moradia, por isso como nos informa a campanha do Sistema Único de Saúde (SUS): “O Racismo Mata, não fique em Silêncio”.

Vale ressaltar que existe a Lei 12.288 que trata da politica nacional da saúde integral da população negra, com a finalidade de desconstruir o racismo institucional no SUS, e a inclusão das práticas de cura de matriz africana. É necessário que a população preste atenção ao realizar seu cadastro, ficar atento ao quesito raça/cor que deve ser preenchido conforme a auto declaração do paciente, assim fornecendo dados corretos para que sejam realizadas mais pesquisas e programas específicos para a população negra.

Em Florianópolis, conforme dados estimados da secretaria municipal de saúde(SMS), a quantidade de usuários do SUS, negros, gira em torno de 60%. E sendo trabalhadora do estado em um hospital público, não encontro esta população internada, onde estão? Foram devidamente encaminhados, ou morrem à espera de um encaminhamento médico ?

Perguntas para as quais pretendo em breve, ter respostas.

*Cláudia é enfermeira da Secretaria de Saúde de Santa Catarina, especialista em Gestão em Saúde e integrante do Coletivo Pretas em Desterro.

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  • Claudia Prado da Rosa

    Enfermeira da Secretaria de saúde de Santa Catarina. Especialista em Gestão em Saúde. Integrante do Coletivo Pretas em D...

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