No Ano Internacional das Línguas Indígenas instituído pela Unesco serão apresentados diferentes gêneros musicais cantados em línguas indígenas e português. Rap em guarani, metal em tupi, MPB e rock em Yate. Funk em Kayapó e várias outras formas de fusões musicais, fortalecendo também os idiomas indígenas. A Rádio Yandê, a primeira web rádio indígena do Brasil, organiza em novembro o Yby 1° Festival da Música Indígena, o primeiro festival de música indígena contemporânea do Brasil, no espaço Unibes Cultural, em São Paulo. O evento, que ocorre nos dias 29, 30 de novembro e 1 de dezembro, contará também com desfile de moda, exposições em realidade virtual, alimentos tradicionais e discussões de políticas públicas voltadas para a arte indígena, entre outras atrações. A produção Yby Festival é da Rádio Web Yandê e Nossa Terra Firme.

A fundadora da Rádio Yandê, Renata Machado, conhecida como Aratykyra ou Renata Tupinambá, explica que a comunicação na cultura indígena não está restrita a notícias. “A comunicação está ligada a tudo. Até aos sonhos, educação e transmissão de saberes para as próximas gerações. A música também comunica nossos corpos. Está em tudo e é o ponto chave para fortalecer cada vez mais nossa identidade. Para coexistir apesar das diferentes realidades a nossa volta”, explica a indígena.

Para a Tupinambá, que é uma das organizadoras do evento, o festival pretende fortalecer a necessidade de políticas públicas e compromisso dos diferentes setores em abrir espaços para os artistas indígenas. “Para que esses profissionais tenham apoio para se desenvolver de forma independente, seja por meio do empreendedorismo ou outros caminhos”, pontua. 

O Yby Festival surgiu da necessidade da Rádio Yandê em fazer algo para contribuir com a inserção de artistas e músicos indígenas no cenário musical brasileiro, no qual essa população é invisibilizada. “Com o surgimento da rádio em 2013 aumentou o número de músicos de diferentes povos, temos muito orgulho da forma pela qual abrimos o cenário da música indígena contemporânea no país. O festival é um espaço para celebrar a nossa pluralidade e resistência”, conta Renata Machado.

As frentes da arte indígena
As tradições indígenas são vivas e também utilizam diferentes linguagens para se manifestar. Entre os nomes confirmados estão Djuena Tikuna, Edivan Fulni-ô, Brisa Flow, Nory Kayapó, Wakay, Gean Ramos Pankarau, Oxossi Karajá e muitas/os outras/os.

Além da música, o evento mostrará também outras faces da arte indígena. Assinando a coleção inédita que será exibida no desfile do evento estará a estilista Beni Kadiweu (MS) que trabalha os signos e grafismos de seu povo em roupas contemporâneas e objetos de decoração. A praça de alimentação trará o mestre Ed Kiko com a cultura alimentar afroamazônica e produtos da sociobiodiversidade. 

“Yby significa Terra em Tupi antigo, seu nome veio de um sonho de um dos cofundadores da Rádio Yandê, Anapuaka Tupinambá que desenvolveu o conceito. Y é água, então remete automaticamente à terra cercada por água, uma ilha. O símbolo do festival é um cágado, animal que é tanto da água como da terra, também cercado de significado para os povos originários, foi desenhado por um artista indígena, Gustavo Caboco de origem Wapichana. A terra é o que existe de mais importante para nossas culturas por isso é um festival em defesa das vidas indígenas na terra. Acreditamos que precisamos defender sempre a mãe terra e o meio ambiente, principalmente quando existem tantas ameaças ao equilíbrio da vida em territórios indígenas”, explica Renata Tupinambá.

O Yby terá o Prêmio Galdino de Música Indígena como forma de incentivo e reconhecimento pela sua arte. “A escolha do nome é em memória à resistência indígena de todos os dias. Nunca esquecemos de lembrar aqueles que partiram e são assassinados até hoje. Não é fácil ser indígena no Brasil. Não podemos nunca esquecer da difícil realidade de nossos povos”, assinala a entrevistada. Galdino Pataxó líder indígena que lutava pela demarcação de terras foi brutalmente assassinado em Brasília em 20 de abril de 1997, local da atual Praça do Compromisso.

Imagem: Yby Festival

Descolonizar os veículos de comunicação
Para Renata Tupinambá é preciso descolonizar os veículos de comunicação “para tirar as roupagens dos discursos coloniais que vemos até hoje as pessoas reproduzirem, carregados de discriminação, etnocentrismo, mas principalmente pelo fato de que é preciso respeitar a pluralidade cultural, possuímos diferenças. Não podem nos homogeneizar, precisam respeitar os diferentes mundos e culturas”, ressalta.

Nascida em Niterói (RJ), durante a adolescência aos 14 anos após o falecimento de sua avó materna, que já morava na cidade, sentiu a necessidade de se conectar à etnia da família em comunidades na Bahia. “Nossa família sofreu muito na cidade. O povo Tupinambá passou muito tempo sendo considerado extinto em várias regiões do país, mas em meados de 2002 na região de Olivença foi reconhecido pela Funai. Isso também fortaleceu a etnia em um contexto nacional. Povos indígenas do Nordeste passam por um preconceito grande, pois foram os primeiros povos que tiveram contato com o colonizador. Hoje, a maior concentração de aldeias da etnia é na Bahia e no Pará”.

Para ela, a palavra índio generaliza as diferenças dos povos. “Ser Tupinambá é renascer todos os dias de um solo coberto de sangue e lágrimas, em que muitos se esconderam para sobreviver, mas estão retornando para lutar; é ter memória e saber específico da história. Na cultura alguns de nós recebemos mais de um nome, na adolescência até um período da vida adulta eu tinha outro nome. Depois que fui mãe passei a ser Aratykyra, ara dia/tempo e tykyra gota, vem do Tupi antigo, mas a pronúncia varia de acordo com o povo e região”.

Em sua atuação, Aratykyra defende o conceito de “etnomídia”, que se trata de uma comunicação com identidade étnica. “Uma mídia que não é cópia das outras, mas vira ferramenta de acordo com o povo que dela se apropria a seu modo. Fugindo dos padrões impostos pela mídia não indígena. A Rádio Yandê mostra a importância do protagonismo, independência e autonomia indígena no fomentar do direito à comunicação de todos os povos” enfatiza.

Criadora do podcast Originárias, Renata Tupinambá vê a iniciativa como uma retomada para que as pessoas descubram quem são esses músicos, artistas, profissionais da arte, no cinema e até mesmo literatura.

“É preciso fugir dos estereótipos sobre as culturas indígenas, para compreender que existe muita diversidade não apenas um modo de ser indígena, mas várias etnias e pessoas em diferentes contextos”, explica.

O Yby Festival está sendo construído de forma colaborativa, através de parcerias entre organizações da sociedade civil, empresas, voluntariado e doadores individuais. Entre os apoiadores estão a Associação Civil Alternativa Terrazul, Unibes Cultural, Dubdem Congresso de Felicidade, Escola Brasileira de Ciências Holísticas e Casa Índigo (RJ). O link para doações individuais está disponível na Plataforma Catarse e institucionais no e-mail [email protected] .

Contato:
Website
Instagram @ybyfestival
Facebook

 

 

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Vandreza Amante

    Jornalista feminista, antirracista e descolonial atua com foco nos olhares das mulheres indígenas. A cada dia se descobr...

Últimas