Mulher.
Eu sou mulher. Quem mais é mulher? Alô mulheres. Mulher. Menstruação. Feminino. Útero. Mulherada. Eu e a Adele já tivemos mulheres… Mulher, mulherasso, mulherusco, mulherante, mulherão. Mulher do céu. Menina. Miniiiiina. Garota. Gata. Gata garota, gatinha miau. Moça. Lady. Mocinha. Princesa. Guria. Nena. Fofa. Mulherzinha. Mulher-macho sim senhor. Mané-macho. Sapatão. Sapatômica. Piranha. Santa. Bela, recatada, do lar. Mãe. Pãe. Tia. Vó. Chefa. Presidenta. Doutora. Senhora. Dona. Mulher.
O termo “mulher” e os termos associados historicamente a mulheres cis estão sob risco de apagamento? Não vejo as coisas assim.
De onde vejo, nossos entendimentos do termo “mulher” como categoria analítica é que estão sendo ampliados – como, aliás, é tradição feminista: foi Simone de Beauvoir quem consolidou o entendimento de “mulher” como categoria analítica ao postular que “não se nasce mulher; torna-se”. Algo que Sojourner Truth já enunciava ao questionar as feministas cis brancas de outrora (que já então realizavam operações de exclusão de mulheres das lutas por direitos de mulheres…): “e eu, não sou uma mulher?”.
Nancy Hartsock nos ensinou que feminismo é método de desfazer opressões, e não um arcabouço de conclusões sobre elas, por isso é e deve ser dinâmico e contextualizado geotemporalmente.
Barbara Smith lembra que um feminismo que não inclui todas as mulheres não é feminismo, mas plataforma de auto-engrandecimento.
Todas as mulheres citadas até agora são cis, como eu.
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A mulher que produziu uma das críticas mais bem estruturadas sobre o feminino enfatizado (ou seja, aquele visível não em corpos, mas na linguagem), RaeWyn Connell, é trans. E é da retórica deliciosa de Jack Halberstam, autor trans, que vem meu entusiasmo com as possibilidades de um, como ele chama, “Feminismo Gaga”, que, eu penso, auxilia na recomendação de Donna Haraway para, e a parafraseio de memória aqui, que “as feministas ciborgues falem todas as línguas de um mundo virado de cabeça para baixo”.
E, para esta articulação aqui, com exceção de Connell, que é australiana, propositalmente usei apenas autores e autoras das Américas pra poder fazer o próximo ponto, que é:
Gênero e os termos de gênero como categorias de análise aparecem em discussões sobre linguagem desde as preocupações com tradução de Gayatri Spivak até o debate que Bibi Yusuf engendra com a exposição das tensões entre linguagem e gênero que Oyeronke Oyewumi demonstra, passando por Chandra Mohanty e sua observação do olhar da academia feminista ocidental sobre discursos coloniais e, de volta ao Brasil, às investigações do termo “cisnormatividade” sendo empreendidas por Beatriz Pagliarini Bagagli e o amanhecer intersexo anunciado por Amiel Vieira.
Não precisamos temer a perda de termos relacionados a categorias analíticas de gênero. E podemos e devemos ampliar o vocabulário com que tratar estas questões.
A gente vem fazendo isso há anos. Tensionar a categoria analítica “mulher” sempre foi tarefa dos feminismos, e os estudos de gênero e o feminismo têm isso em comum. O reconhecimento de que o binário de gênero cisheteronormativo supremacista branco e colonial não dá conta da realidade é outra perspectiva da qual feminismos e estudos de gênero comungam.
Formas não patriarcais (e anti-patriarcais!) com que pensar e expressar questões de gênero são necessárias.
Discernimento, gente.