Homens se preocupam em combater o machismo em casa para alterar o futuro de filhas e filhos.

Quarta-feira, 9h, a reportagem chegou à casa de Israel Motta, 27, e ele estava terminando de dar o café da manhã para os três filhos: Gaia, 2, Zion, 4, e Jimi, de 7 anos. Todos sentadinhos na cadeira, e tudo arrumado. Parecia até fácil cuidar deles. Às 10h, os brinquedos já estavam revirados, Gaia subindo em cima dos móveis, Zion e Jimi correndo pelos cômodos. Israel começou a preparar o almoço na cozinha entre uma ida e outra na sala e nos quartos, catando as coisas no chão, para ver os meninos. E seguiu até a criançada dormir. Na quinta-feira, seria a vez da mulher, Camila Volta, 27, ficar com os filhos em casa, enquanto Israel trabalharia no seu estúdio de tatuagem.

Já faz quase um ano que o casal reveza os cuidados com os meninos durante a semana. “Nós morávamos na roça, e os dois faziam tudo. Mudamos para BH há três anos, e eu passei a trabalhar o tempo inteiro, quase não via os meninos. A Camila estava pirando de só ficar em casa. Agora, ela sai e faz os frilas (freelances) dela”, explica o tatuador. O nascimento da filha Gaia foi a deixa para que eles revissem conceitos tidos como machistas, culturalmente impregnados. “Eu comecei a me ligar nisso ao ser pai de menina. Poxa, minha filha vai crescer, e como eu gostaria que ela fosse tratada, quais os direitos que ela merece?”, reflete Israel, que diz encarar uma desconstrução diária.

Pais como ele, “combatentes do machismo”, reconhecem que é um desafio vigiar as atitudes e mudar a cada dia, mas a recompensa é participar mais da vida dos filhos e construir para eles um futuro livre de preconceitos. Eles também são chamados de “pais modernos”, “cabeça aberta” ou “feministas”, já que o feminismo é um movimento de luta por direitos iguais entre homens e mulheres.

No entanto, pais que aplicam isso – por acreditarem que a mudança começa em casa – até existem, mas não aos montes. Ao consultar militantes feministas, elas indicaram alguns homens que estão se desconstruindo, mas confessaram que não é algo comum. “Em geral, o que mais temos acesso são mulheres reclamando da falta de divisão do cuidado com os filhos. São poucos os que têm consciência da responsabilidade dessa função, em parte pelos estereótipos de gênero, em parte pelo privilégio da posição machista, já que sobrecarrega as mulheres”, afirma Letícia Gonçalves, uma das organizadoras da Marcha das Vadias, protesto contra rótulos e violência.

“Estamos numa posição privilegiada, a gente é educado para ser o macho viril. Não existe vacina; quando tomamos consciência sobre a importância disso, o trabalho é permanente”, admite o auxiliar administrativo Leonardo Péricles, 34, pai de Pedro, 1. “Você vê que é muito simples, porque, em vez de ajudar minha mulher no cotidiano, eu preciso ser responsável, é uma divisão da tarefa mesmo”, acrescenta.

Debate. Atualmente, as mulheres estão mais engajadas em quebrar barreiras machistas, mas é fundamental que essa pauta também seja debatida com os homens. “Um pai feminista é um pai ultrajante. Tão transgressor que adora receber flor dos filhotes, batom na cara e não se envergonha de chorar junto quando é hora da vacina dos pequenos”, postou o criador-facilitador da página #PaiFeminista no Facebook, Rafael Guimarães. Em suas publicações sobre novas formas de pensar e agir em um mundo de igualdade de gêneros, ele ressalta que “nunca é tarde demais para mudar”. E a mudança ocorre no comportamento como homem, marido e pai de menino e de menina, o que inclui também as mães, afinal muitas delas ainda replicam o machismo e estão, ali, do ladinho dos filhos.

Equilíbrio. Em torno da mesa, na casa do diretor de cinema Alexandre Jordão, 43, o assunto volta e meia é sobre “equilibrar os papéis do homem e da mulher na sociedade”. Ele tem duas filhas gêmeas de 14 anos. “Meu pai não lavava nem um prato, e minha mãe ficava sobrecarregada, era médica e gerenciava o lar. Só é possível parar de seguir esse modelo quando você enxerga isso. Minhas filhas estão crescendo e vendo um pai que cuida delas, faz comida, arruma casa, tudo que a mãe faz”, conclui.

IGUALDADE

Educar sem diferença entre menino e menina

No ano passado, Thiago Moreira, 28, virou notícia por ter pintado as unhas para ensinar uma lição ao enteado Arthur, que tinha 4 anos e sofreu preconceito na escola por gostar de esmaltes coloridos. “As cores são para todos”, disseram os pais do menino à época. Agora, Moreira tem uma nova missão: virou pai da Margot, 5 meses. “São dois desafios: educar o Arthur para não oprimir as mulheres e a Margot para não ser oprimida. Ensinamos aos dois o respeito ao corpo”, conta o pai. A educação também passa pelos brinquedos, que não têm qualquer distinção. Margot poderá brincar com carrinhos, e Arthur tem jogo de cozinha. “Nas lojas, as pessoas veem o Arthur brincando com panelas, ficam curiosos, acham estranho, mas nunca comentaram nada”, diz.

Esse tipo de criação têm sido valorizada nesse momento de combate aos preconceitos, mas muitos começaram a mudança lá atrás. O psicólogo Francisco Viana, 61, é pai de um casal de 29 e 32 anos. “Tratei eles como dois sujeitos humanos sem diferenças por causa do sexo. Confesso que não é fácil, temos medo da violência, mas minha filha jamais foi impedida de fazer algo com a justificativa de que era mulher”, relata.

O cineasta Alexandre Jordão, 43, deixa claro para as filhas adolescentes que “elas não dependem de homem nenhum para serem felizes e têm livre liberdade na orientação sexual”. (JS)

Pintar as unhas pode!

Arquivo pessoal/Facebook
Arquivo pessoal/Facebook

“Depois daquele dia (em maio de 2015, quando Arthur, então com 4 anos, ouviu de um colega na escola que parecia uma “menininha” por pintar as unhas de esmalte, o padrasto também pintou as unhas para driblar o preconceito e mostrar que todos podem usar as cores), não aconteceu mais nada, e de vez em quando ele ainda pinta as unhas. Acho importante as crianças brincarem com tudo, porque isso vai ajudar lá na frente. Arthur gosta de cozinhar e me ajuda a lavar a louça e a passar pano na casa. Ele vê que aqui todos têm que fazer tudo. Agora, temos a Margot, e já é estipulado que sou eu quem troco as fraldas”. (Thiago Moreira, 28)

Todos juntos e misturados

Foto: Uarlen Valerio
Foto: Uarlen Valerio

“Os brinquedos do Jimi e do Zion são os mesmos da Gaia. Aqui não tem essa de brinquedo de menino e de menina nem historinhas de princesa, a gente tenta trazer tudo para a normalidade. A família é que às vezes dá coisa rosa para a Gaia. Mas eles dormem no mesmo quarto, não tem diferença. Sou vegano e, além da igualdade de gêneros, prezo pela igualdade de todos os seres vivos. Então, todo mundo faz tudo, já é normal para mim estar sozinho com eles. Ano passado viajei só com os dois meninos. Estranho é estar sem eles. Às vezes ainda nos pegamos sendo machistas, tipo “ó, não faz isso que é coisa de menina”. (Israel Motta, 27).

Fonte: O Tempo

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