Querida coisa que todo mundo sente e percebe, mas não sabe o que é,
Boa noite. Aqui, pela falta de nomes que não sejam limitadores, denominarei de realidade, por que a realidade é o que a cada um parece ser e cada um tem a sua. Uma vez li que ser livre é escolher. E também que liberdade é uma questão de escolha. O ser que escreve é uma mulher. Isso significa, na realidade patriarcal, um número limitado de escolhas. O que faz com que o poder de escolher fique circunscrito em uma redoma deixando assim de ser um poder. Eu escolhi dizer não a isso e me encontrei com uma palavra: feminismo. Acho que essa escolha vai repercutir em todas as outras da minha pequena existência.
Depois de um tempo vivendo essa escolha constatei (bem humildemente em minha alma) que feminismo é a única palavra que conheço que nasceu com a esperança de poder deixar de ser necessária um dia e ficar só na memória.
É que desde então dentro de mim eu sinto um som, uma batida que pulsa cada vez mais forte, traz perguntas e respostas que vem de um tempo além do que minha existência pode captar. Percebe? É claro, você é a realidade e é tão imensa e multifacetada que só você mesma poderia ouvir ou até mesmo ser esse som que eu nessa matéria que me compõe só consigo sentir. Sinto como se fosse uma música que eu carrego e até canto antes mesmo de saber cantar ou de ter uma voz. Seria possível uma memória anterior a minha própria consciência?
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Pois bem, olha como ela é: Tem o cheiro da minha avó, o olhar de minha mãe, o sorriso de minha filha (mas eu não tenho filhos) e um gosto parecido com aquele choque que levamos nos dentes quando tomamos algo muito gelado, tem vez que dói até a cabeça. Percebe? É claro que percebe. Você É tudo isso. Esse som envolve tudo de maneira transcendental, passado, presente e futuro. Está nas constelações, nos elementos, em mim e em você, seja lá você quem for. Uma força criadora, um canto tão profundo que não tem palavras, elas são incapazes de alcançar essa imensidão. Ultrapassa qualquer coisa que limite.
Como já disse, o ser que escreve é uma mulher e quer descobrir o que isso significa. Olho no espelho e o reflexo nele me desafia. Desafia-me a ir além das escolhas que limitadamente me impuseram. Desafia-me a querer os caminhos inéditos e irrepetíveis que só meus pés podem fazer. Nessa busca chamei-me feminista para vestir-me da mulher que só eu posso ser, que se eu não for ninguém será e eu sem ela não serei nada além das pré-determinações que tentam me empurrar.
Aí, se hoje eu me deitasse nos seus braços de Mãe Natureza (se tiver braços e – se tem – caso eu não esteja já deitada neles), de realidade (palavra curiosamente feminina também, olha só), ou dessa força criadora que fatalmente existe independente de nome e de causa para esse fato que é a vida, o começo de tudo, eu pediria: que toda mulher que existe nesse mundo se desnude de tudo que lhe aprisiona e se vista de si mesma (tem uma frase feminista que fala algo bem parecido com isso). Ah, desejo também que troque de roupa sempre que desejar porque ninguém é obrigado e nem capaz de ser a mesma coisa o tempo todo. Aí então, que fique nua se preferir. E aí que se transforme nesse Poder, nesse grito, nesse canto, nesse som que inundou meu coração e inunda a alma toda nós.
Que sopre irremediavelmente no âmago da existência de cada uma a liberdade de desvendar-se. No silêncio dos julgamentos, no escuro dos próprios sentimentos e concepções para ver as estrelas de sua constelação. Que sua essência cruze o céu de sua alma como um meteoro. Esse é o desejo de hoje, do fundo do meu universo interior para a estrela cadente que acabou de passar por aqui.