Após o discurso em LIBRAS da primeira-dama, mulheres com deficiência aguardam a representatividade prometida no primeiro dia de governo.

A reforma da Previdência deixa rastros nos mais diversos movimentos sociais e esses segmentos expressam o seu descontentamento com a proposta que acena para a retirada de alguns dos poucos direitos conquistados com muita luta. Para pessoas com deficiência, a proposta de emenda à Constituição aumentou o tempo de contribuição para 35 anos de idade, independente de gênero e grau de deficiência.

Atualmente, uma mulher com deficiência de alto grau se aposenta com benefício integral depois de 20 anos de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com a reforma, ela vai ter de trabalhar mais 15 anos, pois terá de contribuir 35 anos, como os atuais gestores do país querem. Em caso de deficiência moderada, a contribuição anterior à reforma seria de 29 anos para homens e 24 anos para mulheres.

A reforma da Previdência prevê que os homens terão de trabalhar mais seis anos e as mulheres com deficiência, por sua vez, mais 11 anos. Já os trabalhadores com deficiência leve contribuem com 33 anos e as trabalhadoras, 28. Com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06/2019, o tempo de contribuição aumenta dois anos para os homens e sete para as mulheres.

Aposentadoria por invalidez
Substituída por “aposentadoria por incapacidade permanente para o trabalho”, o direito à integralidade deste benefício será prestado apenas aos segurados incapacitados por decorrência de acidente de trabalho. Em outros casos, o valor será de 51% do pagamento com mais 1% para cada ano em que aquele trabalhador contribuiu.

Como fica a mulher com deficiência?
Nesta conta que em nada beneficia às minorias sociais, as mulheres com deficiência, que já suportam uma carga muito maior do que deveriam aguentar, ficam para trás, mais uma vez. Para chegar em um denominador comum, é importante considerar que o mercado de trabalho não comporta pessoas com deficiência. Enquanto representam 23,9% da população brasileira, apenas 1% de todo esse montante está presente no mercado de trabalho, conforme dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE) em 2010, pesquisa mais recente sobre este grupo.

A Lei de Cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em que empresas com mais de 200 funcionários teriam que ter ao menos 1% de trabalhadores com deficiência em seu corpo de cargos, tornou-se vigente em 1991. No entanto, após 28 anos de funcionamento desta legislação, ainda se vê a precariedade no cumprimento.

A contratação nas empresas se limita a pessoas com deficiências leves a moderadas, cuja locomoção não necessitem de medidas em acessibilidade arquitetônica. Também, em cargos subalternos e salários escassos, tornando mais difícil ainda um planejamento de carreira e fazendo com que pessoas com bons currículos se submetam a funções para quais não estudaram, por estarem limitadas às demarcações colocadas por empresas que não acreditam nas capacidades além da deficiência.

Ainda, há o cenário de instituições que consideram a acessibilidade um problema e se recusam a investir e equipar as suas instalações para receber trabalhadores com deficiência. Não apenas no plano arquitetônico, a acessibilidade atitudinal também fica devendo, pois a capacitação de funcionários para receber colaboradores com deficiência, seja por parte de colegas ou superiores, é inexistente.
Com isso, pode-se compreender que a entrada e permanência de pessoas com deficiência no mercado de trabalho seja dificultada por uma série de barreiras e faz com que este grupo precise trabalhar o dobro para ocupar posições de liderança e destaque. Logo, se manter ativo e contribuinte para a previdência é um desafio.

Sendo mulher, a situação se agrava. A mulher com deficiência vivencia a jornada tripla de trabalho e a maternidade da mesma forma que as que não possuem quaisquer limitações físicas ou intelectuais. Ainda assim, o ônus dos obstáculos só diz respeito a elas e muito pouco é compartilhado com familiares, colegas de trabalho ou a sua rede de apoio.

Ser mulher no Brasil não é fácil. Ser pessoa com deficiência também não. A junção desses estigmas coloca este grupo no ápice da subnotificação de violência sexual e doméstica, da exclusão do mercado de trabalho e acesso à educação, da invisibilidade e ausência de direitos. Tudo isso faz pensar que não, prolongar o tempo de contribuição para a aquisição da aposentadoria não é uma boa decisão para mulheres com deficiência.

Mulheres com deficiência devem contribuir para o Estado a fim de receber os investimentos em políticas públicas. Mas os mecanismos de defesa não são acessíveis, tampouco meios de locomoção, moradia, educação e trabalho. Menos ainda, os recursos em saúde pública. Não existe acessibilidade em delegacias, hospitais, postos de saúde, escolas ou outras instituições. As contribuições do suor de mulheres com deficiência são para fazer a máquina de pessoas sem deficiência – e sem outros estigmas – girar mais rápido.

O atual governo deu o seu aceno de boas-vindas para esta gestão com um discurso na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a promessa de que “vocês não serão esquecidos”. Agora, o que resta é a palavra de honra da primeira dama que, em cinco meses de governo, não mostrou mais que Marketing de caridade.

As mulheres com deficiência mantêm o posicionamento firme contra a reforma da Previdência e as esperanças para que, ao menos uma vez, considerem as especificidades deste montante de indivíduos para se fazer políticas públicas.

* Sarah Santos é uma estudante de jornalismo apaixonada de 20 anos, sulmatogrossense, que articula políticas públicas para mulheres e pessoas com deficiência e dá palestras, escreve sobre gente, fotografa sutilezas da vida e fala pelos cotovelos.

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