“Sinceramente leve, eu deixo os meus silêncios e sons falarem por mim”, canta Larissa Baq acompanhada de sua guitarra azul na música “Pausa” que integra primeiro o álbum da carreira, lançado em abril. Financiado coletivamente e disponível no Spotify, “• v o a •” traz obras contemplativas que expressam a identidade de uma instrumentista, compositora e cantora pronta para desbravar o mundo com serenidade. A jovem de 28 anos é uma das idealizadoras do Sonora Ciclo Internacional de Compositoras, mostra que acontece em 26 cidades de seis países e que terá como palco a capital de Santa Catarina entre os dias 18 e 22 deste mês (evento aqui). Natural de Franca, no interior de São Paulo, ela fez uma passagem breve por Florianópolis para cantar e trocar experiências sobre o evento dedicado a dar visibilidade às compositoras. Sim, elas existem e são muitas, mas ainda não visibilizadas e reconhecidas pelo público e pares.
O ciclo internacional é resultado de uma campanha nas redes que teve início com a hashtag “Mulheres Criando”, lançada no início do ano pela compositora mineira Deh Mussulini integrante do Coletivo Ana. “Vi a campanha e logo me identifiquei. Sugeri a realização de um festival, pois já tinha essa vontade há muito tempo”, afirma Larissa que ficou à frente da organização da mostra em São Paulo, realizada em julho. No vídeo abaixo, a compositora explica como a ideia surgiu.
https://www.youtube.com/watch?v=5yA6xWXi7tk
Durante a campanha cada compositora postou um vídeo com música autoral em protesto a uma mostra de compositores, cuja programação não contemplava mulheres. A ideia se espalhou pelas redes e mobilizou cantoras brasileiras em outros países dando início ao movimento Sonora Ciclo Internacional de Compositoras. “Num primeiro momento a curadoria da mostra pensou que não existiam mulheres compositoras e depois que elas eram inferiores aos homens”, conta Larissa sobre o evento que só visibilizou compositores do sexo masculino.
Ativismo pela visibilidade de compositoras
O ativismo em defesa de mulheres na composição começou antes. No final do ano passado, a cantora iniciou uma pesquisa, de forma independente, sobre mulheres compositoras e criou a página “Compositoras existem”. Dessa imersão nasceu um show, no qual toca músicas de compositoras como Ângela Rô Rô, Marisa Monte, Maísa, Beyoncé e Chiquinha Gonzaga. Em suas pesquisas, passou a admirar Chiquinha Gonzaga, conheceu tantas outras instrumentistas e ficou surpresa em saber que Beyoncé também compõe.
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“Há cerca de 150 anos, a mulher aprendia a tocar instrumentos para servir de dote ao futuro marido. Depois que casava, ela tocava apenas para entreter os convidados do companheiro. Sua expectativa enquanto musicista parava por aí, pois não havia estímulo e coragem para seguir adiante. Por isso, a grande maioria reproduzia criações de homens”, explica.
Ao acessar estudos da pesquisadora Carô Murgel descobriu que havia um empenho sistêmico da sociedade para invisibilizar compositoras, historicamente tratadas como “autores desconhecidos” ou “amadores” em partituras ou cartazes de shows.
“O Sonora veio para enaltecer esse debate sobre a desigualdade de gênero e dizer que nós existimos. Por mais que estejamos no século 21 ainda somos muitos diminuídas, por isso a importância de uma mostra como essa”, afirma.
Ouça Larissa Baq:
Diálogo com o silêncio
“A gente devia parar todo dia e ver o pôr-do-sol”, da obra “Quiça”, reafirma a leveza com que a musicista experimenta o mundo. Em suas letras, a compositora divaga sobre o amor romântico, a relação com o outro e as “querências” humanas e no som traz uma mistura de rock, jazz e ritmos brasileiros. Tímida, como se define, gosta de dialogar com o silêncio e de ficar sozinha com sua guitarra até que a composição comece a surgir. Diz que está em fase de maturar sua identidade enquanto compositora e instrumentista. Formada em audiovisual, começou a tocar em banda aos 14 anos. Depois de experimentar percussão, violão e trompete, dedicou-se a estudar de forma autodidata a guitarra por considerá-la um instrumento versátil. Neste mês e no próximo faz shows na Espanha, Portugal e França. Vai se apresentar em lugares onde há espaço para sua música, cujo estilo ela define como pop alternativo. “Há uma expectativa da comunidade brasileira no exterior de ouvir samba. Procuro tocar em lugares mais alternativos, onde o público não espere cover”, afirma. Larissa busca inspiração em compositoras como St. Vincent, Juana Molina, Ângela Rô Rô, Marisa Monte, Deh Mussolini, Maria Gadu, Céu, Isabela Moraes, Badi Assad, Alice Ruiz, Ana Paula da Silva e Tatiana Cobbett.
Sonora Floripa SC
Mais de 30 cantoras apresentam obras de compositoras que nasceram ou moram no estado, nos dias 18 e 19, das 20h às 23h, no Teatro Pedro Ivo. O Sonora Floripa SC conta ainda com fóruns temáticos sobre a representatividade das mulheres na cena musical, nos dias 20 e 21, das 17 às 22h, no Museu da Escola Catarinense (Mesc) e mostra de videoclipes e bate-papo com diretores, em 22, das 13h às 18h, na Fundação Cultural Badesc. No encerramento, um cortejo sonoro, com participação da banda Cores de Aidê, segue do jardim da fundação até a Praça XV. O público pode apoiar a realização do evento com uma contribuição na plataforma de financiamento coletivo Vakinha. Toda a programação é gratuita.