Psicóloga e ativista na luta por moradia, Júlia Andrade Ew, 24 anos, é candidata a deputada federal por Santa Catarina nas Eleições 2022 pelo partido Unidade Popular pelo Socialismo – UP.

Mulher branca, cisgênero e bissexual, Júlia atuou na construção da ocupação Anita Garibaldi, primeira ocupação urbana de prédio de Santa Catarina e na construção da Escola Eliana Silva, instituição popular que atua nas ocupações e periferias do Brasil inteiro.

Júlia é a sexta candidata a responder ao questionário proposto pelo Catarinas para divulgar as candidaturas de mulheres comprometidas com a agenda política feminista, antirracista e LGBTinclusiva no estado. 

As entrevistas serão publicadas diariamente por ordem de chegada.

Acompanhe a entrevista de Júlia Andrade Ew.

Conte sobre sua trajetória de vida/militância e quais motivações a levaram a disputar essas eleições.

Conheci meu partido, a Unidade Popular, ainda em fase de formação, na ocupação Lanceiros Negros, em Porto Alegre. Ajudei a legalizar a UP e hoje sou presidente estadual do partido. Minha militância se iniciou no movimento popular, especificamente na luta pela moradia, com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), onde ajudei a construir a ocupação Anita Garibaldi, a primeira ocupação urbana de prédio de SC, e a Escola Eliana Silva, uma escola popular que atua nas ocupações e periferias do Brasil inteiro, e aqui em SC. Atuei no movimento estudantil ao cursar Psicologia na UFSC, onde fiz meu mestrado na mesma área. Construo também o Movimento de Mulheres Olga Benário, que acumula uma experiência nacional importantíssima na defesa da vida das mulheres trabalhadoras por meio da construção de casas de referência para mulheres em situação de violência. O que me motiva a participar dessas eleições é a certeza de que nosso povo merece uma representação revolucionária, combativa e coletiva, e não esses parlamentares que apenas fazem valer os interesses dos muito ricos do nosso estado. É a certeza de que juntos podemos e devemos derrubar o fascismo, divulgar um programa revolucionário pro Brasil e construir uma alternativa política verdadeiramente independente pro nosso povo!

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Imagem: reprodução.

Você tem conseguido verba para a campanha? Como são divididos os fundos eleitoral e partidário entre as candidaturas? Você recebeu apoio e recursos do seu partido?

A UP, mais novo partido do Brasil, não tem acesso ao fundo partidário e tem, nacionalmente, apenas 0,06% do fundo eleitoral. O sistema de financiamento das campanhas políticas no Brasil é muito desigual, e enfrentamos essa mesma dificuldade em relação ao tempo de rádio e televisão, nos quais não temos nem um segundo! Para enfrentar essa situação, atuamos no sentido da nossa autossustentação financeira: não recebemos nenhum centavo de grandes empresários, ruralistas, banqueiros. Quem paga a banda escolhe a música, e a nossa música é escolhida pelo povo! Por isso, divulgamos nossas vaquinhas e, com o apoio de inúmeros trabalhadores, fazemos um trabalho independente e comprometido com um programa popular e revolucionário. Esse programa é defendido no Brasil inteiro pelas mulheres trabalhadoras: a UP é o partido com mais candidatas mulheres nestas eleições. Nós construímos das bases à direção do partido, o que tem significado uma política de fato justa e representativa para todas as candidaturas.

Quais as principais questões a superar hoje em relação à desigualdade de gênero? E quais suas propostas para resolver essa questão no cargo que você quer ocupar?

Entendo que nesse debate, três eixos são fundamentais de serem abordados: 

1. Violência contra mulher. 

2. Falta de acesso à creche, moradia e a carestia da vida.

3. Descriminalização e legalização do aborto. 

Nesse sentido, as seguintes  propostas se enquadram no eixo 1:

– Ampliação e melhoria dos serviços já existentes para proteção da mulher: com a construção de delegacias da mulher 24h, em que se tenha um acompanhamento efetivo das denúncias realizadas e encaminhamento para as redes de proteção caso necessário.

– Ampliação dos horários dos serviços públicos de saúde além do horário comercial.

– Construção de mais casas de referência para mulheres e crianças vítimas de violência.

– Abertura de novos editais para contratação de mais profissionais para a rede pública e realização de formações para os profissionais que tratam diretamente com esses casos.

– Fiscalização dos serviços fornecidos pela rede. 

– Revisão dos cortes orçamentários em relação às políticas públicas destinadas às mulheres.

– Orçamento regionalizado.

Quanto ao eixo 2:

– Defesa do direito à creche para todas as crianças em período integral.

– Ampliação das vagas em creches de forma a acomodar as crianças nas instituições mais próximas a seus bairros, caso não seja possível a disponibilização de transporte para que possam acessar o local.

– Fiscalização dos recursos utilizados para a Educação Básica no país e garantia de qualidade dos serviços prestados. 

– Congelamento dos preços dos alimentos, gás e luz.

 – Aumento do valor do salário-mínimo e do auxílio emergencial.

– Uma reforma urbana popular que garanta o direito à cidade de forma integral para as trabalhadoras.

 Por fim, quanto ao eixo 3:

– Construção de políticas públicas que visem instruir a população sobre o aborto, explicando em que casos e como pode ser acessado.

– Realizar a construção de mais pontos especializados em realizar esses procedimentos, e que possam passar as orientações adequadas para a mulher que for realizar o procedimento, com um acompanhamento psicológico ao longo desse processo.

– Construção de políticas de proteção para as mulheres que vierem a abortar.

Quais os principais temas a serem debatidos, hoje, em Santa Catarina e no Brasil? Quais propostas você apresenta para pautá-los?

Em termos de políticas voltadas para as maiorias exploradas, entendemos que o principal tema deve ser a retomada da capacidade do estado de efetivar o desenvolvimento social e econômico.

Para tanto três propostas são fundamentais:

1. Eliminar a barreira aos investimentos nas áreas sociais. Para isso será imprescindível revogar a PEC do teto de gastos aprovada no governo Temer.

2. Suspender imediatamente o pagamento da dívida pública e instaurar uma auditoria para verificar caso a caso o que já foi pago, o que foi devidamente contraído e o que pode ter seu pagamento retomado.

3. Dotar o estado de capacidade de planejamento para intervir na economia, definir objetivos de transformação da realidade e induzir a superação do subdesenvolvimento.

Como você pretende atender as diferentes especificidades das mulheres, contemplando em seus projetos as mulheres negras, indígenas, lésbicas e mulheres trans?

Para além de todo o programa construído visando diminuir as desigualdades de gênero existentes, é necessário que sejam pensadas e implementadas políticas públicas que possam atender às especificidades das mulheres do nosso país. É importante ainda adicionar a esse grupo as mulheres imigrantes e PCDs, que sofrem com a dificuldade de acesso aos direitos básicos. 

Uma das maiores dificuldades das mulheres trabalhadoras, negras, periféricas, LBT+ das cidades é a falta de moradia. Ter uma casa própria, uma moradia digna, além de ser um direito humano, é um fator de segurança e autonomia para as mulheres, que chefiam a maioria dos lares brasileiros.

Mas infelizmente nosso país nunca realizou uma reforma urbana nem uma reforma agrária que reparasse os danos de séculos de exploração colonial e capitalista que concentrou a propriedade da terra em uma elite machista, racista e LGBTfóbica. Essa é uma pauta que diz respeito às mulheres! Lutamos por essas reformas e pela demarcação imediata das terras indígenas e quilombolas.

Dentre outras medidas, é necessária também a ampliação de serviços públicos especializados para auxiliar as mulheres trans, facilitando no fornecimento de medicamentos necessários, acompanhamento psicológico e garantindo que possam ser inseridas nas políticas públicas já existentes para mulheres.

O fortalecimento e construção de equipamentos públicos para lidar com a especificidade das mulheres LBT+, principalmente no SUS, e uma política de empregabilidade com dignidade são essenciais.

Na sua opinião, quais questões mais graves afetam as vidas da população LGBTQIA+? Quais suas propostas para enfrentá-las?

A população LGBTQIA+ no Brasil sofre com a discriminação, com a violência e com a falta de condições de vida que toda a classe trabalhadora vem sofrendo. No Brasil, a população LGBT sofre com a violência diariamente, seja nos espaços de trabalho, nas ruas ou dentro de sua própria casa. Os dados são muito escassos, pois não há pesquisas estatísticas em relação a isso. Ainda assim, os poucos dados que temos acesso mostram uma grande quantidade de assassinatos, com requintes de crueldade, violência física e violência psicológica. Em 2021, foram cerca de 316 assassinatos no Brasil de pessoas LGBTQIA+, o que significa que cerca de 5 pessoas morreram por semana por serem quem eram. Mas a comunidade LGBT também é vítima do desemprego, dos empregos informais e sem direitos, são os primeiros a sentir a falta da saúde pública, da educação pública precarizada.

A opressão sofrida pela população LGBTQIA+ está pautada diretamente na sociedade patriarcal e na propriedade privada e existe para manter uma hegemonia da ideologia reacionária que tem uma sociedade de classes. E por isso, essa exclusão tem uma consequência na comunidade, que é a de que, por serem excluídos de uma “normalidade” dos trabalhadores, são ofertados a eles, na maioria das vezes, somente os subempregos, o sistema de saúde e a educação precarizados e a pobreza. Isso acontece principalmente com as pessoas negras e trans dentro da comunidade LGBT, que têm uma expectativa de vida em torno dos 35 anos de idade, e que acabam tendo que se sustentar através da prostituição. 

Assim, é preciso ampliar as políticas de atendimento à comunidade LGBTQIA+ no Sistema Único de Saúde, o SUS, que já existem, mas que com a redução orçamentária na saúde pública, são as primeiras a serem precarizadas, como é o caso do Ambulatório Trans.

É necessário que sejam feitas casas de referência a pessoas vítimas de LGBTfobia ou violência, onde possam ser acolhidas por médicos, mas também psicologicamente e juridicamente. Muitas das pessoas LGBTs que sofrem essas violências, sofrem desde jovens e são obrigadas, muitas vezes, a saírem de suas casas com rumo às periferias e obrigades a aceitarem empregos precarizados ou trabalhar informalmente.

É necessário, portanto, lutar também para acabar com a estrutura da sociedade patriarcal, que é pautada na propriedade privada, e que coloca a população LGBT como excluída. Pois só será possível o fim das opressões, incluindo a opressão ao povo LGBTIA+, acabando com o modo de produção capitalista e implantando um modo de produção socialista, onde o próprio povo decide sobre suas próprias vidas. 

E sobre as desigualdades raciais, quais suas propostas para superá-las?

As desigualdades raciais são decorrentes do processo exploratório e violento contra negros e indígenas em nosso país, sem qualquer tipo de responsabilização ou punição desde o início do processo de colonização do Brasil, e delimitam as desigualdades socias brasileiras. O primeiro passo para findar as desigualdades raciais está justamente na punição severa de toda forma de crimes racistas que venham a violentar esses grupos, sem exceções. 

Para além da responsabilização pelos crimes raciais, é preciso defender a inclusão desses grupos historicamente marginalizados na nossa sociedade e lutar pelo amplo acesso à escolarização, ensino superior, moradia digna, terra, trabalho formal com salário justo, saúde e lazer.

Mas não se pode criar ilusão quanto à dimensão da tarefa que é combater o racismo do Brasil. Esse é um dos principais desafios do nosso país. Por isso, é preciso incentivar a criação de museus de memória crítica negra, indígena e quilombola (evidenciando a cultura desses grupos e as violências sofridas por eles, para que nenhum crime seja jamais esquecido), além de criar serviços de referência e formação de profissionais para apoio jurídico, emocional e físico para os grupos, onde estes não sofram revitimização ao procurarem acolhimento após serem vítimas de violência/ataques racistas. Uma profunda mudança no sistema de segurança pública pelo viés antirracista também é necessária, pondo fim à polícia militar e à lógica de encarceramento em massa que atinge principalmente a juventude negra em nosso país.

Enquanto uma candidata feminista, como pretende atuar de forma a enfrentar os discursos reacionários que não admitem que as mulheres tenham autonomia plena sobre seus corpos, que acreditam na existência de uma “ideologia de gênero” e comprometem a implementação de políticas públicas, principalmente na área da educação, voltadas à equidade de gênero?

Em primeiro lugar, apresentando dados objetivos e científicos que desmascarem as falácias disseminadas pelos difusores da “ideologia de gênero”.

Em segundo lugar, partindo da premissa de que uma atuação restrita ao parlamento é insuficiente,  estimular de todas as formas ao alcance do mandato a auto-organização das mulheres em locais de estudo, trabalho e moradia para que exista um movimento coletivo e de abrangência nacional forte o suficiente não apenas para deter os reacionários, mas para obrigar avanços práticos urgentes na vida cotidiana das mulheres.

Vimos isso acontecer em diversos países da América Latina, e acreditamos na construção de grandes movimentos de rua que disseminem a consciência de que é preciso educação sexual para prevenir, contraceptivo para não engravidar e aborto legal e seguro para não morrer!  

A sua plataforma política prevê o incentivo à participação da sociedade na discussão e elaboração de políticas públicas? De que forma?

De forma geral, reativar mecanismos de participação popular previstos na constituição e desativados pelo atual governo ou nunca implementados, que nos dariam condições de atuar em unidade com a classe trabalhadora, sem estar à mercê do chamado “centrão”. Plebiscitos e referendos revogatórios são defendidos pela UP para consulta direta ao povo e revogação de todas as medidas anti-populares dos últimos governos. 

A título de exemplo específico, pretendemos – na área de segurança pública – introduzir o conceito de “segurança popular”, que significa superar conceitos ainda vigentes herdados da época da ditadura militar.

Assim, segurança popular significa eliminar do policiamento as áreas de costumes e policiamento político, uma nova forma de se entender segurança pública, desmilitarizada e exclusivamente para proteger quem realmente precisa, nas áreas em que se faz realmente necessária.

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